Na penúltima crónica procurei salientar algumas questões relativas à necessidade de possuir um mínimo de competências numéricas e de análise estatística que permitam compreender as temáticas apresentadas pela comunicação social e pelas entidades governamentais, necessidade que se compreende tendo em conta a proliferação de informação “alternativa” (digamos) e truncada. Agradeço a vossa paciência por insistir no tema, numa perspetiva de cariz pedagógico, mas tendo em conta o meu background profissional julgo que poderei contar com a vossa anuência. Julgo que algumas ideias expressas na última crónica sobre as consequências do Brexit ao nível do setor turístico, resultantes da pesquisa de várias fontes, evidenciam de alguma forma a validade de interlaçar dados estatísticos, com projeções oficiais”, balizadas, no entanto por opiniões de diversos players fundamentadas na sua experiência empírica. Complexifica-se a análise, perde-se em termos de respostas claras e incisivas, mas ganha-se na construção de vários cenários/futuros possíveis.
No âmbito da problemática da pesquisa, avaliação e contextualização da informação, julgo importante possuir um mínimo de experiência e disponibilidade mental para analisar dados originários de outras áreas científicas. Um dos estudos mais interessantes publicados nos anos mais recentes (2015), da autoria de Anne Case e Angus Deaton (Prémio Nobel da Economia), intitulado “Rising morbidity and mortality in midlife among white non-Hispanic Americans in the 21st century”, permite compreender muitas das transformações constatadas na sociedade americana e noutras no que concerne às expetativas relativamente à economia e à sociedade. O tema tratado na altura no jornal Público sob o título “Porque estão os americanos brancos de meia-idade a morrer mais?”, discorria sobre a evolução das taxas de mortalidade de vários segmentos da população norte-americana, anexando dados comparativos relativamente a uma série de países europeus onde se constatava uma tendência oposta. Impressiona ao ler o estudo o aumento do número de americanos com dor crónica (e aparentemente sem poder de compra para adquirir analgésicos) e no regime de incapacidade temporária para o trabalho por motivos vários. Sugerem os autores uma ligação entre o que designam de epidemia de “dor, suicídio e overdoses” com o sentimento de insegurança económica sentida por muitos americanos. Insegurança essa que radica no abrandar do crescimento da produtividade desde os anos 70, e no aumento das desigualdades em termos de distribuição de rendimento, e num regime de segurança social com maior risco face ao americano. Referem ainda os autores, e cite-se, que “muitos membros da geração do baby-boom descobrem em primeira mão, ao atingirem a meia idade, estarem numa situação pior que a dos pais, com um crescimento dos salários muito modesto, especialmente para os indivíduos com nível de escolaridade ao nível do 12º ano”.
Análises igualmente recentes, da autoria de David Autor, sugerem que os impactos negativos estimados relativamente ao processo de globalização foram claramente subestimados, do que tem resultado uma re-avaliação da temática (ver texto no The Economist “David Autor, the academic voice of the American worker”). Ainda no campo interface medicina&economia não deixou de impressionar um texto recente disponível no site da BBC e intitulado “The long term effects of going hungry” que reporta as preocupações do Royal College of Pediatrics and Child Health e de professores do ensino secundário no Reino Unido com as consequências da “insegurança alimentar” no bem-estar físico e mental das crianças.
“Isto tudo para dizer o quê?”. A maioria dos modelos económicos, padecem por defeito, de excesso de simplificação das hipóteses, do que resulta um número reduzido de soluções. O objetivo dos modelos centra-se exatamente na redução da complexidade das relações entre variáveis no intuito de permitir um tratamento formal lógico-matemático apropriado. O problema reside na “subestimação” ou sobrestimação dos impactos consequentes, e na incapacidade para compreender em tempo útil o impacto das dinâmicas económicas na vida concreta e complexa dos indivíduos. A capacidade de se abstrair do quadro mental subjacente a determinada área do saber (neste caso a economia) e ponderar de forma neutra e objetiva contributos de várias disciplinas (história, gestão, sociologia, medicina, etc) oferece a oportunidade de mitigar as desvantagens de excesso de exposição a determinada área científica.
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