Dava uma letra de fado, o drama de quem vê o euro a delir-se, a UE a esvair-se e não sabe o que há-de dizer. Como explicar/justificar o que, sólido como granito, uma rocha onde se ancoravam todos os sonhos do grande capital europeu, esteja às portas da morte, de “morte natural”. Os grandes interesses da BusinessEurope e ERT (Mesa Redonda dos Empresários Europeus), do Directório, mesmo fragilizado com o BREXIT, da Alemanha, apostam ainda nesta UE e na moeda única.

O referendo em Itália é mais um concentrado de todas as contradições e antagonismos do Euro e da UE. Mesmo se se procura fazê-lo passar por debaixo da mesa, reduzido apenas a um “não” à reforma eleitoral e institucional de Renzi. A Itália tem hoje o PIB de 2000, quando fez parte do grupo fundador da Zona Euro. Isto é, os últimos 16 anos não viram qualquer crescimento. E o débil verificado entre 2000 e 2007 foi engolido. A moeda (o seu valor cambial) de um país, não é (não pode ser) uma decisão “administrativa”, mas uma expressão da força relativa da sua economia e, muito em particular, do nível relativo da sua produtividade.

Um estudo do FMI, citado por J. Sapir em trabalho recente, mostra que ao actual câmbio do euro, o “euro alemão” está virtualmente subavaliado em 15%, enquanto o “euro italiano” está sobreavaliado em 10%. Este diferencial de 25 pontos percentuais exprime o diferencial da produtividade das duas economias (a italiana, estagnada desde 2000) e mata a economia italiana. Em recente e elucidativo artigo sobre o tema, mesmo que se discorde das suas soluções (Diário de Notícias 12DEZ16), o editor do Financial Times, Wolfgang Münchau, exemplifica essa discrepância através do desequilíbrio no TARGET 2, o sistema de Pagamentos da Zona Euro: “O excedente da Alemanha está em 754 mil milhões de euros, enquanto o défice de Itália é de 359 mil milhões”!

As ditas “reformas estruturais” (nomeadamente laborais) preconizadas pela UE, concretizadas por Monti, primeiro-ministro de um governo imposto por Bruxelas (uma inaudita ingerência num Estado-membro), Letta e Renzi não foram suficientes para compensar as perdas da Itália no Euro. Antes agravaram a crise económica – o rendimento disponível recuou 12% desde 2008 e o desemprego atingiu os 11,5%. E o sector bancário está como se sabe… Ora, o “não” italiano a Renzi é também um não às políticas do Directório da UE. É mais um “não”, depois da Grécia, da Holanda e do Reino Unido. Há muitos a não quererem tirar conclusões, julgando que uma palavra, o “populismo”, tudo explica e tudo resolverá. Vão esperar sentados…

E há os que não enxergam ou não querem enxergar a causa dos problemas. Bagão Félix titulou um artigo elogioso do filme “Eu, Daniel Blake”, de Ken Loach, assim (e justamente): “Um filme sublime” (Público 09DEZ16). E é absolutamente extraordinário que, entre as muitas coisas justas que escreve a propósito do filme, não enxergue por trás das situações descritas, as políticas neoliberais da UE. Políticas de que foi executor eficaz e zeloso em Portugal, como ministro da Segurança Social e do Trabalho (XV Governo, 2002/2004) e ministro das Finanças (XVI Governo, 2004/2005). Políticas de que o partido de que é próximo, o CDS, é em Portugal, no governo e na oposição, um fiel defensor. Coisas…

O autor escreve segundo a antiga ortografia.