Portugal “está muito atrás do resto da Europa” no que toca à taxa de circularidade nas empresas e a contribuir para isso estão essencialmente duas barreiras: o excesso de regulamentação e burocracia, por um lado, e o custo elevado que representa fazer um investimento inicial em práticas de economia circular, por outro, diagnosticaram especialistas da área na conferência “O Futuro é Circular” promovida pelo Jornal Económico no ISEG.
Para quebrar esses dois grandes entraves, além de conhecimento e formação, é preciso que o Estado seja o “guardião” das políticas de sustentabilidade e circularidade e que seja um “exemplo”, que não tem sido. E sendo certo que estão previstos apoios, na realidade são poucos e estão “mal alocados”, assinalaram ao longo do painel Filipa Pantaleão, secretária-geral do BCSD Portugal, Luís Castanheira Lopes, diretor da Smart Waste Portugal e Sílvia Machado, diretora-executiva de Sustentabilidade na CIP.
“O planeta é feito de recursos que são escassos. Conseguimos conceber isso de uma forma muito prática nalgumas matérias que entram em crise, mas não em todas, compartimentamos também a lógica de consumo e de produção que temos implementada na sociedade”, começou por apontar a secretária-geral da BCSD Portugal, lembrando que este é um tema “crucial” há já muitos anos.
Criada há quase 25 anos pelas mãos de Belmiro de Azevedo, Álvaro Barreto e Vasco Melo, a BCSD defende uma visão integrada da sustentabilidade. “O que fazemos é juntar as empresas para conseguir trabalhar de forma rápida naquilo que são práticas que podem ser implementadas de forma transversal”, explicou Filipa Pantaleão, destacando três pilares do papel desta associação: capacitação e formação, compilação das boas práticas para passar a mais empresas e ter peso junto das instituições públicas de modo a conseguir ajudar relativamente a regulamentos que não estejam tão bem enquadradas.
“Na realidade, o que sabemos é que a circularidade é muito bonita, em conceito todos vamos tentar implementá-la, mas, quando na prática o tentamos fazer, deparamo-nos com uma série de barreiras”, alertou a secretária-geral do BCSD Portugal. Nomeadamente em termos de custos e de regulamentação.
“Até alinhamos com uma lei que determina a neutralidade carbónica ou o nível de reciclagem, mas desalinha com aquilo que podem ser leis mais setoriais e, portanto, ficamos num imbróglio e não conseguimos avançar de forma nenhuma”, descreveu a responsável, assinalando que o papel da BCSD e da Smart Waste Portugal é precisamente “organizar prioridades e conseguir sentar todas as pessoas à mesa”. Caso contrário, acrescentou, “a única coisa que fazemos é compartimentar problemas” e só temos noção que são transversais a toda a sociedade, e não apenas setoriais, quando “nos batem à porta”, ou seja, quando escasseiam (a água, por exemplo).
Dando uma perspectiva de caminho na jornada da sustentabilidade, Filipa Pantaleão deu conta que o tema da economia circular “está sempre no top3” das empresas, “sempre em cima da mesa”, havendo nos últimos anos uma “maior alocação de medidas porque estão a ser medidas”. Contudo, “os bloqueios da sociedade” existem. “Quer seja porque o Estado não está a incentivar medidas no sítio certo, quer seja porque a regulamentação é muito atroz e muito fechada setorialmente, ou o próprio público não estar alerta e disposto a pagar mais por produtos que efetivamente sejam mais sustentáveis em detrimento de outros. E é isso que ajudamos a trabalhar”, concluiu.
Sílvia Machado, diretora-executiva de Sustentabilidade na CIP, concorda com o diagnóstico dos bloqueios que existem, continuando a ser o enquadramento regulamentar da circularidade o “maior entrave”. “A legislação existe e já é uma base muito boa promotora da economia circular mas o que é facto é que na sua implementação as empresas se deparam com muitas barreiras”, considerou Sílvia Machado, acrescentando que o papel da CIP, como parceiro social e representante das empresas, é “lutar por um enquadramento o mais coerente e mais equilibrado possível para que as empresas possam fazer esta transição, sem perder a sua competitividade”.
A responsável da CIP lembrou durante a conferência que a circularidade “é muito mais que a gestão de resíduos”, é global, e envolve não só as empresas como os consumidores. Sendo certo que já existe no tecido empresarial português “exemplos de boas práticas”, o momento exige que se “recentre novamente o foco da economia circular” e “definir um roteiro”, sendo objetivo da CIP replicar em todas as empresas um objeto de medição dos níveis de circularidade. Sílvia Machado defendeu que é preciso analisar o que se faz “bem feito” lá fora e replicar em Portugal.
Mas as empresas, continuou a dirigente da CIP, “procuram também apoios”. “Qualquer implementação de qualquer estratégia de economia circular implica um investimento inicial avultado”, uma vez que envolve “alterações nos processos, no produto, nas cadeias de fornecimento, nas cadeias de valor, alterações nos sistemas de logística inversa – tudo isso implica um investimento muito grande” e “de facto, existem muito poucos apoios efetivos”, queixou-se Sílvia Machado. “O PRR tem qualquer coisa numa alinha que foca o aspeto da economia circular, mas de facto, estão previstos apoios, mas quando vamos procurá-los, há poucos e as empresas precisam”, defendeu também, recordando que 99,9% das empresas em Portugal são PME.
Luís Castanheira Lopes, diretor da Smart Waste Portugal, por sua vez, centrou a sua intervenção na conferência na necessidade de se fazer um diagnóstico fino para se perceber onde estamos e para onde vamos ao nível da economia circular, reconhecendo às empresas “um esforço” para contribuir para esse mesmo retrato.
“Era importante que nós, empresas e país, não perdêssemos o foco” porque só com “autoconhecimento” é possível tomar uma decisão informada, enfatizou o responsável da Smart Waste Portugal, associação criada há 15 anos com o objetivo de criar e disseminar boas práticas pelo tecido empresarial português. Além da relação com as empresas, Luís Castanheira Lopes destacou a “ligação muito forte” da associação com as universidades.
Acompanhe aqui em direto a conferência do Jornal Económico que decorre no ISEG.
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