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Entre a revolução e o medo: Cultura “à portée”

A falácia da subsidiodependência, aliada à falácia da meritocracia, impingem através do discurso público mediático, do medo, a convicção na sociedade, de que a Cultura é um bem ou recurso supérfluo, quando ao invés, poderá constituir fator promotor da inclusão, tolerância e justiça social, contra o racismo e xenofobia e razão da “queda” das elites.
17 Junho 2020, 07h15

Num contexto em que, a atual situação pandémica mais não veio do que, agravar a fragilidade da suborçamentação e subfinanciamento de décadas, do “setor cultural” público, museológico, patrimonial e fundacional, à semelhança da acumulação de perdas, que estas instituições culturais, se confrontam em todo o mundo, quem mais sofre os impactos desta crise, são os frágeis protagonistas do “setor”, nomeadamente os artistas, formadores, mediadores culturais, curadores e programadores, entre tantos outros.

Como referido num recente artigo, de minha autoria, no Jornal da Comunidade Científica de Língua Portuguesa – A Pátria, os constrangimentos que assistimos, se não forem acompanhados de um tendencial investimento público, poderão constituir razão da deterioração da qualidade da democracia cultural e do acesso livre aos bens culturais, assim como acentuar a precariedade dos profissionais da Cultura. Não podemos por isso, aceitar a inevitabilidade das situações de precariedade, como se fosse condição necessária para a subsistência de um qualquer sistema ou instituição. A não existência de debate, exterior ao “setor”, ou seja, na comunidade em geral, perante a inércia da esfera de decisão tutelar, talvez tenho constituído razão do litígio – agora, mais permanente – e de acentuada “revolta” dos artistas e agentes culturais para com os decisores públicos, por razão do medo, da perda de emprego e rendimentos.

Porque discutir as políticas da (s) Cultura (s), é uma discussão necessariamente ideológica, torna-se inadmissível que as instituições que recebam financiamento do estado, para realizarem serviço público, não estejam comprometidas, com o compromisso social, histórico, que a Cultura desempenha na nossa sociedade, nomeadamente atuando nas comunidades, criando emprego e desenvolvendo o território, e que este Estado nada faça. É também por isso, equívoco intencional de uma determinada elite, usar a falácia demagógica da subsidiodependência do setor cultural, como ferramenta de controlo de um conjunto de pensadores, eminentemente críticos com qualquer modelo e sistema de desenvolvimento. A falácia da subsidiodependência, aliada à falácia da meritocracia, impingem através do discurso público mediático, do medo, a convicção na sociedade, de que a Cultura é um bem ou recurso supérfluo, quando ao invés, poderá constituir fator promotor da inclusão, tolerância e justiça social, contra o racismo e xenofobia e razão da “queda” das elites.

O discurso antipolítico sobre a Cultura, torna-se por isso perigoso, acentuando o decadentismo do pensamento, uma vez que se resume à proposta de realização política de (falsos) consensos, ideológicos e estéticos, que levarão à perda de uma verdadeira democracia cultural participativa, crítica, que deve necessariamente estar embebida de uma lógica conflitiva. Perigosamente a “Cultura” (num sentido abstrato) apresenta-se hoje, como um hábil argumento no novo jogo político – como se, a exigência de demissão de cargos, a vandalização do espaço público, consubstanciasse a solução de todos os problemas – que mascara a necessidade de uma estratégia transversal, interministerial e um compromisso suprapartidário, em falta desde há décadas.

É ideia errónea que, a Cultura deva estar dependente de uma lógica de mercado, lucrativa, como se fossem os agentes culturais aqueles que mais beneficiam dos subsídios, de um sistema, que nunca chegou a ser bastante. Foi o atual sistema económico neoliberal que não deu a oportunidade de um verdadeiro desenvolvimento sustentável, da Cultura. Não foram as instituições financeiras e as oligarquias privadas, aquelas que mais estiveram dependentes da “subsídiocracia” do Estado e que continuam a atuar visceralmente no mercado, alimentadas com dívida pública e impostos dos contribuintes? Estaremos culturalmente determinados pela manutenção de uma hegemonia económica, que nos levou a sucessivas crises e ao decadentismo da Cultura?

Parafraseando Étienne de la Boétie, no seu “Discurso da Servidão Voluntária”: “para conservar uma nova tirania, o melhor meio é aumentar a servidão e afastar tanto dos súditos a ideia de liberdade que eles, tendo embora a memória fresca, começam a esquecer-se dela”. Na atual “cultura de palimpsesto, de acordo com o mesmo autor, “a servidão, de preferência sorridente, é, pois, inevitável. Mas não a devemos reconhecer.” Deste modo, eles – os tiranos, as elites – continuarão a sorrir e a sociedade manter-se-á de “consciência tranquila”. Como ficarão as consciências dos artistas?

Relendo “A Queda” e “O Mito de Sísifo” de Albert Camus, tomei maior consciência do dever de denúncia e reflexão crítica, sobre o papel que a Cultura desempenha na nossa sociedade, questionando a qualidade das transformações sociais, culturais, económicas e políticas, e as hegemonias do poder, que determinam o progresso e o desenvolvimento da (nossa) sociedade contemporânea, em todo o orbe. Parafraseando Camus, “todos os homens, em dado momento se sentem iguais a um deus. Os conquistadores são os que podem mais. Mas não podem mais do que o próprio homem quando ele o quer.” Pela Cultura, o Ser Humano, conseguirá mergulhar numa nova ideia de Liberdade “no mais ardente da alma das revoluções.” E se a Cultura é, pois, o melhor instrumento para defesa da Liberdade – e do desconfinamento – “nenhum homem considera livre a sua condição, se ela não for ao mesmo tempo justa, nem justa se não for livre.

Tecendo um discurso de esperança, que sonho já no presente, parafraseio o Cardeal e Poeta D. José Tolentino Mendonça, na sua recente intervenção no Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas: “Desconfinar é não se contentar com os limites da linguagem e do próprio tempo.

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