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Entre os “foguetes” e o poeta

Prefiro os poetas deste povo, mesmo que utópicos, mas que não se deixam fascinar por uma qualquer elite que os governa, como se achassem normal e as legitimassem num sentido medieval. Não acredito, nem aceito que uma sociedade, sendo democrática, não seja inteira e seja submissa à hegemonia do dominador sobre o dominado.
17 Junho 2019, 07h15

Uma verdadeira mudança numa sociedade livre e democrática é sempre operada pela dotação de mais conhecimento e de maior valorização do potencial humano, das pessoas.

É um equívoco que a tecnologia seja a resposta ao progresso da civilização, ou resposta aos problemas da Educação.
Temos vindo a constatar o contrário.

O “Fontismo Regenerador” da segunda metade do século XIX, acabou por perceber, com a crise do final do século, que não era o progresso pelo progresso que interessava. Antes pelo contrário, a solução foi sempre as pessoas, porque são estas que verdadeiramente interessam e são elas que operaram as transformações sociais que queremos. Não a máquina.

Foram vários os poetas modernos, já no século XX, a recorrer da crítica à máquina. Mas se na monarquia e na república, a máquina foi festejada com “foguetes”, na democracia do século XXI, não bastarão cortejos alegóricos e festivais para entronizar as elites políticas que nutrem o fascínio pela tecnologia, como se de uma instância legitimadora do seu legado, se tratasse.

Tantas vezes nos esquecemos que a tecnologia é um meio, e não um fim em si mesmo. O objetivo primeiro e último desta, será sempre o desenvolvimento do conhecimento científico, para o progresso da humanidade. E por isso, urge dotar e capacitar as pessoas, através de políticas sociais, que possibilitem um igual acesso ao ensino.

Vem isto a propósito de um recente estudo publicado no Journal of Personality and Social Psychology, e citado pelo New York Times, que refere que as “elites” acham-se competentes mesmo quando não o são, apontando-lhes um “complexo de superioridade de classe”. Ora, este complexo está de tal forma, “entranhado” no discurso político contemporâneo, como se o direito a reinar, continuasse a ser Divino.

Uma superioridade da classe política, que tudo sabe e por isso, tudo decide. Superioridade legitimada por uma falsa “meritocracia”, a que as massas tendem a concordar.
Uma nova relação vassálica da condição Pós-Moderna, entre os que governam e os que a eles se sujeitam.

A “meritocracia” é pois o argumento conveniente, para uma determinada classe política, não solucionar os problemas reais de acesso à educação, de acesso à cultura, de acesso ao emprego.

O discurso do mérito é por sinal tão próximo ao discurso da crise, evocado nas “ditaduras” para exercer o direito de governar os outros.
Justificando que, foram os outros que os chamaram, de “iluminados”, ou que foi o povo que os elegeu.
Estas elites “iluminadas” (pelo povo) concluem por isso, que bem sabem administrar a vida pública,
como se esta se tratasse de um mero exercício de sucessão monárquica, ou de escolha da nova coleção primaveril.

Uma mesma elite, que clama que todos não podem ser “doutorzinhos” e que quer perpetuar, como nos “fascismos”, que só alguns o sejam.
Ou pior, determinar em quê as pessoas se formam.
A autoridade de tudo saber, dá ao poder político a soberba tão almejada, mais perigosa porque legitimada, de “enquadrar para controlar”.

Uma elite principesca, no pior sentido Maquiavélico do termo, é uma das razões históricas das sucessivas crises das democracias liberais.

E, atente-se à nova composição do Parlamento Europeu, onde cerca de um quarto dos parlamentares são da extrema-direita do espectro político, legitimamente eleitos pelo poder popular. Não quero acreditar em Pinochet, quando afirmava que “o povo era burro”.
Mas não foi o povo europeu a eleger democraticamente Hitler e Mussolini?

Atente-se que o “fascismo” – na célebre expressão do Professor Doutor Fernando Rosas – “não cai do céu aos trambolhões”, antes é resultado da crise das democracias e do sistema liberal.
E desta vez, provavelmente os novos fascismos, controlados por novas elites, tomam partido pelas novas tecnologias, e com recurso às redes sociais maximizam a mensagem de ódio e xenofobia, levando o “povo” a levantar novos muros.

O romano pontífice Francisco, alertava para o facto da Europa “voltar a ser derrotada pelo pessimismo e pelas ideologias” denunciando ainda que “um político nunca deve semear o ódio e medo, nunca.”

Como católico amo o Papa, e por isso em concordância com ele, recuso-me a aceitar que se use a fé como instrumento de propaganda.
E, tão pouco receber instruções de voto.

Salvinis e Bolsonaros não são poetas, e tão pouco profetas, são falsos arautos.

O perigo está no discurso dos falsos arautos, como também na sua imagem, enfaixada de “foguetes”. “Foguetes” que são o equívoco das massas, digo, da aceitação do jogo de deixar-se manipular.

Prefiro os poetas deste povo, mesmo que utópicos, mas que não se deixam fascinar por uma qualquer elite que os governa, como se achassem normal e as legitimassem num sentido medieval.
Não acredito, nem aceito que uma sociedade, sendo democrática, não seja inteira e seja submissa à hegemonia do dominador sobre o dominado.

Parafraseando a saudosa Agustina Bessa-Luís, retomando James Cook, “Um homem que quer reger a orquestra precisa dar as costas à plateia.” e com isto damo-nos de conta que, tantas vezes nos deixamos vangloriar por aplausos ou falsas vitórias… E atiramos “foguetes”.

Entre fazer o que estar certo, defendendo princípios e deixar-se levar pelas alegorias da tecnologia moderna, escolho os princípios.

Se ainda assim o poeta é um fingidor… Perguntam-me como sei que não finge?
Acredito. É muito mais interessante.

Porque entre os “foguetes” e o poeta. Prefiro o poeta, mesmo que fingidor.

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