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Estudo da Universidade de Aveiro conclui que financiamento após fogos florestais é mal aplicado em Portugal

Este estudo, da autoria de Cristina Ribeiro, garante ainda que a aplicação dos fundos “não tem respondido às necessidades” no que diz respeito à proteção dos valores em risco e ao planeamento da recuperação da área de forma mais sustentável e resiliente a futuros fogos.
eEPA/ANTIONIO JOSE
19 Março 2021, 17h04

O financiamento após os fogos florestal é mal aplicado em Portugal, conclui um estudo da Universidade de Aveiro (UA).

“As intervenções foram tardiamente operacionalizadas no terreno e não existiu uma seleção das áreas a intervir. Esta é uma das principais conclusões de um estudo da Universidade de Aveiro (UA) sobre a gestão florestal pós-fogo que tem sido realizada em Portugal, com recurso a financiamento público”, destaca um comunicado da universidade aveirense.

O estudo da UA garante ainda que a aplicação dos fundos “não tem respondido às necessidades” no que diz respeito à proteção dos valores em risco e ao planeamento da recuperação da área de forma mais sustentável e resiliente a futuros fogos.

Realizado pela investigadora Cristina Ribeiro, do Centro de Estudos do Ambiente e do Mar da UA, o estudo no âmbito do Doutoramento realizado no Departamento de Ambiente e Ordenamento da UA, sob orientação científica da professora Celeste Coelho e coorientação de Luuk FlesKens e de Sandra Valente, “centrou-se na definição de orientações para a definição de uma política de gestão pós-fogo em Portugal, com base na articulação dos interesses e necessidades dos agentes-chave do sector e integrando o conhecimento técnico e científico já disponível e as experiências de outras regiões do mundo”.

De acordo com o referido comunicado, o estudo “abordou também a aplicação dos fundos estruturais que Portugal tem beneficiado, desde os finais dos anos 80 até à atualidade, para intervenções de gestão pós-fogo”, relembrando que, desde 2007, esses fundos “têm como principais objetivos a estabilização de emergência para prevenir o risco promovendo a conservação do solo e da água, e promover a médio e longo a regeneração e o restauro das florestas afetadas”.

“Com especial destaque para o estudo da aplicação de 25 milhões de euros de investimento elegível financiado, através do Programa de Desenvolvimento Rural PRODER (2007-2013), em intervenções de estabilização de emergência, que consistiram em tratamentos de encostas, caminhos e linhas de água, e tratamentos de reabilitação de povoamento, reflorestação e reabilitação de habitats florestais, Cristina Ribeiro aponta duas grandes falhas na aplicação do financiamento”, salienta o referido comunicado.

Primeiro, “as intervenções foram tardiamente operacionalizadas no terreno”, garante. “A estabilização de emergência deve ser realizada no terreno, imediatamente após a ocorrência do incêndio, antes do aparecimento das primeiras chuvadas”, descreve a autora do estudo, adiantando que, “em Portugal, as intervenções financiadas no âmbito do PRODER foram aprovadas no final do primeiro inverno após a ocorrência do incêndio, havendo intervenções que foram aprovadas mais tarde”.

No respeitante às intervenções de médio e longo prazo, os proprietários afetados pelos incêndios e entrevistados pela investigadora, “reconheceram que as intervenções quando chegaram ao terreno já não estavam adequadas à realidade existente, uma vez que a evolução do ecossistema não se compadeceu com o tempo necessário para a aprovação do financiamento”.

Outra grande falha apontada por Cristina Ribeiro prende-se com a não existência de uma seleção das áreas a intervir. “O conhecimento científico e a experiência internacional evidenciam que as intervenções, pelo menos as de estabilização de emergência, não podem ser realizadas em toda a área ardida (por questões temporais e económicas), mas devem ser feitas em áreas consideradas prioritárias, face aos riscos e valores em risco existentes na sua envolvente”, aponta.

Neste sentido, a autora do estudo descreve que, “em Portugal, a avaliação da área ardida não tem identificado a área de intervenção prioritária, como tal as intervenções têm surgido aleatoriamente distribuídas pela área ardida”.

“Estes são aspetos onde há necessidade de evoluir para que a gestão pós-fogo seja rentabilizada em termos de tempo e das áreas de intervenção”, aconselha Cristina Ribeiro.

Cumulativamente, a autora acrescenta que “há todo um processo de integração de agentes (especialistas pluridisciplinares e agentes nacionais, regionais e locais) na tomada decisão que deve também ser tomado em consideração”.

Segundo os responsáveis da UA, as lições a tomar com as conclusões deste estudo de forma a que a gestão pós-fogo realizada em Portugal possa ser eficaz, exigem que o planeamento dessa gestão se deve iniciar ainda durante a ocorrência do fogo rural ou o mais rapidamente possível, com a avaliação da área ardida efetuada por uma equipa de especialistas multidisciplinar.

Sendo a propriedade florestal maioritariamente privada, Cristina Ribeiro defende que “a definição dos objetivos para a área ardida deve ser partilhada entre os diferentes agentes envolvidos”.

Na realidade, explica, os proprietários “não se sentem como parte da decisão, e como tal planeiam as suas intervenções à escala da sua propriedade ou área que gerem”, sendo que, “no caso da intervenção a médio e longo prazo, por vezes os investimentos não têm continuidade no tempo”.

“O tempo que medeia entre a ocorrência do incêndio e a realização efetiva das intervenções, no terreno, está a ser muito longo, sobretudo na estabilização de emergência, o que faz com que as intervenções quando acontecem já estejam desajustadas das necessidades”, reforça.

“Esta realidade demonstra a necessidade de tornar os processos de aprovação e financiamento da gestão pós-fogo mais céleres, para que as intervenções sejam realizadas mais rapidamente”, assinala Cristina Ribeiro.

Se o custo da implementação das medidas é conhecido, através do valor financiado, “o benefício real obtido com o financiamento não é conhecido por falta da monitorização das intervenções que permita aferir esses resultados”.

Mais importante do que a área financiada ou o valor do financiamento, Cristina Ribeiro diz que é necessário “perceber qual é o retorno do investimento e, efetivamente, não existe informação sobre esses valores para os projetos financiados”.

“Para que a gestão pós-fogo seja uma oportunidade, para o desenvolvimento sustentável da floresta nacional, a política de gestão pós-fogo a desenvolver em Portugal, deve estar enquadrada numa estrutura composta por duas fases temporais, com objetivos específicos e com escalas temporais espaciais distintas”.

A primeira fase, de estabilização de emergência, decorre durante o primeiro ano após o fogo e a segunda fase, de regeneração e o restauro da floresta, que surge na continuidade da anterior, decorrerá até cerca de cinco anos após a ocorrência do incêndio.

Paralelamente, a investigadora diz que o país deve estar dotado de equipas de especialistas pluridisciplinares, para a avaliação das áreas ardidas e avaliação da regeneração e restauro de áreas ardidas, deve criar orientações nacionais para a criação da equipa de agentes nacionais, regionais e locais que acompanhem cada fogo rural e a criação dos mecanismos necessários para o seu funcionamento e que se deve criar um Fundo de Emergência que seja facilmente disponibilizado e que permita avançar com os trabalhos necessários imediatamente após o fogo rural.

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