A economia circular é um modelo de produção e consumo que envolve a partilha, o aluguer, a reutilização, a reparação, a renovação e a reciclagem de materiais e produtos existentes, enquanto possível. Na prática, implica a redução do desperdício ou dos resíduos ao mínimo. No entanto, a complexidade regulatória e burocracia são obstáculo à adoção de negócios mais circulares. Foi esta a principal ideia deixada pelos especialistas que participaram hoje na Conferência “O Futuro é Circular” que o Jornal Económico promoveu no auditório CGD do ISEG, em Lisboa.
Ondina Afonso, presidente do Clube de Produtores Continente e Diretora de Qualidade e Investigação na MC Sonae, sublinhou o compromisso do Continente no combate ao desperdício e sensibilizou para a adoção de hábitos de consumo mais conscientes. “É nessa ligação com os fornecedores que entra o Clube de Produtores do Continente. Desde 2021, trabalhamos sobre o chapéu da sustentabilidade. Lançamos de uma maneira muito prática uma declaração junto dos nossos 365 membros o desafio de fazerem connosco esta transição de uma maneira consistente e com parceiros credíveis. É este modelo entre retalho, produção e conhecimento que trabalhamos no nosso dia-a-dia enquanto Clube de Produtores”.
No painel “Novas Cadeias de Valor”, a responsável falou ainda sobre a criação de um marketplace de oferta e de procura onde foram convidados os produtores, a Ciência, a indústria alimentar e a Academia para que os produtores disponibilizem os seus excedentes. “E fazemos este matching entre uns e outros e já conseguimos materializar em vários produtos, como o vinagre de maça de alcobaça”. Ondina Afonso referiu ainda o projeto piloto de compostagem, em que foram valorizadas 24 mil toneladas de excedentes num ano, transformados em compostos de fertilizantes naturais. “Ao nível de produtos, por exemplo, temos o croissant com ovos moles. Conseguimos recuperar o recheio de ovos moles que rebentam no manuseamento e estamos a rechear os croissants. Não vemos aqui um tema de custos para conseguirmos recuperar muito desses excedentes, mas o quadro legal está-nos a empatar algumas iniciativas”, destaca.
Olhando para as questões regulatórias, poderia haver forma de introduzir mais circularidade nas empresas? Sobre este tema, Ondina Afonso não tem dúvidas. “A tal plataforma que falei, a chamada feira do desperdício, vem trazer esta motivação para os nossos produtores olharem para a sua atividade de maneira circular, desde o desenvolvimento de novos produtos até à compostagem. Sobre esta última, a maior parte da nossa indústria e agricultura está sediada naquilo que chamamos as tais áreas agrícolas, naturalmente. Só que a legislação tem um vazio que não contempla a compostagem dentro destas áreas, o que tem levado à negação de licenciamentos desta atividade, não faz sentido. O Ministério de Agricultura tem de completar este vazio e apoiar os produtores no sentido de conseguirem financiamento para a logística inversa, ou seja, naquilo que têm em outras explorações ou parcerias com outros produtores e conseguir transportar para locais específicos para fazerem os tais compostos. Portanto, há aqui um conjunto de oportunidades que podem ser facilitadas com a legislação”, refere a responsável. “Estamos a trabalhar com a produção nacional, mas é preciso uma nova visão, uma nova atualização desta legislação e menos burocracia”, referindo-se a outras externalidades e decisores que podem fazer a diferença na circularidade, acrescenta.
Resíduos urbanos
A Valorsul é a empresa responsável pelo tratamento e valorização das cerca de 950 mil toneladas de resíduos urbanos produzidos, por ano, em 19 Municípios da Grande Lisboa e da Região Oeste. “A Valor Sul tem 30 anos de experiência na gestão de resíduos sólidos e tem na sua missão o termo circularidade”, sublinha Nuno Lobato, diretor técnico da EGF (Valor Sul), referindo-se também à receção e tratamento de 830 mil toneladas de resíduos em 2024 e que dessas 120 mil toneladas foram enviadas para reciclagem. “A Valor Sul encara os seus indicadores operacionais como um desafio e dentro da valorização energética temos vários subprodutos, como as escórias de incineração”, acrescenta. Atualmente, a Valorsul possui um sistema implementado para recuperar estas escórias de incineração, que envolve a separação de metais ferrosos e não ferrosos e a maturação da escória recuperada restante, resultando na produção de um agregado certificado que pode ser utilizado como aditivo na construção de estradas e outras aplicações de engenharia civil. Os metais ferrosos e não ferrosos são reciclados.
O setor dos resíduos é fortemente regulado e importa garantir a valorização de resíduos da forma mais sustentável nas suas diversas áreas de atuação. “Leva-nos a três desafios principais: regulatório, técnico e financeiro. Se houvesse uma legislação mais simples na área de ambiente e resíduos, provavelmente potenciaria o uso do produto no material. Por outro lado, o licenciamento das instalações de tratamento ainda mais complexo é. Agilizar os processos seria benéfico para a circularidade”, refere Nuno Lobato, diretor técnico da EGF (Valor Sul). Sobre a parte financeira, sublinha-se o facto de muito dificilmente se conseguir incorporar financiamento para as melhores técnicas disponíveis, tendo em conta o mercado altamente regulado. “Na parte técnica é fundamental assegurar se o cliente está disponível para aceitar a circularidade como cultura dele próprio”.
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