Em grande parte, por razões que se prendem com a incapacidade de resposta por parte da administração pública desencadeou-se, em Portugal, um vivo e apaixonado debate sobre questões migratórias. Discussão que frequentemente se situa no domínio da emoção e extremada entre o humanismo mais profundo e a xenofobia e o racismo mais execráveis.

Por outro lado, este debate tende a tratar da mesma forma situações muito diversas. Não é a mesma coisa emigrar por razões políticas, a que frequentemente se associa o risco de vida, ou emigrar por razões económicas. Como não é a mesma coisa emigrar sem qualquer expectativa de regresso, ou emigrar mantendo os laços, as relações com os países de origem.

Tudo isto para dizer que estamos perante fenómenos bastante mais complexos do que pode fazer crer a sua redução a números “mágicos e redondos” de pendências processuais.

Salvo melhor opinião o que está em causa é outra coisa.

Em primeiro lugar haveria vantagem em isolar e tratar adequadamente a imigração não económica. Certamente que os perseguidos políticos, os que assumem divergências com os regimes ditatoriais dos seus países, os apátridas, os que legitimamente pedem asilo político, serão uma minoria. Mas, se assim é, por maioria de razão devem ser objecto de tratamento autónomo.

Certamente que o grande grupo de imigrantes que temos em Portugal terá outras motivações. Motivações económicas. Cidadãos comuns que legitimamente procuram, num país diferente do seu, um nível de rendimentos superior ao que tinham no seu país.

Como, infelizmente, Portugal se distingue pela completa incapacidade de prever e planear a médio e longo prazo, não sabe quantos imigrantes poderão ter emprego e condições de vida dignas e, muito menos sabe quais as necessidades de imigrantes ao longo dos próximos anos.

É que cuidar dos cidadãos imigrantes é uma questão de dignidade e de humanidade. Já o cuidar de imigração é uma questão de planeamento e de definição de política pública para o sector.

A capacidade que o país tem, e vai ter, para empregar cidadãos depende tão só do modelo de desenvolvimento que queremos ter em Portugal. Mas, infelizmente, esta parece ser a discussão a que todos fogem.

Sem modelo económico, sem planeamento, sem o mínimo de rigor, todas as referências quantitativas podem estar certas ou erradas. Nunca saberemos se os imigrantes que chegam a Portugal por cá continuam, ou não.

Mesmo para aqueles que entendem que o mercado e as suas regras tudo resolve, convém lembrar-lhes que estamos a falar de pessoas e da sua dignidade enquanto seres humanos.

Se a nossa realidade demográfica nos vai conduzir a sermos um país de imigrantes, é fundamental não criarmos dois países, o nosso e o dos outros. Um país no qual todos os que aqui vivem cumpram a Constituição e as Leis. Um país no qual todos sejam iguais perante a administração e os poderes públicos.

Até porque, a ser verdade que temos hoje 500.000 cidadãos estrangeiros a aguardar ser documentados em Portugal, e para compreender melhor o país em que vivemos, teremos de levar em linha de conta todos aqueles que eram tratados como população estrangeira residente segundo os Censos de 2022:542.165 indivíduos.

Não pode haver políticas lúcidas sem conhecimento. E conhecimento, no caso, é saber exactamente como é que se compõe a população hoje residente em Portugal. Enquanto esse trabalho não for feito agiremos com base em percepções e, como se tem visto, tal só leva à demagogia extremista que tem tanto de sórdida, quanto de eleitoralmente eficaz.

Tudo leva a crer que se hoje já somos um país muito diversificado, sê-lo-emos muito mais no futuro. Também para esta nova realidade é necessário planeamento e políticas públicas, preferencialmente maioritariamente consensuais.

Se a opção for “regularizar pendências” e “fechar fronteiras”, abrimos caminho à imigração ilegal, com tudo o que lhe está associado; se a opção for a de “abrir fronteiras” estaremos a caminhar para uma situação de desastre humano e político.

A dignidade da pessoa humana, definidora da nossa República, conforme fixado no Artigo 1º da Constituição da República Portuguesa, é um comando essencial para a definição de todas as políticas públicas. Também da política de imigração.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.