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Europeias: Imigrantes na Alemanha alarmados com subida da extrema-direita

Em Berlim, o número de estrangeiros aumenta todos os anos. Em 2023, chegou quase ao milhão, num total de quase três milhões e 900 habitantes.
11 Maio 2024, 14h26

Atrás de uma banca de sumos de fruta de múltiplas cores, tantas como os tons de pele neste bairro de Berlim, Ysuf é apenas um adolescente, mas partilha as preocupações dos adultos com o crescimento da extrema-direita na Alemanha.

Tem 16 anos e pertence à terceira geração de uma família turca, mas vive intensamente a comunidade em “Kottbusser Tor” – bairro mais conhecido por “Kotti”. A música de fundo obriga-o a falar mais alto.

“Tenho receio que esta gente chegue ao poder. Mas sou novo, tenho de estar otimista”, diz, enquanto familiares vão vendendo fruta ali ao lado.

É feriado, e a calma geral da capital contrasta com o frenesim deste bairro onde pouco se ouve alemão. As esplanadas dos restaurantes, muitos de “kebab”, estão cheias de gente. No “Tadim”, enquanto se afiam as facas para cortar a carne, ouve-se um funcionário.

“Se não fossemos nós a trabalhar a um feriado, quem é que o faria?”, pergunta, encolhendo os ombros quando se fala de política.

Em Berlim, o número de estrangeiros aumenta todos os anos. Em 2023, chegou quase ao milhão, num total de quase 3 milhões e 900 habitantes. No distrito de Mitte, um dos doze da capital alemã, o número de cidadãos estrangeiros ou com raízes migrantes supera o de alemães.

“Quando cheguei à Alemanha, senti que este era um país socialmente justo para os migrantes, onde queria estar, pagar impostos, integrar-me. Agora, o sistema social está a derrubar-se, os direitos de igualdade, direitos humanos são aplicados seletivamente”, desabafa o egípcio Ahmed Khaled, nome fictício.

“Sinto-me cada vez menos incluído e com menos vontade de contribuir. Talvez devêssemos mudar-nos para um país que nos respeitasse e apreciasse o nosso trabalho”, continua.

Ahmed mudou-se para a Alemanha em 2018 para estudar. Vive em Berlim desde 2019. Acompanha com atenção a política e o crescimento da Alternativa para a Alemanha (AfD), partido de extrema-direita que aparece em segundo lugar nas sondagens para as eleições europeias.

“É alarmante. Para mim, que venho do Médio Oriente, noto que há um sentimento antiárabe nas políticas e na direção seguida pela AfD. Prefiro referir-me a este problema como ‘antiárabe’, em vez de dizer islamofobia porque tanto eu, que venho de uma família muçulmana, como a minha mulher, que vem de uma família cristã, somos vítimas de racismo da mesma forma”, lamenta.

“A AfD é realmente um problema, mas também considero que os partidos de centro, como a CDU e o SPD, o são, especialmente com o que se está a passar na Faixa de Gaza. Sinto que também nestes partidos há um forte discurso antiárabe, ainda que não seja tão direto como o da AfD. Com eles já sabemos ao que vão”, aponta.

Em “Kotti”, os cartazes de campanha para as eleições europeias aparecem envergonhados, quase nem se dá por eles. O interesse no bairro também não é grande, mas há quem pense nas consequências de uma extrema-direita mais forte no Parlamento Europeu.

O coletivo de jornalistas “Correctiv” deu recentemente conta de um plano de deportação discutido por vários elementos da extrema-direita, entre eles da AfD, que previa expulsar do país migrantes “que não estavam assimilados na sociedade”, incluindo aqueles que têm nacionalidade alemã.

O partido, que tem estado envolvido em vários escândalos e que já enfrentou manifestações a favor da sua abolição um pouco por toda a Alemanha, está em segundo lugar nas sondagens para as eleições europeias marcadas para 09 de junho.

“Na Europa, é muito claro que a viragem à direita já não pode ser travada (…). Se a AFD se tornar o segundo partido mais forte, terá uma voz mais ativa, e as decisões serão tomadas por interesses instalados, com os estrangeiros ou, como eu, que têm antecedentes migratórios, a serem excluídos da sociedade ou a verem os seus direitos retirados”, acredita Alpkan Erik.

Nascido em Berlim, em 1992, é de origem turca e tem passaporte alemão. Os avós chegaram à Alemanha nos anos 60 como “trabalhadores convidados”.

“Quando vejo na televisão documentários sobre o genocídio dos judeus, pergunto-me por vezes se algo tão horrível pode voltar a acontecer na história. A AfD está sempre a propagandear que vai deportar os imigrantes e os estrangeiros quando estiver no poder. Pergunto-me como vai ser possível deportar milhões de estrangeiros? Depois, infelizmente, lembro-me das imagens horríveis da era nazi”, admite.

Alpkan Erik teme o futuro e a impossibilidade de poder constituir família. Iman, de Teerão (Irão) e a viver na Alemanha desde 2010, já pai de dois filhos de 5 e 7 anos, partilha a incerteza.

“É um pesadelo imaginar que as minhas crianças vão ter problemas por causa das suas raízes. A ideia das deportações é alarmante. Por um lado, não me assusta porque parece absurda, mas, por outro lado, com base na minha experiência, muitas ideias desumanas podem tornar-se realidade se não forem contestadas numa fase inicial. Por isso, sim, estou realmente preocupado com a situação atual”, admite.

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