[weglot_switcher]

Economistas propõem gabinete de monitorização de produção e distribuição de bens essenciais

O manifesto assinado por académicos de diversas instituições sustenta que o objetivo é recolher e usar dados  em tempo real para prever “e, idealmente, evitar cortes no fornecimento de bens essenciais”. 
23 Março 2020, 09h33

Um grupo de 27 economistas propõe ao Governo um gabinete para monitorizar a produção e a distribuição de bens, de modo a garantir o acesso a bens essenciais. O manifesto assinado por académicos de diversas instituições sustenta que o objetivo é recolher e usar dados  em tempo real para prever “e, idealmente, evitar cortes no fornecimento de bens essenciais”.

“Para garantir o acesso aos bens essenciais durante a crise pandémica e manter a economia a funcionar, propomos a criação de um gabinete para monitorizar a crise composto por quadros quer do sector privado quer público bem como de representantes do governo”, pode ler-se no manifesto. “Logo que se preveja uma rutura na oferta, o governo pode emitir um comunicado avisando a população de quando estará o produto disponível novamente. Nestas situações, as empresas privadas deverão cooperar para, em conjunto com os governos, garantir a fluidez do fornecimento de bens essenciais quer dentro quer através das fronteiras europeias”, explicam.

Na proposta, os economistas indicam que o gabinete deverá ser encarado “como um catalisador de iniciativas do sector privado, com e sem fins lucrativos”, que “assegurem a sustentabilidade das cadeias de produção e distribuição e dos fluxos de comércio internacional necessárias à disponibilização de bens essenciais”.

“Com uma fração significativa de trabalhadores doentes ou de quarentena, as políticas de fique-em-casa e de fecho das fronteiras, a possibilidade de haver disrupções das cadeias de produção e distribuição é real. Com ruturas na oferta e possíveis picos de procura devido a pânicos, preços flexíveis deixam de exercer a sua função de coordenação da atividade produtiva, dado que as empresas poderão não conseguir responder às variações de preços, por exemplo, por falta de bens intermédios ou de força de trabalho”, indicam.

Para os subscritores, a criação do gabinete “poderá transmitir confiança e uma sensação de controlo à população durante a crise, evitando pânicos e agitação social”.

“O grande desafio que enfrentamos exige também monitorização a nível europeu em coordenação com os governos nacionais.

Nas economias modernas e descentralizadas, a generalidade dos bens e serviços são produzidos por empresas, muitas vezes localizadas em vários países, que reagem a preços. Os fornecedores de um bem avaliam o estado do mercado e decidem quanto produzir. Também escolhem a combinação de capital, trabalho e bens intermédios a usar na produção”, sinalizam.

Detalha que a informação do Sistema Nacional de Saúde (SNS), da Segurança Social e do Instituto de Emprego “serão essenciais para avaliar a disponibilidade da força de trabalho”, defendendo a necessidade de recolha de informação sobre o emprego e o absentismo, assim como os motivos em tempo real.

“Seja devido à diminuição da procura, à falta de trabalhadores, ou, simplesmente, devido à enorme incerteza que enfrentam, muitas empresas podem parar a produção ou até mesmo fechar. Quando isso acontece, os seus fornecedores verão a procura pelos seus produtos a cair e também poderão parar, dando origem a um círculo vicioso. Enquanto isso, os seus clientes ficam sem fornecedores e também poderão fechar. No final, as famílias poderão ficar privadas de bens essenciais”, alertam.

Realçando a importância da cadeia de produção no “contexto do paradigma de gestão just-in-time, que reduz stocks ao mínimo”, exemplificam que “havendo falta de um fornecedor, o seu cliente não terá stocks suficientes para continuar a produção. Por outras palavras, se uma empresa parar de produzir, pouco tempo depois também os seus clientes e os clientes dos clientes pararão”.

Apelam ainda à necessidade de garantir que as fronteiras continuam abertas à circulação de bens é fundamental, justificando que “o fecho das fronteiras nacionais e a mudança da produção de bens e serviços para empresas nacionais irá resultar em mais perdas e desigualdades na Europa, especialmente nos pequenos países”.

Para atingir os objetivos, defendem que o gabinete de monitorização deve identificar os bens e serviços que devem ser priorizados na atual crise – “medicamentos, equipamentos médicos, equipamentos de proteção e kitsde teste, além de alimentos e outras necessidades básicas, comunicações e serviços de utilidade pública, devem ter prioridade”.

Apontam que, em seguida, deve determinar as cadeias de produção e distribuição que produzem os bens e serviços desejados – “informações detalhadas em tempo real ao nível da empresa e do indivíduo serão essenciais para estimar a procura por região e por tipo de bem, e para monitorizar as cadeias de produção”, sugerindo que as informações sejam recolhidas junto de institutos nacionais de estatística, sistema de saúde, autoridades tributárias, segurança social, bancos, serviços de utilidade pública, empresas retalhistas e de comunicações, e de gestores de empresas. “Além disso, cada agregado familiar pode tornar-se uma fonte de informações sobre a disponibilidade de bens usando o telemóvel. Os institutos nacionais de estatística e os reguladores setoriais agregariam os diferentes conjuntos de dados e partilhariam a informação produzida com os outros países da UE (com total respeito pelo RGPD – regulamentos de privacidade de dados)”, sugerem.

“O terceiro passo é identificar os recursos que podem ser afetados às indústrias situadas nas cadeias de produção e distribuição de bens essenciais, sejam recursos desempregados ou recursos afetados a atividades não essenciais”, destacam, sugerindo que o esforço de monitorização e coordenação irá depender da resposta a perguntas: os trabalhadores em atividades não essenciais podem ser treinados, em pouco tempo, para trabalhar em atividades essenciais? Os trabalhadores podem deslocar-se para a região onde a produção essencial ocorre? Podem trabalhar sob as condições sanitárias necessárias? Podem ser isolados para garantir que não são infectados?, entre outras.

“Algumas atividades de monitorização e coordenação podem decorrer ao nível municipal. As entidades municipais podem ter um conhecimento mais detalhado da estrutura da atividade económica na sua região e pode ser inviável fazer rapidamente esse tipo de análise ao nível nacional. As atividades de monitorização e coordenação precisarão do envolvimento de municípios, associações empresariais, sindicatos, bancos, retalhistas, entre outros”.

Defendem ainda que o gabinete de monitorização deve incluir especialistas em logística, investigação operacional, engenharia, big data/data science e análise input-output, quer do setor público, quer do privado, de universidades, das forças armadas e de segurança, de empresas grossistas, retalhistas e transporte, das empresas que produzem bens e serviços identificados como essenciais, de instituições financeiras, de empresas de consultoria de gestão, além de funcionários públicos e municipais, entidades de proteção civil e juristas.

O manifesto é assinado por Ana Paula Faria (Universidade do Minho), Anabela Carneiro (Universidade do Porto), Aurora Teixeira (Universidade do Porto), Cátia Batista (Nova SBE), Carla Sá (Universidade do Minho), Emma Szhao (Bank of Portugal), Fernando Alexandre (Universidade do Minho), Fernando Anjos (Nova SBE), Francisco Veiga (Universidade do Minho), Joana Pais (ISEG, Universidade de Lisboa), João Cerejeira  (Universidade do Minho), João Correia da Silva (Universidade do Porto), José Tavares (Nova SBE), Luís Aguiar-Conraria (Universidade do Minho), Miguel Faria-e-Castro (Federal Reserve Bank of St. Louis), Miguel Portela (Universidade do Minho), Odd Straume (Universidade do Minho), Óscar Afonso (Universidade do Porto), Pedro Bação (Universidade de Coimbra), Pedro Brinca (Nova SBE), Pedro Pita Barros (Nova SBE), Rita Sousa (Universidade do Minho), Rosa Branca Esteves  (Universidade do Minho), Sandra Maximiniano (ISEG, Universidade de Lisboa), Sara Cruz (Universidade do Minho), Susana Peralta (Nova SBE) e Tiago Sequeira (Universidade de Coimbra).

Copyright © Jornal Económico. Todos os direitos reservados.