Donald Trump adora brincar com o fogo, e até o faz com habilidade, mas com a última “brincadeira” – de impor tarifas de 10% sobre mais de 300 mil milhões de dólares de importações chinesas – parece ter-se queimado a ele e à economia global. Ou pelo menos é isso que o mercado obrigacionista global, e principalmente o europeu, parece estar a antecipar.

A economia europeia está desproporcionalmente assente na indústria exportadora tanto para os EUA como para a China, e por isso a perspectiva de uma reformulação profunda do regime de comércio global afecta-nos particularmente a nós, Europa, no curto prazo.

Esta perspectiva parece levar os investidores a crer que o BCE vai avançar com novos estímulos monetários, seja através de um corte de taxas de juro como também de um possível novo quantitative easing (QE). Mas estas são duas ferramentas que claramente já esgotaram todo o seu potencial, caso contrário, as yields do mercado obrigacionista não estariam tão baixas.

Estas ferramentas não têm mais potencial porque o seu canal de transmissão, o mercado de crédito, está entupido. Do lado dos bancos, as exigências de capital e as baixas margens de negócio comprimem a vontade de dar crédito. Do lado dos particulares e das empresas, o endividamento já é relativamente alto e por isso a vontade de contrair mais crédito também é pouca. Este entupimento do mercado de crédito impede que os benefícios de taxas de juro baixas e do QE cheguem à economia real, i.e., às empresas e aos consumidores.

As ferramentas monetárias funcionam um pouco como choques cardiogênicos. Vitais em momento de crise, mortíferos se abusados. Cada ferramenta ataca um órgão diferente do sistema económico, e as taxas de juro e o QE já fizeram o seu trabalho nos órgãos da banca e dos mercados financeiros. Não só já fizeram o seu trabalho como já estão a ter consequências nocivas (os bancos cobram taxas negativas a cada vez mais clientes e os investidores estão petrificados com o nível de yields no mercado obrigacionista). Se a economia europeia realmente precisar, seria altura do BCE pensar noutro tipo de “choque” monetário (reforço o enfâse no se desta frase).

Um “choque” que tem vindo a ser discutido há vários anos no submundo da teoria económica mas que é demasiado exótico, e por isso só pode ser ponderado pelas entidades oficiais quando todas as outras ferramentas já tenham sido esgotadas: o helicopter money.

Com a política do helicóptero, o banco central imprime dinheiro e entrega-o da forma mais directa possível aos consumidores. Sem bancos nem investidores pelo meio e, quem sabe, sem crédito envolvido. Seria um passo mais à frente no caminho da monetização da dívida europeia.

A monetização da dívida é uma política historicamente conhecida por fazer cair reis e imperadores (depois de vários anos a gerirem mal os recursos dos seus reinos e impérios). Resta saber quem são os reis e imperadores dos nossos tempos…

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.