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EDP leva chumbo ambiental em projeto em barragem no Gerês

Elétrica tinha um projeto de bombagem para o Alto Lindoso, que consiste na reciclagem de água para voltar a produzir eletricidade. É o segundo projeto a ser chumbado no Gerês em poucas semanas. Autoridades ambientais mostram cartão vermelho a projetos de infraestruturas no Parque Nacional da Peneda-Gerês.
Pedro Sarmento Costa/Lusa
28 Outubro 2024, 07h30

A EDP levou um chumbo ambiental num projeto na barragem do Alto Lindoso, situada no Parque Nacional da Peneda Gerês. A Agência Portuguesa do Ambiente (APA) emitiu uma decisão desfavorável ao projeto da elétrica para o Aproveitamento Hidroelétrico do Alto Lindoso (AHAL), situado em Ponte da Barca, distrito de Viana do Castelo.

Na sua fundamentação, a APA reconhece que o projeto contribui para a “concretização dos objetivos energéticos nacionais e na promoção de energias renováveis”, mas deixa várias ressalvas (ler fundamentação infra), destacando a “elevada contestação ao projeto, expressa na consulta pública, incluindo pelas autarquias onde o projeto se localiza”.

A agência liderada por José Pimenta Machado também destacou por diversas vezes na sua fundamentação o facto de a central estar inserida no Parque Nacional da Peneda-Gerês, prevendo um ” impacto significativo sobre a comunidade de peixes autóctones integrada no Parque Nacional da Peneda-Gerês e na ZEC da Peneda-Gerês”; apontando que o “projeto não cumpre o definido nos artigos 7.º e 20.º do Plano de Ordenamento do Parque Nacional da Peneda-Gerês”; e que a “realização do projeto é considerada interdita, nos termos do artigo 20.º do regime da Reserva Ecológica Nacional (REN), face ao não cumprimento do definido no Plano de Ordenamento do Parque Nacional da Peneda-Gerês”.

Esta central hidroelétrica no rio Lia entrou ao serviço em 1992 e tem uma potência instalada de 630 MW, contando com duas turbinas, produzindo anualmente 910 GWh de eletricidade. A empresa não apresentou valores de investimento para o projeto.

A ideia da EDP era converter uma das turbinas para permitir a bombagem de água de jusante (depois do paredão da barragem) para voltar a armazenar a água a montante (na albufeira, antes do paredão). Este sistema, usado em outras barragens, permite reciclar a água, isto é, voltar a turbinar a água para produzir eletricidade.

O JE pediu uma reação à EDP sobre o chumbo e se pretendia apresentar novo EIA, mas a elétrica não quis fazer comentários.

“A reconversão de um grupo gerador do Alto Lindoso para um grupo reversível corresponde a um projeto de armazenamento que trará mais flexibilidade ao sistema electroprodutor adicionando uma capacidade de bombagem de 300 MW, representando cerca de 9% da potência de bombagem do parque nacional em 2025 (~3460 MW), incluindo a entrada em serviço, em 2023, de Gouvães com uma potência de 880 MW”, pode-se ler no Estudo de Impacte Ambiental (EIA) submetido pela empresa junto da APA.

“O grupo reconvertido do Alto Lindoso permitirá bombar a água da albufeira do Touvedo [a jusante], aproveitando as oportunidades de excesso de energia renovável no sistema, armazenando-a na albufeira do Alto Lindoso para a turbinar posteriormente em períodos de escassez de energia renovável, minimizando desta forma adicionais de importação e ou produção térmica”, acrescenta.

Como mais valia do projeto, a elétrica argumentou que a reconversão “permitirá um aumento médio de colocação em rede de cerca de 609 GWh, refletindo-se num adicional médio de energia no Alto Lindoso superior a 75%, não afetando a capacidade atual da produção de energia da central do Alto Lindoso através das afluências próprias, estimada em ano médio em cerca de 780 GWh”.

A companhia liderada por Miguel Stilwell d’Andrade sublinhava que o projeto era caracterizado por uma “intervenção bastante confinada em termos de implementação das obras”, e que iria conferir uma “flexibilidade adicional ao sistema electroprodutor, uma vez que permitirá o armazenamento e a posterior transferência do excesso de energia renovável em determinados períodos para alturas de maior escassez de energia renovável, substituindo a produção térmica. Este último aspeto é crucial para a segurança de abastecimento e estabilidade da rede num quadro de maior penetração de energias de fontes renováveis intermitentes e não controláveis”.

Novo chumbo no Gerês

A APA emitiu este mês um primeiro parecer desfavorável a outro projeto energético localizado no Gerês, a central solar fotovoltaica flutuante de Paradela e o projeto híbrido eólico solar, da Finerge, que nasceu do leilão de 2022 para projetos solares flutuantes em barragens.

O parque flutuante contava com 27 mil painéis e uma potência total de 16 MWp, com o projeto eólico a contar com 14 MVA. No entanto, para escoar a eletricidade produzida no solar flutuante teria de ser construída uma linha elétrica com 19 km de extensão até à subestação.

“Em resultado da avaliação desenvolvida, ponderando os impactes positivos, mas tendo presente não só os impactes negativos mas também o facto do projeto constituir atividade interdita, nos termos do dispostos alínea d) do artigo 7.º do Plano de Ordenamento do Parque Nacional da Peneda-Gerês, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 11 A/2011, de 4 de fevereiro e retificado pela Declaração de Retificação n.º 10-A/2011, de 5 de abril, emite-se decisão desfavorável ao projeto da Central Solar Fotovoltaica Flutuante de Paradela e projeto híbrido associado”, segundo a decisão da APA.

O ex-secretário de Estado da Energia, João Galamba, deixou críticas à decisão da APA, por a entidade ter estado envolvida na escolha dos lotes no leilão  de 2022. “Quem escolheu as barragens a incluir no leilão de 2022, quem definiu os lotes, quem elaborou os cadernos de encargos do leilão, foi a própria APA, a mesma entidade que agora, em 2024, decide chumbar o projeto. APA chumba o que a própria APA promoveu, portanto. É difícil imaginar um maior descrédito das instituições e do país do que esta vergonhosa e inaceitável decisão”, escreveu nas redes sociais.

Agência Portuguesa do Ambiente – Fundamentação da decisão de indeferimento

“Apesar do contributo do projeto para a concretização dos objetivos energéticos nacionais e na promoção de energias renováveis, verifica-se que: • O impacte associado ao transporte e deposição num único local (a mais de 20 km) do material resultante das escavações é negativo e significativo, sem que sejam identificadas medidas concretas para se promover a recirculação e o reaproveitamento do material excedente; • Não foram devidamente avaliados os impactes negativos ao nível do ambiente sonoro, resultantes da circulação, por estradas nacionais e municipais, de um elevado número de veículos pesados (entre 6 a 7 camiões por hora); • Apesar de estarem previstas no EIA três tipologias de medidas para minimizar a artificialização das margens e a alteração das condições de escoamento resultado da bombagem (inversão do sentido), o projeto não inclui medidas que permitam minimizar a mortalidade direta de exemplares de fauna piscícola, provocando, potencialmente, uma alteração na proporção das espécies nativas, com possível afetação do Estado da massa de água. Assim, não se considerada verificada a alínea a) do artigo 4 (7) da Diretiva Quadro da Água; • Prevê-se um impacto significativo sobre a comunidade de peixes autóctones integrada no Parque Nacional da Peneda-Gerês e na ZEC da Peneda-Gerês; • O projeto não cumpre o definido nos artigos 7.º e 20.º do Plano de Ordenamento do Parque Nacional da Peneda-Gerês, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 11-A/2011, de 4 de fevereiro, retificada pela Declaração de Retificação n.º 10-A/2011, de 5 de abril; • A realização do projeto é considerada interdita, nos termos do artigo 20.º do regime da Reserva Ecológica Nacional (REN), face ao não cumprimento do definido no Plano de Ordenamento do Parque Nacional da Peneda-Gerês; • Existe uma incompatibilidade de usos, nos termos dos Planos Diretores Municipais aplicáveis; • Verifica-se uma elevada contestação ao projeto, expressa na consulta pública, incluindo pelas autarquias onde o projeto se localiza. Tendo em conta o acima explanado, emite-se decisão desfavorável ao projeto de Reconversão de um Grupo para Reversível do Aproveitamento Hidroelétrico do Alto Lindoso”.

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