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“Estímulos ainda são necessários, mas os políticos têm de preparar uma estratégia de saída”

Economista-chefe da Allianz Global Investors elogia ação dos decisores políticos e banqueiros centrais na resposta à pandemia, mas avisa que a dificuldade nos últimos 30 anos tem sido “a normalização” da política monetária após a crise. E antecipa que os efeitos positivos da vacina na atividade económica só deverão fazer-se sentir no segundo semestre.
14 Janeiro 2021, 18h10

Stefan Hofrichter é economista-chefe da Allianz Global Investors desde 2011, no pico da última crise económica e financeira. Ao Jornal Económico, o economista considera que a resposta dos decisores políticos à crise se revelou não só “rápida”, como muito diferente da anterior, apontando como exemplo os pacotes de estímulo orçamental. As perspetivas para 2021 são de recuperação, mas os efeitos da vacina deverão ser graduais.

 

A pandemia provocou a maior crise económica mundial desde a Grande Depressão, mas as expectativas apontam para que 2021 seja já um ano de retoma económica. Vamos assistir a uma recuperação rápida ou gradual?
As expectativas de consenso, assim como as nossas na AllianzGI, são de uma recuperação contínua em 202, em comparação com 2020. Dado o efeito base, o crescimento global poderá aumentar de 5% em termos reais este ano, em comparação com a tendência de crescimento de cerca de 3 a 3,5%. Além disso, a recuperação também reflete a esperança de que uma vacinação mundial irá abrir as portas para uma vida mais normal no segundo semestre de 2021.

 

Como é que isso se traduz nas taxas de crescimento trimestrais?
Os números, porém, mascaram a dinâmica subjacente. Após uma forte recuperação no terceiro trimestre de 2020, as taxas de crescimento trimestral sequencial moderaram para níveis mais normais e isso faz sentido do ponto de vista económico. O desemprego ainda é alto no mundo ocidental, a recuperação foi alimentada por pacotes de estímulo orçamental e monetário, ambos provavelmente menores em 2021 do que no ano passado. Além disso, irá levar algum tempo até atingirmos a imunidade de grupo – provavelmente até ao terceiro ou quarto trimestre deste ano. Portanto, teremos que conviver com os ventos contrários associados à Covid na atividade económica, medidas de lockdown e uma alta poupança voluntária do sector privado. Isso é particularmente verdade para a Europa e para os EUA, onde os números de infeção ainda são muito altos.

 

E o processo de vacinação será longo…
Devemos ter em mente que ainda há muitas incertezas relacionadas com as várias vacinas. As pessoas que receberam a vacina ainda serão contagiosas, embora seja improvável que sofram de Covid. Por quanto tempo a vacina os irá proteger? Quanto tempo vai demorar para proteger o mundo? Haverá um número suficiente de pessoas dispostas a tomar a vacina…?

 

Embora a crise seja mundial, é uma crise assimétrica entre os diferentes países. Teremos uma recuperação em ritmos diferentes dependendo da região?
A resposta é claramente sim. A China foi o primeiro país a ser atingido pelo vírus e parece estar entre os primeiros a deixar para trás o problema. Vemos que os dados económicos da Ásia-Pacífico, principalmente da China, continuam a melhorar, enquanto perdem ímpeto nos EUA e na Europa. O vírus e a forma de lidar com ele continuam a ser um fator importante para as perspetivas de crescimento económico.

 

Que tendência deve marcar a trajetória da economia portuguesa em 2021?
As estimativas de crescimento de consenso estão na faixa de 4,5% a 5% para o próximo ano e cerca de 3,5% para 2022 – quase em linha com o geral da zona euro. É importante ressaltar que as previsões para 2021 foram recentemente revistas em baixa e a dinâmica do crescimento cíclico está a diminuir na Europa.

 

O primeiro trimestre do ano já poderá ser de início de recuperação, ou teremos que esperar até ao segundo semestre?
O crescimento económico já recuperou no terceiro trimestre de 2020, foi de 13,3%, após o colapso de 13,9% no segundo trimestre. Após uma contração muito provável no quarto trimestre de 2020, o crescimento deverá recuperar novamente em todos os trimestres deste ano. No entanto, o risco pende claramente para o lado negativo no primeiro semestre, principalmente no primeiro trimestre, devido à propagação contínua do vírus. Devemos esperar que os efeitos positivos da vacina apareçam na atividade económica apenas no segundo semestre, provavelmente apenas a partir do quarto trimestre.

 

Quais são os sectores que deverão recuperar mais rapidamente da crise?
Os vencedores óbvios da crise do coronavírus foram aqueles que beneficiaram com o “ficar em casa e trabalhar em casa”, ou seja, empresas de apoio ao escritório em casa e entregas aos domicílio. Embora essas empresas do sector digital desfrutem de um crescimento secular, o aumento de crescimento extra de 2020 provavelmente terá o preço esgotado em 2021. Os imóveis de escritórios provavelmente irão sofrer estruturalmente com o vírus: enquanto muitos trabalhadores terão que voltar para os escritórios pós-pandemia, trabalhar em casa será muito mais aceite daqui para frente. Possivelmente, a procura por escritórios irá diminuir estruturalmente.

 

Por outro lado, há outros sectores que apresentam mais dificuldades.
Os sectores que sofreram com o vírus no ano passado irão recuperar em 2021, à medida que a economia recuperar e os gastos do sector privado aumentarem e os temores relacionados com a pandemia, espero, desaparecerem novamente. Esses sectores incluem o turismo, lazer, comércio, restaurantes. No entanto, também há sectores que sofreram com o vírus e, além disso, enfrentam ventos contrários estruturais, por exemplo, por causa da transição para uma energia mais verde, como o sector automotivo tradicional, companhias aéreas. Irão beneficiar com o retorno a uma vida normal no curto prazo, mas ainda terão que lidar com outros desafios não relacionados como o coronavírus. Como disse antes, embora haja uma boa hipótese de que a vacina nos ajude a passar o ano muito melhor do que no ano passado, continuam dúvidas sobre a eficácia da vacina e a forma como as pessoas irão responder a essa incerteza.

 

A resposta à crise foi muito diferente da anterior. Os governos e as instituições internacionais aprenderam as lições com o passado?
A resposta política desta vez foi como em tempos de guerra, basta pensarmos na quantidade de estímulo da política orçamental e no facto de que uma grande parte dele foi financiada pelos bancos centrais. Os governos e os banqueiros centrais foram rápidos em dar estímulos desta vez, assim como também foram rápidos em avançar com enormes pacotes de estímulos no passado. O que não têm sido bons durante os últimos 35 anos, desde Alan Greenspan [ex-presidente da Fed], é em normalizar a política após a crise. A política monetária tem sido assimétrica durante as últimas três décadas: fácil em períodos de recessões e crises, mas não suficientemente rígida em tempos de boom. Resultado? Esta política tem sido propícia à explosão de bolhas de crédito e ativos.

 

Até quando é que os estímulos orçamentais se deverão manter?
Os estímulos orçamentais ainda são necessários, uma vez que a recuperação ainda está em bases instáveis. No entanto, os decisores políticos precisam de trabalhar numa estratégia de saída. Por vários motivos: a alavancagem pública, assim como a privada, é extremamente alta. Sabemos que os elevados níveis de dívida pública são um obstáculo estrutural para o crescimento económico. Em segundo lugar, as participações em empresas do sector privado estão, a longo prazo, em conflito com a ideia de uma economia de mercado. Se adicionarmos a isso a política monetária ultra-easy, a política atual – se mantida por muito tempo – corre o risco de nutrir ainda mais empresas zombis. A partir de hoje, é muito provável que o estímulo orçamental seja pequeno em 2021, em relação a 2020, visto que aumentaram os obstáculos económicos e políticos para manter ou mesmo para aumentar o estímulo orçamental em relação ao ano passado. Basta pensar nas discussões sobre pacotes de estímulo orçamental nos EUA.

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