[weglot_switcher]

Direito à imagem, 6 respostas para proteger a privacidade

A nossa imagem pode andar por todo o mundo, sem controlo e sem o nosso consentimento. Mas é um direito que ainda pode ser defendido. A DECO explica como.
16 Janeiro 2019, 07h30

A lei protege a reserva da vida privada, da intimidade, da vida familiar e sexual. Mas há casos difíceis de julgar, pela complexidade. Na nossa vida social, partilhamos imagens de todos os tamanhos e feitios, nas mais diversas situações. E quando não consentimos ser fotografados ou que essa imagem circule sem controlo pela net? Ou quando testemunhamos, sem querer, um ato ilícito e o filmamos? Muitas situações de partilha são crime. Deixamos algumas perguntas e respostas de situações hipotéticas.

Nas redes sociais

Partilhei uma das fotos de um amigo no Facebook com outros e ele queixou-se e mandou-me apagá-las. Já o fiz, mas sei que outras pessoas já divulgaram a foto. E agora?

Podemos concordar em ser fotografados num convívio de amigos e ao mesmo tempo opor-nos à divulgação dessa imagem nas redes sociais. E quem desautorizar essa intenção arrisca-se a praticar um crime. E o que pode ser considerado crime, nestes casos? Quando a imagem é captada contra a vontade do fotografado, ainda que não seja utilizada; ou com consentimento, mas usada contra a vontade do fotografado; ou ainda em ambas as situações. Mas não haverá problema se a foto for captada e utilizada com consentimento ou mesmo se o visado não quiser aparecer na imagem, mas depois consentir na sua divulgação.

Fotografado em público

Saí à noite e fui fotografado, por acaso, ao lado de um ator famoso. A minha cara aparece, por isso, em segundo plano em várias revistas. Mas não autorizei a fotografia. Posso processar o fotógrafo e as revistas?

A pedra de toque neste caso é o lugar onde se está: se for de acesso público, há que perceber se a fotografia individualiza a pessoa que foi “apanhada” acidentalmente ao lado da figura pública. Outro exemplo clássico deste problema são as imagens de uma manifestação, um ato público em que o que é captado nem sempre tem como intenção individualizar quem aparece na imagem. Ora, nestes casos, não são lícitas as imagens de uma pessoa que se encontre em lugares ou eventos públicos, quando a imagem dessa pessoa está individualizada, sem que haja justificação para isso.

Um crime na via pública

Filmei, por acaso, um assalto na via pública. A gravação pode servir de prova em tribunal?

O caso é semelhante ao que chegou ao Tribunal de Relação de Coimbra, de uma mulher filmada em fuga de um posto de gasolina, depois de abastecer o carro. As imagens, embora captadas sem o seu consentimento, serviram efetivamente de prova do furto. Porém, a resposta não é linear. Os tribunais tendem a negar a validade deste tipo de provas, justamente por lhe faltar o consentimento dos participantes ou uma autorização judicial.

Mas há especialistas que entendem que um vídeo gravado num espaço público que não diga respeito ao núcleo duro da vida privada (onde se inclui intimidade, sexualidade, saúde, vida particular e familiar mais restrita) dispensa o consentimento do visado. Trata-se sempre de um conflito de direitos fundamentais: entre o direito à privacidade e, por exemplo, o direito à vida, deve prevalecer o segundo, e, assim, o vídeo deve poder ser usado como prova. Se o assalto descrito na pergunta incluir violência física sobre a vítima, mais razão haverá para considerar as imagens como elemento de prova.

Figuras públicas

Um político foi fotografado na praia, sem o saber, acompanhado de uma “nova namorada”, segundo a revista que publicou a imagem. Não gostou e processou a revista. Tem razão?

É um velho dilema: uma figura pública terá pleno direito à sua privacidade? Quando está em causa o interesse público, a resposta é “não”. O direito à vida privada esbarra, nestes casos, com o direito à informação do público. Ou seja, quando os atos dessa figura pública se tornam notícia. Mas, neste caso, o que aquele político se encontrava a fazer não é matéria noticiável: estava apenas na praia, acompanhado num momento de lazer. Onde estaria aqui o interesse público? Atores, futebolistas ou políticos chegaram a vencer processos em tribunal contra a imprensa.

O Supremo Tribunal de Justiça considerou, em 2009, quando uma revista divulgou um caso amoroso entre dois atores, que, apesar de serem obrigados a pagar o “preço da fama”, isso não significava terem de renunciar aos direitos de personalidade e sujeitar-se à invasão e devassa da privacidade em toda e qualquer circunstância. A revista foi condenada a indemnizar os lesados. O político do nosso exemplo poderia invocar o mesmo e sair vitorioso do tribunal.

Agressões na via pública

Sem que nenhum dos intervenientes soubesse, filmei uma luta entre dois jovens na escola. Da contenda, resultou que um deles sofreu sérios ferimentos e teve de ser transportado ao hospital. As imagens podem incriminar-me, ou a algum dos jovens?

Continuamos na fronteira entre o direito à privacidade e as situações de exceção a esta garantia dos cidadãos. Quem filma pode ser incriminado por ter obtido gravações ou fotografias ilícitas. Os jovens, por sua vez, poderiam entrar a contas com a justiça devido às agressões na via pública. Mais uma vez, é um caso de vários ângulos: se, por exemplo, quem fosse filmar soubesse que a agressão iria acontecer, e se dirigisse ao local combinado com a câmara preparada para registar tudo, a prova não seria válida, mesmo que a agressão se viesse a concretizar. As imagens, como já vimos, por terem sido captadas e divulgadas sem o consentimento dos visados, poderiam não ser consideradas como prova. Muito possivelmente, outros elementos teriam de entrar na equação do tribunal que analisasse o caso, como o depoimento de eventuais testemunhas oculares.

Câmaras de vigilância nos locais de trabalho

O meu patrão diz-me que ando a trabalhar pouco nos últimos tempos. Perguntei-lhe porque afirmava uma coisa dessas e ele foi evasivo, dando-me poucos exemplos. Reparei, entretanto, que há uma câmara de vigilância no escritório. Terá feito essa observação por verificar as imagens obtidas no escritório? É legal sermos filmados?

Num local de trabalho, o empregador teria de encontrar outras evidências da eventual preguiça e falta de produtividade do trabalhador. Filmá-lo em permanência, sem que ele saiba, é mesmo ilegal. Era necessário obter autorização da Comissão Nacional da Proteção de Dados e, mesmo que esta a desse, era preciso ter o consentimento dos visados no local de trabalho. A empresa pode definir o horário, as pausas, os limites para a utilização da internet e dos ‘e-mails’ de trabalho, mas não pode submeter os empregados a um semelhante tipo de vigilância. Estes só podem ser filmados no exercício das suas funções se isso servir para proteger e garantir a segurança de pessoas e de bens (como um trabalho num banco, por exemplo). Mas, mesmo neste caso, a entidade empregadora terá de informar os trabalhadores sobre a existência e a finalidade das câmaras.

Copyright © Jornal Económico. Todos os direitos reservados.