O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, encerrou uma carreira política de cinco décadas esta quarta-feira com um discurso final na Sala Oval, na esperança de selar um legado ofuscado pelo fracasso dos democratas em impedir Donald Trump de regressar à Casa Branca. Biden abriu o seu discurso com uma mensagem familiar – pedindo aos americanos que se unam – mas rapidamente alertou sobre uma perigosa concentração de riqueza nos Estados Unidos. “O nosso sistema de separação de poderes, freios e contrapesos pode não ser perfeito, mas manteve a nossa democracia quase 250 anos, mais do que qualquer outra nação na história que já tentou uma experiência tão ousada”, disse Biden.
A frase otimista serviu, contudo, de introito a uma denúncia: “o complexo industrial tecnológico” está a trazer uma “avalanche de desinformação, permitindo o abuso de poder” – no que parecia ser uma frase dita a pensar em Elon Musk, o multimilionário que vai fazer parte da administração Trump. A imprensa livre, acrescentou, “está a desmoronar-se”.
O discurso de Biden ocorre numa altura em que o Partido Democrata perdeu uma grande parte da sua influência interna, depois de perder a presidência, a Câmara dos Representantes e o Senado e face a um adversário, os republicanos, que ganharam todas esses níveis de poder. A expectativa de alguns é que o novo inquilino da Casa Branca escolheu uma equipa para o acompanhar nos próximos quatro anos que tratará de acabar com as tradicionais alianças externas norte-americanas e dinamitar a forma de governo que está implementada há décadas.
Biden concorreu à presidência em 2020 e ganhou de forma tão tangencial que alimentou a narrativa de Trump de que não tinha perdido. Quatro anos mais tarde, o presidente recandidatou-se e desistiu a meio – permitindo que o seu adversário caminhasse para uma vitória concludente. A luta contra o Covid-19, o financiamento de novas infraestruturas e o relançamento industrial (nomeadamente na área dos semicondutores), a luta contra as alterações climáticas e um transversal otimismo económico – o legado de Biden – acabou por ficar soterrado pela mensagem de Trump, mas principalmente pelos erros crassos dos democratas.
Para alguns analistas, Biden não conseguiu curar as divisões no país da forma que esperava e foi por isso incapaz de impedir o retrocesso democrático em todo o mundo – segundo crítica citada pela agência Reuters. A sua maior conquista política – derrotar Trump em 2020 – acabou por ser temporária.
“Tudo o que Joe Biden queria era ser lembrado pelas grandes coisas que fez por este país e, pelo menos no curto prazo, elas foram eclipsadas pela sua decisão mal pensada de concorrer”, disse David Axelrod, ex-assessor do presidente Barack Obama, citado pela Reuters. “Ele tornou-se um presidente histórico quando derrotou Trump. Então, obviamente, o facto de Trump estar de regresso ao poder, mais poderoso que era quando saiu, é uma derrota para Biden“.
“Concorri à presidência porque acreditava que a alma da América estava em jogo. A própria natureza de quem somos estava em jogo. E esse ainda é o caso”, disse o ainda presidente, pedindo aos norte-americanos que continuem a lutar pelo foco do país na igualdade, na vida, na liberdade e na busca da felicidade – um discurso em tudo semelhante àquele que foi proferido por Kamala Harris quando reconheceu a derrota nas eleições de 5 de novembro.
Biden, que passou mais de três décadas no Senado e oito anos como vice-presidente de Obama antes dos seus quatro anos como presidente, citou a resposta ocidental unificada à guerra da Rússia com a Ucrânia, o fortalecimento de alianças e a retirada dos Estados Unidos do Afeganistão como principais conquistas da política externa do seu governo. Não se terá lembrado que a saída do Afeganistão foi da autoria de Trump.
O seu firme apoio a Israel, que matou dezenas de milhares de palestinianos em resposta ao ataque mortal do grupo militante Hamas a Israel, dividiu o Partido Democrata e a reputação de Biden com a esquerda do seu partido nunca mais foi a mesma. O acordo de cessar-fogo, finalmente conseguido – mas ainda não implementado – era tudo o que os democratas precisavam para relançar a campanha de Harris, mas, deste ponto de vista, chegou tarde demais. E a responsabilidade é mais uma vez de Biden, que não encontrou forma de ‘domar’ o primeiro-ministro israelita.
Vincent Rigby, ex-conselheiro de segurança nacional do primeiro-ministro canadiano Justin Trudeau, disse, também citado pela Reuters, que Biden será lembrado para sempre como um presidente do “intervalo” entra as duas presidências de Trump, apesar das suas sólidas conquistas na reconstrução da confiança nos Estados Unidos após o primeiro mandato do regressado presidente.
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