De férias numa fazenda do Pantanal, no Brasil, o gerador avariou. Esmeralda Dourado e os amigos só tinham carne seca e cebola para comer. Já consumiam estes alimentos há vários dias e estavam fartos. “Porque não vamos pescar?”, sugeriu a gestora. Todos concordaram e partiram num barco para o meio do rio. “Uma das senhoras, que estava ao meu lado, gritou que estava qualquer coisa a puxar a cana e fomos todos ajudar”, recorda a executiva, em declarações ao Jornal Económico.
O peixe (grande) picava o isco, o grupo fazia muita força, mas ele não vinha para cima: estava a ser puxado por um jacaré. Esmeralda não pensou duas vezes. Atirou-se à água, empurrou o jacaré e tirou-lhe o peixe da boca. “Quando caí em mim percebi o risco que corri, mas normalmente os jacarés do Pantanal só atacam em última instância”, acrescenta.
O grupo de amigos acabou por ter uma refeição apetitosa e a gestora demonstrou a atitude que a fez progredir na carreira profissional: determinação e ímpeto fora do vulgar. Na indústria, na banca ou nos serviços automóveis liderou grandes equipas e alcançou os objetivos a que se propôs.
Licenciada pelo Instituto Superior Técnico em Engenharia Química Industrial, fez uma formação complementar de “Advanced Corporate Finance” pela Universidade de Harvard. Iniciou a carreira profissional como assistente da cadeira de Química Industrial no Instituto Universitário da Beira Interior. Mais tarde trabalhou na Covina, companhia vidreira nacional, onde foi diretora responsável pelo gabinete de estudos e desenvolvimento de novos projetos (entre 1978 e 1985).
Aqui foi posta à prova pelos operários. Tinha de chefiar uma equipa de homens e foram várias as vezes em que os enfrentou.
Sempre respondendo à letra. Aliás, foi neste período que começou a ser chamada de “nossa engenheira”.
Uma década mais tarde recebeu um telefonema para ir trabalhar no Citibank em Portugal, sob a liderança de Pedro Homem. Esmeralda achava que não tinha apetência pelo setor bancário. “Fui à entrevista e tentaram convencer-me de que esta era uma grande oportunidade. O salário era o mesmo e se vencesse a barreira dos seis meses não tinha nada a perder”, lembra.
A gestora, então na casa dos 30 anos, ultrapassou esse “período experimental” e estava lançada para uma carreira na banca. Chegou a vice-presidente do Citibank Portugal, onde trabalhou com Nuno Amado, atual presidente do Millennium BCP, e Pedro Rebelo de Sousa, hoje senior partner da SRS Advogados. A executiva fez ainda carreira como administradora do Banco Fonsecas & Burnay, da União de Bancos Portugueses e do Interbanco, banco criado pelo empresário João Pereira Coutinho. Em 2000, passou a ser CEO do grupo SAG, onde é administradora não executiva desde 2010.
Tentar ultrapassar os obstáculos está-lhe no sangue. Mesmo nos períodos mais complicados à frente da SAG. “2009 não se apresenta como um ano com grandes benesses em termos económicos. Mas estamos cá, em Portugal, e lá, em Espanha, Brasil e Polónia, bem posicionados para enfrentarmos as dificuldades e vamos conseguir”, assumiu, no encontro com jornalistas para a apresentação de resultados da SAG do ano anterior.
A outra vida de Esmeralda
Esmeralda da Silva Santos Dourado nasceu em Lisboa em 1953 e foi em Alvaiázere (concelho da região de Leiria) que frequentou a escola primária. O pai era empresário e a mãe doméstica. Foi nesta altura (e até aos 15 anos) que pensou em ser pastora. “Esta vocação pela pastorícia estava relacionada com a natureza e os animais. O prazer da liberdade”, conta ao Jornal Económico. No entanto, o pai acabaria por cortar esta vocação. “Disse-me que se calhar era melhor investir em rebanhos do que em colégios”, acrescenta.
Acabaria por deixar Alvaiázere e rumar a Lisboa para estudar no liceu. Uma mudança que lhe alterou a vida. Os estudos e o trabalho passariam a ser pilares da sua vida. Sem filhos, ainda hoje costuma dizer que nunca imaginou o que seria a vida com crianças. De facto, tanto na banca como nas empresas, uma grande fatia do tempo era passado em reuniões, aviões e hotéis. “Não podia ter mantido os mesmo objetivos profissionais e ter uma vida familiar padrão”, confessa.
Em 2010, Esmeralda quis iniciar uma “segunda vida”, com a passagem para administradora não executiva do Grupo SAG. “Agora quero ser executiva, mas nas minhas coisas”, revelou na altura ao semanário Expresso. No ano seguinte, em entrevista à revista Human Resources Portugal, sublinhou: “Quanto às empresas, diria que neste momento de crise se verá quem são os líderes à altura. Ou seja, ou temos líderes que sabem motivar, alavancar novos rumos e terão sucesso, apesar das dificuldades, ou será o descalabro. Uma empresa que não tenha os seus colaboradores motivados e satisfeitos, mesmo que esteja financeiramente bem, terá problemas, mais tarde ou mais cedo. Não me oferece dúvidas que os líderes têm bastante culpa. Sabe, nós portugueses, habituámo-nos a uma formatação de vida muito acima do que poderíamos alguma vez pagar e os líderes, bom, também eles têm que se adaptar aos novos tempos, de maior contenção, de reorganização”.
Atualmente, a gestora divide o seu tempo em várias frentes: 30% em intervenção cívica, 30% em negócios pessoais, 30% por conta de outrém e 10% para si própria – um dos projetos de lazer que pretende concretizar é ir à Antártida.
Transformar as ameaças em oportunidades é o lema de Esmeralda Dourado. Os negócios pessoais prendem-se com investimentos imobiliários em Portugal e no Brasil (sobretudo nos estados de São Paulo, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Ceará). Esmeralda viaja várias vezes por ano para estes estados brasileiros. Em paralelo, como empresária, desenvolve projectos pessoais e colabora com instituições sem fins lucrativos, como a presidência do conselho fiscal e da Santa Casa Misericórdia da casa do povo de Alvaiázere ou a presidência do conselho geral da Associação Missão Crescimento (entre 2013 e 2015). Desde fevereiro deste ano que é membro do conselho geral da Universidade de Coimbra.
Entre as diversas ações destaca-se também o envolvimento na campanha de Marcelo à Presidência da República. Sobre o apoio ao chefe de Estado, a gestora diz ao Jornal Económico que “é o presidente que Portugal precisa para o atual contexto social”. Em janeiro de 2016 foi ela quem subiu ao palco para reagir aos primeiros números dos resultados eleitorais, com cautela. “Ainda é cedo, mas “acompanhamos com esperança o desenrolar da noite que pode pôr fim a um longo processo que dura há mais de um ano”, disse, perante uma plateia de jornalistas e convidados.
Já em 2010, em entrevista ao Expresso, tinha sublinhado que “num país tão pequeno não há dimensão para tantos players, sejam económicos sejam políticos. E julgo que o reforço dos poderes do Presidente da República poderiam ser uma boa ferramenta para gerir o país”.
Na componente cívica há um momento que merece destaque. Quando celebrou o 50.º aniversário achou que tinha chegado a hora de dar uma grande festa. Foram 300 os amigos de quem se rodeou. O convite era claro: “Não quero prendas!” A gestora pediu que os seus convidados ajudassem financeiramente várias instituições de solidariedade.
O malparado na banca
Prémio “Mulher de Negócios 2005” e Personalidade de Ouro ADBV – Associação dos Dirigentes de Vendas e Marketing, 2006, Brasil – a gestora mantém a mesma atitude que a levou a lutar corpo a corpo com um jacaré: não ter medo e ir sempre atrás do objetivo.
Atualmente, Esmeralda Dourado integra a Estrutura de Missão para a Capitalização das Empresas – um grupo criado pelo Governo de António Costa –, liderado por José António Barros, ex-presidente da Associação Empresarial de Portugal.
A Estrutura de Missão para a Capitalização de Empresas tem a competência de conceber e propor novas medidas de apoio à capitalização das empresas, desenhando os instrumentos com o detalhe necessário à sua aplicação prática e identificando os recursos disponíveis em fundos públicos, nacionais, europeus e internacionais, bem como as respetivas fontes de financiamento. Tal como propor as alterações ou ajustamentos aos instrumentos de capitalização em vigor, com base na avaliação da sua eficácia e eficiência.
Sobre a importância deste Programa na execução do malparado na banca diz ao Jornal Económico: “É uma peça importante porque no pilar da reestruturação empresarial foram definidas uma série de normativas facilitadoras da redução do NPE”- non-performing exposures ou exposições não produtivas, na tradução do Banco de Portugal.
Desde junho deste ano que a gestora é membro não executivo do conselho de administração da TAP Portugal. O nome de Esmeralda chegou mesmo a ser referido para integrar a administração da Caixa Geral de Depósitos como presidente do conselho de administração, o que acabou por não acontecer.
Tal como o Jornal Económico noticiou no início de julho, Esmeralda Dourado é a escolha dos bancos para dirigir a plataforma de gestão do crédito malparado que está a ser a preparada pelos bancos, em coordenação com o Ministério das Finanças e com o Banco de Portugal. A vice-presidente do Banco de Portugal, Elisa Ferreira, disse recentemente na COFMA que os ativos não rentáveis são um dos principais problemas da banca portuguesa e que é necessário acelerar a “limpeza dos balanços”, mas defendeu que se trata de “um problema dos acionistas e não do Estado”. Elisa Ferreira, defendeu que o apoio estatal à resolução do malparado da banca deve ser feito num quadro europeu. Tirar os ativos do balanço dos bancos para serem comercializados implica capital que os bancos não têm.
“O problema do malparado exige coragem e eficácia”, diz, Em relação à criação de um ‘bad bank’, a gestora fala do ‘timing’ errado. “Não concordo nem discordo. Tinha um ‘timing’ mas perdeu oportunidade. Devia ter sido feito em 2013 depois do pedido de ajuda externa”, explica ao Jornal Económico.
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