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Exclusivo JE. Álvaro Santos Pereira sobre as novas previsões económicas da OCDE: “Começamos a ver a luz a surgir ao fundo do túnel” (com áudio)

Álvaro Santos Pereira em exclusivo ao JE sobre as novas previsões económicas da OCDE: “Estamos a prever que a economia mundial vá crescer 5,5%/5,6%, o que é uma previsão em alta. Em relação a dezembro é de quase 1,5% a mais”.
9 Março 2021, 11h39

Álvaro Santos Pereira, ex-ministro da economia de Portugal, é o diretor do departamento de Economia da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico, OCDE, que acaba de publicar hoje mesmo mais um Outlook. É esse o pano de fundo desta entrevista ao Jornal Económico, que faz parte de uma conversa mais geral e que será publicada na sexta-feira na nossa edição semanal, em papel, e poderá ser vista na íntegra nesse mesmo dia em vídeo e som aqui no nosso sítio da internet.

Este novo relatório da OCDE fala-nos muito da importância da vacinação, que seja feita rapidamente, e também alerta para a importância dos incentivos fiscais (que têm de continuar e ser bem calibrados) e das reformas estruturais (necessárias para melhorar a resiliência económica dos diversos países e sectores). É um bom resumo ou falta algo?
É um bom resumo. Neste momento, ao nível de previsões económicas, estamos a falar sobretudo da evolução da pandemia. Ou seja, temos vários cenários. Um, central, em que revemos em alta as nossas previsões para o conjunto dos países do G20. E estamos em alta porque temos uma vacina [Álvaro Santos Pereira fala no singular de todas as vacinas que existem no mundo contra a COVID-19] que está a ser bastante eficaz e implementada em vários países do mundo. Por outro lado, temos um apoio a nível fiscal e monetário que quase não tem precedentes, e isso ajuda bastante na recuperação. E, por outro lado ainda, temos as pessoas e as empresas a adaptarem-se à situação difícil que estamos a viver. É tudo isso que faz que tenhamos uma perspetiva melhor do que aquela que estávamos à espera há apenas alguns meses.

Que grandes números devem ser relevados neste estudo?
Estamos a prever que a economia mundial vá crescer 5,5%/5,6%, o que é uma previsão em alta. Em relação a dezembro é de quase 1,5% a mais. Estamos a falar de que a Zona Euro cresça perto de 4%, ou seja, 3,9% este ano e sensivelmente o mesmo em 2022. Temos economias, como a alemã e a francesa, a crescerem quase 3% e 6%, respetivamente, e a de Espanha – muito importante para nós portugueses – a prevermos que vá crescer 5,7% agora e quase 5% no próximo ano. Estamos a falar de crescimentos muito apreciáveis em cima do péssimo desempenho do ano passado. Tudo isto acontece graças a um grande pacote fiscal e também à ajuda da FED [sigla de Federal Reserve Board, o Sistema de Reserva Federal dos Estados Unidos, a instituição norte-americana responsável pela supervisão do sistema bancário e pela definição da política monetária aplicada no país]. Temos a economia norte-americana a crescer 6,5% este ano e 4% no próximo. A economia chinesa a crescer, assim como a indiana, esta 12%, e também as da América Latina a começarem a recuperar. Portanto, e em termos gerais, estamos a falar de números positivos, o que é ótimo. Ainda há poucos meses estávamos perante números muito negativos e numa recessão sem precedentes. Finalmente, começamos a ver a luz a aparecer ao fundo do túnel.

Falou do caso chinês e indiano. A China foi a única economia do mundo que não caiu em 2020 (+2,3%). Juntamente com a indiana são aquelas em que se prevê um maior crescimento em 2021 e 2022. Pergunto-lhe: os direitos sociais europeus jogam contra a economia?
Não. Julgo que não tem a ver com essa questão. É natural que a China, a Índia e os países menos desenvolvidos cresçam mais do que os desenvolvidos. A ciência económica prova isso há muito tempo: é uma questão de convergência. As economias mais ricas tendem a crescer menos do que as mais pobres. E neste caso nem estamos a falar de grandes diferenças. A China vai crescer pouco mais do que a economia norte-americana a nível ‘per capita’. A economia europeia vai crescer um pouco menos. É mais fácil compará-la [à economia europeia] com a norte-americana e relacioná-la, até, com a vacinação – que nos EUA está a decorrer melhor e mais rapidamente do que na Europa. E depois temos os estímulos fiscais, muito apreciáveis. O pacote da administração [do Presidente Joe] Biden, que se pensa que vai ser aprovado pelo Congresso esta semana, representa cerca de 8% do PIB. Ou seja, um pacote fiscal muito forte. Portanto, a questão não é comparar o que se passa com o modelo europeu e o chinês. Deve ver-se é quais as razões pelas quais a Europa continua a crescer menos do que os EUA. Isso é mais relevante neste momento.

Então faço essa pergunta: porquê?
A Europa continua, às vezes, menos preocupada em completar algumas das etapas que são necessárias para ser mais competitiva em relação aos EUA e para se tornar mais dinâmica a nível de empreendedorismo. Nunca me esqueço que quando estava no governo [português] tive um evento com o primeiro-ministro da Finlândia e estávamos juntos de jovens empreendedores dos dois países, com as suas próprias empresas, a perguntar o que eles queriam fazer no futuro e quais eram os respetivos sonhos. Lembro-me da resposta de um deles, de uma empresa muito bem
sucedida: “O que eu gostava é que a minha empresa crescesse muito para poder vendê-la aos americanos ou aos chineses”. Esse é um dos graves problemas que temos na Europa. Ainda não somos competitivos, não proporcionamos aos nossos empreendedores as condições que eles podem encontrar noutros países, nomeadamente nos EUA. Isso tem de ser resolvido nos próximos anos para melhorar a competitividade da economia europeia e para a tornarmos mais
empreendedora e inovadora.

Quais são as perspetivas da OCDE para a inflação da zona euro? Os receios de alguns investidores e analistas podem vir a concretizar-se?
Nestas previsões que lançámos agora não temos detalhadamente essas previsões para a inflação. O que posso dizer é que não prevemos que o fenómeno da inflação seja muito grave ou duradouro. Pensamos que, claramente, está a acontecer um fenómeno de pressão dos custos, por exemplo, nos contentores, no petróleo, nas matérias primas, mas, neste momento, com muitas pessoas desempregadas ou sub-empregadas, há pouca pressão no mercado do trabalho. E, por outro lado, este foi um choque do rendimento e pensamos que o que vai acontecer é que as pressões inflacionistas não são fortes o suficiente para que a inflação, neste momento, se torne permanente. Estamos mais preocupados com o que se pode passar nos EUA do que na Europa. E mesmo assim não estamos muito. Se nos próximos tempos os estímulos monetários, financeiros e fiscais se mantiverem ao mesmo tempo que as pressões das matérias-primas e houver mais pressão do mercado de trabalho, então sim, poderemos preocupar-nos um pouco mais. Pessoalmente, não penso que a inflação esteja morta e haverá sempre algum risco.

Este segundo confinamento, mais ou menos global ou europeu, foi muito menos severo para a economia?
Claramente. Temos indicadores de atividade e mobilidade. Mostram que o confinamento de março e abril [de 2020] foi muito mais penoso. Na Europa e nos EUA os confinamentos têm tido menos de metade do valor do impacto dessa altura. E porquê? Porque os governos adaptaram as suas medidas e, principalmente, as pessoas e as empresas habituaram-se às regras. O confinamento não foi tão restritivo.

A maior parte dos portugueses que não acompanham a economia perdem-se entre os números europeus e nacionais, o ponto de vista governamental, partidário e os periódicos estudos de um sem fim de organismos nacionais e internacionais. Como é que de um ponto de vista substantivo, académico, se pode resumir a um português sem formação económico-financeira, o estado da economia portuguesa neste momento?
Para resumir: estamos a passar a maior crise das últimas décadas. Mas o impacto no emprego e nas insolvências é muito menor do que seria habitual. Como foi um choque tão diferente do normal, os governos decidiram atuar rapidamente para apoiar as famílias e as empresas. Graças a esse apoio governamental e dos bancos centrais o impacto desta grande crise não está a sentir-se da forma que seria expectável. Isto não quer dizer que não estejamos perante uma crise grave. Estamos! Ela afeta os setores da população mais vulneráveis. Para as pessoas que podem fazer teletrabalho e ter os filhos em casa o impacto é grande mas é menor do que para as pessoas que têm de trabalhar fisicamente fora ou perderam os seus empregos. As pessoas com menos qualificações foram muito afetadas. Em todo o mundo há milhões de novos desempregados. E depois há dois grupos que foram mais tocados: as mulheres e os jovens. Estamos a falar da maior crise das últimas décadas. O legado desta crise vai permanecer durante bastante tempo, principalmente para esses grupos mais vulneráveis.

Não devemos estar à espera de uma retoma rápida?
As previsões da OCDE mostram que a retoma vai acontecer…

[Interrrompendo] Algures entre o final deste ano e durante o próximo?
Certo. A partir mais ou menos do final do segundo trimestre. Depende da vacinação, da confiança dos agentes económicos. E por um fenómeno interessante que ocorreu em todos os países: o aumento das poupanças. Isso aconteceu inclusive em Portugal. As poupanças das famílias mais abastadas ou mesmo da classe média aumentaram, obviamente daquelas que conseguiram manter-se a trabalhar. Muito provavelmente, na recuperação económica essas poupanças podem ser canalizadas para o consumo. Mas vai haver uma divergência muito grande. Quem poupou foram os mais ricos e quem pôde estar em teletrabalho. Os mais vulneráveis, por perderem o emprego, não o conseguiram fazer. É bem provável que venhamos a assistir ao aumento do consumo por parte da classe média e mais abastada, que não dos trabalhadores em dificuldades. Essa divergência vai ter impacto social, certamente.

No caso português, em que o turismo é a maior atividade exportadora, essa poupança, por via desse quadro que acabou de descrever, pode ser bom?
Acredito que o turismo pode recuperar, sim. Tudo dependerá da vacinação. Pelo melhor, num cenário bom, as reservas de turistas já começam a aparecer. Isso não quer dizer que toda a gente do sector vá desfrutar de uma expansão certa. Houve muita gente, muitas empresas, na restauração, na hotelaria, ligadas ao turismo – e à cultura! – que infelizmente tiveram de sair do negócio. Não tinham as poupanças ou reservas necessárias. Essas, com toda a certeza, quando os apoios governamentais acabarem, vão cair em insolvência ou bancarrota. Portanto, se a vacinação correr melhor do que até agora, espero que o turismo recupere forte, mas não será para todos, total, infelizmente. A OCDE estima que ainda vai demorar alguns meses ou anos a recuperar o que foi perdido em 2020.

A União Europeia está a vacinar mais lentamente do que os EUA, o Reino Unido ou Israel. É crítico deste processo?
O exemplo a seguir é o de Israel. Está claramente à frente de todos. Neste momento, Israel está já a abrir a sua economia, dos restaurantes às atividades culturais. Esperam no próximo mês terem já todos os adultos vacinados. Quando isso se passa, e porque se demonstra que a eficácia da vacina é muito grande – pelo menos era, antes das variantes inglesa, brasileira e outras – as pessoas podem voltar à sua vida normal. Foi o que já aconteceu também na Austrália e Nova Zelândia. Eles fecharam-se totalmente e, por via disso, conseguiram voltar à normalidade mais depressa. Nos países nos quais a vacinação é muito lenta ou ainda nem sequer começou a recuperação económica andará ao ritmo da vacinação. Haverá correlação entre os dois processos.

É do interesse de todos que nenhum país fique para trás?
Isso é óbvio! Os países ricos incorrem num erro muito grave se pensarem assim. O que está a acontecer no Brasil e na África do Sul, com as novas variantes, é altamente preocupante. Não sabemos se as vacinas são eficazes nesses casos. Se os países se vacinarem a velocidades muito diferentes, quer seja na América Latina, quer seja na Ásia ou em África, a probabilidade de problemas é muito grande. Podemos estar a abrir a porta a novas variantes perante as quais as nossas vacinas sejam menos eficazes. Isso seria um erro brutal e dramático. A nível de produção e distribuição deveremos fazer um esforço enorme para que todo o mundo esteja vacinado o mais
rapidamente possível.

Quando é que os apoios governamentais poderão começar a ser retirados e a que ritmo?
Tudo vai depender da duração da pandemia. A nossa recomendação, da OCDE, é que esses apoios só sejam retirados quando a recuperação económica esteja bem encaminhada. Fazê-lo prematuramente pode ser contraproducente e levar a que a economia volte à recessão ou a uma onda de insolvências elevada. É claro que é fácil dizer que vamos apoiar apenas as empresas viáveis mas, na prática, quando se está no governo, é muito difícil fazê-lo. Ainda esta semana estive em contacto com um governo com muitíssima margem fiscal e eles diziam-me que também gostariam de fazer isso mas não sabem como escolher. E estou a falar de um dos países mais desenvolvidos da OCDE. Portanto, se isso se passa com esse país, não podemos esperar que os outros façam milagres. Na teoria devemos canalizar os apoios para quem foi mais afetado, famílias e empresas; na prática é difícil escolher quem é e não é viável. Não sabemos, por exemplo, o que vai acontecer com a aceleração da digitalização que aconteceu no último ano, por exemplo

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