Numa intervenção política recente, o primeiro-ministro, António Costa, traçou as metas do Governo relativamente ao salário mínimo nacional (SMN). Assim, em 2020, o SMN deve dar início a um processo de subida gradual que até 2023 o colocará nos 750 euros.

Até aqui nada de novo. Se há matéria, no quadro geral das políticas relativas aos rendimentos do trabalho e em sede de concertação social, que tem tido atenção política e mediática é o SMN. A novidade, porém, esteve no facto de o primeiro-ministro dar foco especial a uma política geral de rendimento que não ignore a degradação do salário médio.

Actualmente, o rendimento médio em Portugal ainda está abaixo do valor anterior à crise financeira que levou ao pedido de ajuda externa em 2011. Ora, esta aproximação entre o SMN e o salário médio é preocupante a vários níveis. Em primeiro lugar, a nível pessoal, porque significa que os níveis de rendimento dos portugueses se degradaram, num processo cuja recuperação persiste em não ocorrer, apesar de a crise financeira estar ultrapassada.

Em segundo lugar, esta tendência indicia que o capital se apropriou de uma parte dos rendimentos do trabalho e que deles não quer abdicar, colocando por essa via em causa os equilíbrios sociais. E em terceiro lugar, a persistência desta tendência é muito preocupante pela fragilidade política e institucional que introduz. Não conheço nenhuma democracia liberal que seja estável e sustentável sem uma classe média alargada e pujante. Aliás, como a História europeia (e não só) repetidamente confirma e exemplifica.

Saúdo, naturalmente, a preocupação do Governo com o esmagamento do salário médio. É um tema que nos é caro no sector bancário e com o qual nos temos vindo a confrontar nos últimos anos. Aliás, em linha com a posição do Governo, vamos continuar a insistir nele em sede de contratação colectiva.

Sejamos muito claros. O processo de empobrecimento dos bancários, cujo ciclo começou agora a inverter-se ligeiramente, tem de continuar nos próximos anos. Não há qualquer razão, em contra-ciclo com a recuperação dos bancos (ainda esta semana foi notícia que este ano a margem financeira está a crescer), da economia em geral e em oposição às linhas gerais que o próprio Governo definiu, para que as instituições de crédito insistam em políticas de remuneração cujo resultado prático consiste no esmagamento do salário médio praticado no sector e no empobrecimento dos bancários.

Desiludam-se, portanto, aqueles que pensam que os sindicatos do sector não estão preparados para a luta sindical em defesa dos seus interesses, mas também em nome do bem comum. Afinal, este não é apenas um problema que é nosso. É de todos e do próprio sistema democrático.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.