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Exclusivo. DCIAP investiga operações de Isabel dos Santos denunciadas por Ana Gomes

A antiga eurodeputada Ana Gomes apresentou uma denúncia à PGR sobre operações financeiras de Isabel dos Santos relacionadas com a compra da Efacec e alegadas transferências, em nome da Sonangol, de mais de 100 milhões de euros para empresas sediadas no Dubai. Justiça portuguesa já está a investigar operações de Isabel dos Santos.
Toby Melville/Reuters
10 Janeiro 2020, 13h07

A Procuradoria-Geral da República (PGR) revelou hoje que foi aberta uma investigação à denúncia apresentada por Ana Gomes em relação a várias operações realizadas por Isabel dos Santos em Portugal.

A queixa está agora no Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), órgão do Ministério Público responsável por investigar eventuais crimes económicos ou financeiros.

” Confirma-se a receção de queixa apresentada por Ana Gomes”, disse fonte oficial da PGR ao Jornal Económico. “A mesma foi remetida ao DCIAP para investigação”, afirmou esta sexta-feira.

A antiga eurodeputada Ana Gomes apresentou uma denúncia à procuradora-geral da República (PGR) e à diretora-geral da Autoridade Tributária (AT) sobre operações financeiras de Isabel dos Santos relacionadas com a aquisição da empresa portuguesa do setor elétrico Efacec e alegadas transferências, em nome da Sonangol, de mais de 100 milhões de euros para empresas de consultoria sediadas no Dubai.

Na denúncia são lançadas suspeitas de branqueamento destas transferências, que estão a ser investigadas pela justiça angolana, através do banco português EuroBic, detido maioritariamente pela filha do ex-presidente da República de Angola. A Lucília Gago e Helena Borges, a ex-eurodeputada solicita que determinem investigações judiciais e tributárias à origem dos fundos com que a empresária angolana realizou essas operações.

Na denúncia, datada de 12 de novembro de 2019, a que o JE teve acesso, Ana Gomes revela que chegaram “elementos” ao seu conhecimento, dos quais, diz, transmite parte, por email, à PGR e AT. E prossegue: “Sabendo que o recurso a empréstimos é artifício corrente na criminalidade BCFT (branqueamento de capitais e financiamento de terrorismo) para ofuscar a proveniência de fluxos de capitais, venho solicitar a V.Exas que determinem investigações judiciais e tributárias à origem dos fundos” com que, diz, Isabel dos Santos “adquiriu a empresa Efacec”, em 2015.

Sobre esta aquisição, a ex-eurodeputada sinaliza que seja investigada “a origem dos 25 milhões de euros transferidos de Angola via a sua empresa Winterfell2 Limited [subsidiária da Industries ,que viria a adquirir a Efacec], sediada em Malta”. E ainda a aquisição da participação de 65% por parte da Empresa Nacional de Distribuição de Eletricidade (ENDE), empresa pública angolana que, diz Ana Gomes, “transferiu 40 milhões de euros para a Niara Holdings para adquirir participação na Winterfell Industries – empresas de Isabel dos Santos, sediadas respetivamente na ZF Madeira e em Malta”. A este respeito, Isabel dos Santos avançou, em 2018, que a ENDE não pagou os 40 milhões previstos, mas só 16 milhões, o que levou a empresária a avançar o capital em falta.

Ana Gomes reclama ainda que seja investigada a origem dos fundos com que estão a ser reembolsados os empréstimos de 160 milhões de euros pelas empresas de Isabel dos Santos de um consórcio de bancos portugueses. Em agosto de 2018, o governo angolano acabou por determinar que a ENDE abandonasse a parceria com Isabel dos Santos. O negócio deixou os interesses do Estado angolano “gravemente lesados”, afirmou então ao “Expresso” o ministro angolano da Energia, Baptista Borges.Na denúncia enviada à PGR e ao fisco português, Ana Gomes questiona também a origem dos fundos com que a empresária angolana “reembolsou ou reembolsa o empréstimo concedido pelo BIC PT ao Sr. Sindika Dokolo, marido de Isabel dos Santos, através da sua empresa Euro Atlantic Asset Management AG, para investimento em atividades da empresa de joalharia DeGrisogno em França, adquirida pela própria Isabel dos Santos”.

Transferências da Sonangol

Por fim, a ex-eurodeputada dá conta de transferências que, diz, “ascenderão a mais de 100 milhões de euros”, e que motivaram a instauração de um processo-crime pela PGR de Angola, tendo Isabel dos Santos reagido já a esta investigação como “uma vingança política” e uma “caça às bruxas”. Sobre estas transferências, Ana Gomes sinaliza à PGR que há a “alta probabilidade do Banco EuroBic e do ‘universo BIC’ terem servido de conduta para a circulação de capitais desviados para as empresas de consultadoria sediadas no Dubai”. Em outubro de 2019, as declarações de “lavandaria” de Ana Gomes relativas ao banco levaram o EuroBic a avançar para tribunal contra esta responsável por difamação. Recorde-se que, em março de 2018, a PGR angolana instaurou um inquérito para investigar a denúncia da administração da Sonangol sobre transferências monetárias alegadamente irregulares, durante o período em que a empresária estava na gestão da petrolífera estatal angolana. O procurador-geral da República, Hélder Pitta Grós, emitiu um despacho que dita um processo-crime contra a gestão de Isabel dos Santos na Sonangol. Em causa está a transferência de 38 milhões de dólares, que, segundo a justiça angolana, terá sido feita um dia após a empresária ser exonerada da presidência da petrolífera estatal angolana, em novembro de 2017. O referido processo-crime, diz Ana Gomes, “reporta-se à suspeita de desvio e branqueamento de mais de 100 milhões de euros da Sonangol para as empresas de consultadoria Matter Business Solutions DMCC, Wise Consulting DMCC e Ironsea DMCC, baseadas no Dubai”.O JE questionou a PGR e a AT sobre a receção desta denúncia e se foram abertas investigações, mas não obteve resposta até ao fecho desta edição. Confrontou também Isabel dos Santos, não tendo igualmente obtido resposta.

Alerta a autoridades europeias

Na denúncia enviada, Ana Gomes informa que vai transmitir esta comunicação também ao BCE, à EBA (Autoridade Bancária Europeia) e à Comissão Europeia. E acrescenta: “Não ignoro que o EuroBic é uma LSI (Less Significant Institution), escapando ao controlo direto do BCE. Mas também não posso ignorar a inexistência de controlo consolidado entre o BIC AO (Angola), o BIC CV (Cabo Verde) e o BIC PT (Portugal), por o BdP nunca ter exercido a autoridade que lhe compete”. A antiga eurodeputada dá aqui conta de que o supervisor português terá permitido que “os fluxos financeiros oriundos de Angola e Cabo Verde via BIC/EuroBic nunca tenham tido qualquer escrutínio, designadamente sobre a sua origem primitiva”. “Face aos riscos para a integridade dos sistemas financeiros português e europeu em sede de BCFT, é meu dever alertar as autoridades europeias para as engenharias financeiras originárias do BIC AO e que eram, e continuam a ser, transferidas entre contas gemelares Angola-Portugal, sem a mais elementar análise follow-the-money”, explica.

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