As medidas anunciadas pelo Governo para garantir liquidez às empresas e famílias poderão não ser suficientes para permitir que o embate na economia seja o mais suave possível, consideram os economistas ouvidos pelo Jornal Económico. Apesar de, na generalidade, reconhecerem que o Executivo está a entrar em território desconhecido (tal como todo o mundo) e precisa de tempo para adaptar as soluções, há muitas reticências sobre a eficácia de algumas medidas, nomeadamente sobre as condições das linhas de crédito concedidas às empresas para enfrentarem a crise. Outras alternativas que sugerem seriam o financiamento a custo zero ou a garantia das remunerações pelo Estado no valor do subsídio de desemprego, mantendo-se os postos de trabalho.
O cenário de recessão em Portugal este ano já é dado como certo e admitido pelo Governo, mantendo-se a dúvida sobre a dimensão da mesma, em consequência da incerteza sobre a duração e contenção da epidemia. Projeções do Banco de Portugal revelam que poderá haver um recuo de 5,7% no Produto Interno Bruto (PIB) este ano, no cenário mais adverso, que consiste numa paralisação mais prolongada da atividade económica em vários países, com maior destruição de capital e perda de emprego. No Boletim Económico, divulgado nesta quinta-feira, o regulador antecipa que num cenário com um impacto mais limitado a redução poderá ser de 3,7% do PIB.
“O choque deverá atingir o seu pico no segundo trimestre deste ano, prevendo-se uma normalização gradual a partir do segundo semestre. O impacto da crise pandémica tem uma natureza muito persistente, associada à destruição de capacidade produtiva instalada, não se observando um retorno do nível do PIB à trajetória projetada no boletim de dezembro de 2019”, realça o relatório do BdP. No cenário mais adverso, a taxa de desemprego aumentará para 11,7%, subindo no cenário-base para 10,1%.
Para mitigar este cenário, o Governo apresentou esta quinta-feira mais um pacote de medidas para apoiar a economia, que incluem a moratória de seis meses no crédito a famílias e empresas (ver página 10) e simplificação do lay-off, para as empresas com uma queda de 40% na faturação no espaço de um mês, contra os dois meses previstos anteriormente, e maior abrangência dos critérios de acesso.
A injeção de liquidez na economia, através das linhas de crédito para as empresas de três mil milhões de euros, com taxas de juro entre 1% e 1,5% consoante os tetos máximos, levanta, no entanto, críticas aos economistas.
“Não interessa muito às empresas que já estão a faturar pouco, endividarem-se para terem que pagar mais juros com uma atividade que não sabem qual vai ser. As linhas de crédito com taxas de juro propostas não me parece que sejam grandes apoios às empresas, que estão num momento cauteloso”, diz Filipe Garcia, economista e presidente da IMF- Informação de Mercados Financeiros.
É também neste sentido que o economista João Duque, antigo presidente do ISEG, sublinha que “as empresas não se vão endividar para pagar custos sem benefícios”. “Quem está parado, sem ter receita, vai endividar-se para pagar impostos? Duvido muito”, sentencia.
Para a economista e professora da Nova SBE Susana Peralta, que contesta estar a “exigir-se demasiada saúde financeira às empresas para terem acesso a estes empréstimos, o que significa arriscar-se a deixar muitas de fora”, alavancar a sua capacidade através destes empréstimos parece-lhe “muito arriscado”, uma vez que “pressupõe que esta atividade económica que não está agora a acontecer regressará no futuro e permitirá às empresas gerar excesso de liquidez para pagar esses empréstimos”. “Não vejo como é que isso vai acontecer”, diz.
Para Filipe Garcia, o caminho é o de uma solução que classifica como “extraordinariamente agressiva” e que passa por um financiamento a custo zero, com garantias dos Estados a determinados conjuntos de financiamento. A proposta foi defendida pelo ex-presidente do Banco Central Europeu, Mario Draghi, num artigo de opinião publicado esta semana no “Financial Times”. “Os bancos devem rapidamente emprestar dinheiro a custo zero a empresas preparadas para salvar empregos”, escreveu o italiano, que na crise das dívidas soberanas garantiu fazer “tudo o que for necessário” para salvar o euro. Sustentando que os bancos se estão a tornar um veículo para políticas públicas, justificou que “o capital de que precisam para esta tarefa deve ser providenciada pelo Governo na forma de garantias estatais em todos os descobertos bancários ou empréstimos”.
Para Filipe Garcia, se os países do centro, como a Alemanha e a Holanda, resistem à emissão de obrigações conjuntas, que voltou a estar no centro do debate na zona euro, esta solução poderia ser “uma medida de compromisso”.
“Teria efeitos diretos e indiretos. Os efeitos diretos seriam dotar as empresas rapidamente de liquidez, mas os indirectos seriam garantir não haver uma espécie de corrida à liquidez”, defende, exemplificando que na atual situação “um mês de tesouraria é mais ou menos o que a muitas empresas têm como folga e temo que haja muitas empresas que não vão pagar aos seus fornecedores porque acham que não vão receber dos seus clientes”.
Para o antigo ministro da Economia Daniel Bessa, “os tempos excecionais e de emergência” podem justificar tal proposta, desde que com “garantia pública”. No entanto, alerta que “o financiamento da banca tem hoje um custo próximo de zero, mas a banca tem custos que tem que suportar. Para se chegar a uma situação de a banca financiar a custo zero, seguramente só com intervenção política pelo meio e, provavelmente, com alguma compensação”, recordando que “a garantia protege a banca do que se refere ao reembolso, mas os custos não são cobertos”.
“O problema da banca não é falta de liquidez, ou capacidade para fornecer o crédito, isso têm. O problema é o risco que essas empresas representam. Já era por isso que o crédito estava muito contido e agora o risco é maior”, adverte.
Ainda assim, considera que “as medidas que têm sido anunciadas no geral estão bem”, salientando que “os reparos que têm surgido têm a ver com questões de burocracia que é preciso vencer e com os montantes que estão anunciados, embora considere que aí o Governo irá evoluindo, se os montantes se revelarem escassos, serão aumentados seguramente”.
Para João Duque, a medida para libertar liquidez imediata deveria passar por o Estado suportar encargos com remunerações. “Acho que a solução viável seria colocar nas empresas que ficam sem qualquer rendimento, mais ou menos o correspondente ao subsídio de desemprego. Ficam com os trabalhadores, o Estado paga-lhes o subsídio de desemprego e mantêm-se os postos de trabalho”, defende, realçando que mesmo neste cenário “as empresas continuariam a ter custos”, como rendas ou prestações de serviços durante os meses de paralisação. No entanto, na sua ótica, iria permitir uma retoma da atividade mais rápida.
Notícia publicada na edição semanal do Jornal Económico a 27 de março
Tagus Park – Edifício Tecnologia 4.1
Avenida Professor Doutor Cavaco Silva, nº 71 a 74
2740-122 – Porto Salvo, Portugal
online@medianove.com