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Eleições em Chipre não vão mudar agenda política recheada de problemas

As eleições deste domingo – que devem determinar uma aproximação entre os conservadores e a esquerda – não vão mudar os problemas que afligem os cipriotas gregos: a falta de entendimento com os cipriotas turcos, a tentativa de hegemonia turca no Mediterrâneo Oriental e as dúvidas sobre a União Europeia.
28 Maio 2021, 17h40

As eleições deste domingo em Chipre não deverão alterar a substância da relação de forças dos principais partidos, mas – para isso apontam todas as sondagens – deverão reforçar a votação no principal partido de esquerda, o AKEL (Partido Progressista dos Trabalhadores), colocando-o a pouca margem da coligação conservadora, liberal e democrata-cristã do DISY.

Com a maioria dos lugares no parlamento (18 e 56), o DISY tem vindo a descer abruptamente nas sondagens e em pouco mais de um ano passou de 40% de intenções de voto para uns magros 26% (quase 50% de perdas). A esquerda do AKEL não se portou muito melhor: tem 16 lugares no parlamento e passou de intenções de voto de 27% há um ano para os atuais 24%. Também perdeu, mas reduziu substancialmente o diferencial para com o DISY.

Um primeiro paradoxo: os dois maiores partidos desceram em intenções de voto, mas mantêm-se em primeiro e segundo lugares – com a terceira formação, o DIKO, social-democrata, a subir dos 7% para os 13% (um crescimento de quase 100%) e que tem neste momento nove lugares no parlamento. É lícito esperar-se que os social-democratas tenham capitalizado as perdas dos conservadores e da esquerda, mas os analistas chamam a atenção para outro fator: o distanciamento do eleitorado mais jovem face aos partidos tradicionais, mas principalmente face à política.

Este distanciamento, dizem os analistas, resulta em primeiro lugar da total incapacidade em sucessivos governos não terem conseguido avançar um milímetro em relação ao principal problema da ilha: a sua divisão entre cipriotas gregos e cipriotas turcos. E se é certo que o lado turco é tradicionalmente intransigente – está mais ou menos inamovível na opção pela divisão da ilha (desde 1983) – o facto é que a posição do lado grego tem vindo a evoluir igualmente para a intransigência.

O problema agudizou-se há poucos anos, porque uma parte dos cipriotas gregos considera que o seu governo perdeu uma oportunidade de encontrar uma solução (ou o início dela) quando o lado turco (a República Turca do Norte do Chipre) era liderado pelo presidente Mustafa Akinci, um moderado que prometeu impulsionar o plano de reunificação do Chipre – nomeadamente através da organização de um referendo sobre o assunto para toda a ilha. Durante o seu mandato, o lado grego manteve posições, o que acabou não só por inviabilizar qualquer aproximação, como determinou a perda das eleições seguintes, em novembro de 2020, por parte de Akinci, que não conseguiu ser reeleito – foi substituído por Ersin Tatar, um ‘homem de mão’ de Recep Erdogan, o presidente da Turquia.

Entretanto, há pouco mais de um mês, a ONU patrocinou nova ronda de negociações (a decorrer na Suíça), com os dois lados a sentarem-se à mesa, juntamente com outras partes relevantes, entre elas a Turquia, a Grécia e a União Europeia em bloco. A única vantagem desta ronda é que não fez ninguém perder muito tempo. No final do primeiro encontro, o secretário-geral da ONU, António Guterres, envergando o seu melhor ar de desalento, não disse mas deixou subentendido que a continuação das negociações era pura perda de tempo. E foi para casa.

É esta espécie de ‘país adiado’ que está a motivar, dizem os analistas, a perda de confiança dos eleitores para com os seus eleitos. E o momento não podia ser pior para a sociedade se ‘deslaçar’: desde há um par de anos que as prospeções levadas a cabo junto a Chipre por parte de navios-sonda turcos colocou forte pressão no Mediterrâneo Oriental e transformou a região num caso bicudo em termos geopolíticos. Em causa está a existência, já confirmada, de combustíveis fósseis no fundo do mar e o seu acesso, que todos querem. O problema é que os cipriotas gregos não têm pela frente os cipriotas turcas, mas sim a própria Turquia – com o presidente Erdogan a pretender transformar o Mediterrâneo Oriental numa espécie de ‘mar interior’ que lhe permita colocar em prática a pretensão de se transformar numa potência regional.

O regime de Ancara não esconde a pretensão de ninguém: ainda há poucos meses explicou que quer aproximar os seus interesses dos ‘’países amigos’ do Magreb (nomeadamente a Líbia) e do Médio Oriente, o que coloca Chipre no centro de rotas marítimas que lhe são completamente alheias e que podem mesmo acabar por ser perigosas para os seus interesses.

Por outro lado, o Chipre (que entrou na União Europeia em maio de 2004) sente que ainda não conseguiu estabelecer uma relação de ‘igual para igual’ com os seus parceiros europeus. O que ficou bem claro quando os cipriotas tentaram impor sanções comunitárias à Turquia (exatamente por causa do Mediterrânio Oriental) – no que só foi verdadeiramente apoiada pela Grécia, parte interessada. A Alemanha, por exemplo – que não pode dar-se ao luxo de confrontar em excesso a Turquia – colocou-se de imediato à parte de semelhante possibilidade.

Todo este manancial não vai, com toda a certeza mudar no próximo domingo. De qualquer modo, as eleições serão importantes para a União perceber para onde vai Chipre. A única certeza é que parte do parlamento vai manter-se vazia: é que o número de lugares da câmara não são os 56 acima referidos, mas sim 80: há 24 lugares reservados para os cipriotas turcos, que se mantêm vazios há muitas décadas e assim vão continuar.

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