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Sofia Santos: “Falta sintonia com as áreas da economia e das finanças”

A pandemia parece ter aumentado a atenção dos mercados financeiros para as questões ambientais. Em entrevista, a fundadora da SystemicSphere e professora no ISEG Lisbon School of Economics and Management diz que esta atenção é, também, reflexo do caminho que os decisores políticos já vêm trilhando, nomeadamente na Europa.
10 Setembro 2021, 12h00

Sobre Portugal, diz que é um país híbrido no caminho para a economia sustentável, com ambição e um roteiro, mas com pouco empenho das Finanças ou da Economia. Defende, por exemplo, que em todo o apoio de financiamento público sejam exijadas boas práticas ambientais e sociais às empresas.

Podemos considerar que a pandemia constituiu um ponto de viragem na perceção sobre os temas relacionados com a sustentabilidade, dada a ação dos decisores políticos na UE, por exemplo?
Não sei se foi ponto de viragem por causa da Covid-19, se uma coincidência com um período de regulação europeia. De qualquer forma, a pandemia parece ter aumentado a preocupação com os temas ambientais pelo lado dos mercados financeiros. Na realidade, foi a partir de março de 2020 que a EU começou a lançar regulação intensa sobre os temas do financiamento sustentável, tendo, no entanto, este processo já tido início em 2018, com o Plano de Ação para financiar um crescimento sustentável, e em 2019 com a publicação, em dezembro, do regulamento europeu “relativo à divulgação de informações relacionadas com a sustentabilidade no setor dos serviços financeiros”. Ou seja, a aceleração que temos vindo a sentir entre 2020 e 2021 não é algo que surja agora, mas sim o resultado de um trabalho europeu já iniciado em 2018. Não há dúvida de que, com a pandemia, vários estudos vieram demonstrar que os portefólios de empresas com melhor rating ESG tiveram perdas menores, o que evidencia uma maior resiliência às oscilações de mercado. Também nos últimos meses e já na Presidência de [Joe] Biden, os EUA têm demonstrado muito mais interesse em seguir a regulação europeia, nomeadamente ao nível da informação ESG dos fundos e produtos financeiros, constituindo este um dos temas da agenda da US Securities and Exchange Commission [SEC].

Como compara Portugal com outros países na tradução prática da assunção da necessidade de uma economia mais sustentável?
Um país híbrido! Temos uma ótima ambição e um roteiro para atingirmos a neutralidade carbónica, temos um esforço pela área do ambiente na promoção dos serviços dos ecossistemas e da economia circular, mas falta a sintonia com as áreas da economia e das finanças. Sem uma política fiscal verde, e sem se aplicar efetivamente requisitos de boas práticas ambientais às grandes [empresas], PME e mesmo microempresas, a economia mais sustentável vai ser muito difícil de se alcançar. O Plano de Recuperação e Resiliência tem de cumprir com a taxonomia da UE, ou seja, só pode financiar projetos que não danifiquem significativamente o ambiente, existindo sectores em que esse financiamento está vedado, não pode ser dado. É importante que todo o apoio de financiamento público, via PRE, via Banco de Fomento, via IAPMEI, via outros financiamentos públicos que existam, exijam boas práticas ambientais e sociais às empresas. Estas exigências terão de ser necessariamente diferentes se falarmos de uma grande, PME ou de uma microempresa, mas mesmo as microempresas têm de evoluir neste sentido. E o próximo quadro comunitário de apoio deveria providenciar cofinanciamento para que estas empresas conseguissem evoluir neste sentido. Sem isso, será muito difícil e caímos no greenwashing ou na plena mentira ou omissão.

Estamos num período de definição de enquadramento e de regras. Qual a importância da standardização das métricas e para quando poderemos esperar informação comparável para empresas relativa a ESG?
É muito importante existirem métricas bem definidas ao nível ESG para grandes empresas, PME, microempresas, grandes bancos cotados em bolsa e bancos mais pequenos. Estas métricas devem ser diferenciadas consoante a dimensão da organização. A UE está atualmente a trabalhar precisamente na existência de standards diferenciados para cada uma destas organizações. No entanto, a tendência está a ser para apenas se exigir que as grandes empresas, PME cotadas e Instituições financeiras reportem as informações ESG, esquecendo-se das PME não cotadas e das microempresas que, atualmente, estão fora das expectativas de obrigatoriedade do reporte. Uma vez que mais de 90% do tecido empresarial europeu e nacional são PME não cotadas, questiono-me como vamos então obter a informação ESG que os bancos, private equities, venture capital precisam de disponibilizar sobre as suas PME não cotadas e microempresas. Argumenta-se que estas empresas ainda não têm a maturidade para este tipo de reporte. Eu não concordo com esta abordagem, defendo sim que devemos estimular estas empresas a evoluírem neste sentido, e recorrendo a cofinanciamento europeu.

A regulação pode ter um papel destacado na reorientação de investimento de capitais para ativos sustentáveis. Em que ponto estamos e o que podemos esperar da alteração de regras?
A regulação está já a induzir uma reorientação do capital para projetos e ativos sustentáveis. De notar que a regulação europeia não está a proibir nenhum agente de investir ou emprestar dinheiro a empresas não sustentáveis, está sim a criar estímulos e incentivos para que os agentes, nomeadamente as instituições financeiras, sintam o racional para caminhar nesse sentido.

Esses estímulos passam, numa primeira fase, por regulamentos que definem o que são atividades ambientalmente sustentáveis e que obrigam as instituições financeiras a reportar como os seus portefólios e empréstimos estão, ou não, alinhados com essas atividades verdes. Numa segunda fase, espera-se que os rácios prudenciais e outros possam estar associados à exposição que as instituições financeiras têm aos riscos climáticos, ambientais, sociais e de governação.

Para a banca espera-se que já em junho de 2022 entre em vigor uma revisão do Regulamento de Requisitos de Capital da União Europeia, onde, de acordo com o artigo 449º, passa a existir o requisito de divulgar informações prudenciais sobre riscos ESG. Em jeito de preparação, em março de 2021, a Autoridade Bancária Europeia publicou um parecer para a Comissão Europeia sobre o requisito de divulgação de atividades ambientalmente sustentáveis, recomendando a existência de um “green asset ratio” como um KPI [key performance indicator] e que as instituições de crédito divulguem rácios para mostrar até que ponto as atividades de financiamento da sua carteira bancária estão alinhados com o Regulamento de Taxonomia, Acordo de Paris e os ODS [objetivos de sustentabilidade] da ONU. No entanto, existe também a possibilidade de existir um brown asset ratio onde se evidencie até que ponto as atividades de financiamento não estão alinhadas com a as políticas ambientais. Tudo isto está agora em discussão. Isto significa que a partir de junho de 2022 os requisitos de capital das entidades bancárias estarão associados com a exposição dos seus créditos aos riscos ESG, em particular riscos climáticos.

As regras estão a ser já mudadas. Depende da estratégia de cada instituição financeira fazer parte desta mudança, uma vez que ela não está a ser obrigatória.

O risco ambiental já está a ser incorporado nas decisões de financiamento e de desenvolvimento de projetos?
Sim e não. Sim, uma vez que há uma grande quantidade de fundos de investimento que já selecionam as empresas com base nos seus ratings ESG; existem também bancos que têm políticas de risco sectoriais, e que já realizam uma análise de risco ambiental, social e de governação. Alguns exemplos são: Santander, HSBC, Barclays, BBVA, ABN Amro, entre outros. Em Portugal, temos o Crédito Agrícola, que recentemente começou a atribuir uma notação ambiental e social às empresas e aos projetos que requerem novos financiamentos, para, num futuro próximo, identificarem conjunto de melhorias que a empresa pode desenvolver para conseguir estar melhor preparada para as exigências de mercado e regulamentares que se antecipam, de forma a conseguir manter e melhorar a sua competitividade e diferenciação no mercado.

Não, porque esta prática de se analisar os riscos ambientais ainda não está generalizada a todas as empresas que solicitam crédito, e muitas vezes os critérios ocorrem apenas para grandes projetos e grandes empresas. O que significa que, se tivermos muitas PME com impactes ambientais não identificados pelos bancos, então os riscos continuam a estar lá e não são reconhecidos nas contas.

Com a revisão do Regulamento de Requisitos de Capital da União Europeia, tudo indica que os riscos ambientais terão obrigatoriamente de ser incorporados na matriz de risco do sector financeiro. A forma como cada instituição decide atribuir um preço a esse risco é que irá variar.

Como é que avalia os passos que têm sido dados para integrar a sustentabilidade nos critérios de concessão de crédito e na análise de risco na banca?
Acho que têm sido os corretos. O tema já está a ser debatido na UE desde 2018, tem saído regulação desde 2019, faseada e com datas de aplicação que permitem a adaptação do mercado. O Banco Central Europeu também tem vindo a divulgar muita informação sobre as suas expectativas de como a banca deve incorporar a sustentabilidade na análise de risco, tendo iniciado este processo com um documento para consulta pública no verão de 2020, que passou a guia para a incorporação dos riscos ambientais e climáticos na banca em novembro de 2020, contendo um calendário quanto às expectativas e revisões de informação que o BCE vai realizar a este respeito. Apesar da taxonomia ser de difícil implementação para o sector financeiro, com muitas PME não cotadas e microempresas como clientes, penso que têm sido claros os sinais que os reguladores e autoridades europeias bancárias têm vindo a dar ao mercado. A banca em Portugal é que necessita de acelerar esta transição que é inevitável e não vai andar para trás. É necessário também que o sector financeiro considere este tema como um “tema normal” e atribua as verbas de investimento necessárias. Se não o fizer, será difícil competir no mercado europeu a cinco ou sete anos.

Notamos, em Portugal, uma menor oferta de produtos financeiros com critérios ESG, nomeadamente de fundos. Como analisa esta situação e o que pode ser feito para estimular o mercado?
O sector financeiro português sempre foi muito conservador relativamente aos produtos verdadeiramente ESG. Apesar de em Espanha, por exemplo, existir a Associação de Fundos Socialmente Responsáveis, em Portugal essa realidade ainda está muito distante. Porquê? Por uma questão de cultura financeira que, tendo sido muito dinâmica ao nível da tecnologia, quando toca a mudanças estruturantes na forma de fazer dinheiro, a reação é sempre de prolongar no tempo a ausência da necessidade de mudança. Também é um mercado pequeno e, por isso, com menos liquidez e menor dinâmica. Como se pode estimular? Aumentando o nível de conhecimento das instituições financeiras para elas compreenderem verdadeiramente a exposição aos riscos ambientais que têm e as vantagens que existem em optar por projetos e portefólios mais verdes. Ainda há quem não acredite nesta mudança… talvez por que não leem o suficiente ou tenham falta de humildade em reconhecer que o mundo mudou e que o seu próprio conhecimento necessita de ser atualizado. Também é importante que os prémios anuais dos colaboradores e membros dos conselhos de administração estejam associados aos produtos ESG que criam e que vendem. Sem esse estímulo e sem conhecimento duvido que a aceleração que precisamos ocorra.

Acredita que as emissões verdes continuarão a crescer sustentadamente ou poderão tornar-se um nicho?
As emissões verdes são menos de 3% a 4% de todas as emissões emitidas no mundo. Se ouvirmos com atenção os discursos da presidente do Banco Central Europeu sobre obrigações verdes, podemos pensar que, talvez, um dia as obrigações verdes possam vir a ser compras preferenciais desta instituição. Acredito que será criada política fiscal verde que incentive as empresas e os países a emitirem obrigações verdes, por isso penso que dentro de 10 anos as “vanilla bonds” serão todas um pouco green. Ou seja, as obrigações verdes continuarão a crescer, sendo necessário ter-se muito cuidado com o greenwashing e o socialwashing.

Como é que avalia a ação do Governo na promoção deste tipo de investimento?
Já começou, mas é insuficiente. Em 2019, o Governo, pela liderança do Ministério do Ambiente, lançou a Carta de Compromisso para o Financiamento Sustentável em Portugal, bem como o documento Linhas de Orientação para Acelerar o Financiamento Sustentável em Portugal. A Carta de compromisso expressa compromissos para os Ministérios do Ambiente, Economia e Finanças. Ao nível do Ministério das Finanças pode ler-se como um dos compromissos “desenvolver uma política fiscal favorável à sustentabilidade”. Estamos em 2021 e essa parte ainda está totalmente por realizar. É urgente ter o Ministério das Finanças alinhado em catalisar o financiamento sustentável e seria fundamental que o Banco Português de Fomento fosse, na realidade, um banco verde.

O greenwashing é uma ameaça? De que forma é que se pode contrariar?
É uma grande ameaça, que [pode ser contrariada] da forma que os EUA e a Dinamarca já estão a fazer. Na Dinamarca, foi criada em 2021 pela Autoridade de Supervisão Financeira uma unidade para monitorizar a informação disponibilizada pelos participantes do mercado financeiro no âmbito da regulação europeia que entrou em vigor a 10 de março de 2021 relativa à divulgação de informações relacionadas com a sustentabilidade, também conhecida como regulamento da SFDR [Sustainable Finance Disclosure Regulation]. Esta unidade poderá emitir injunções, avisos e relatórios às empresas que não cumpram com a SFDR.

Também a SEC tem estado atenta para definir as métricas e dados que os fundos e as empresas devem reportar ao nível ambiental, social e de governação. A SEC criou também a Climate and ESG Task Force, que tem como objetivo identificar proactivamente más condutas relativamente ao reporte dos temas ESG. A International Organization of Securities Commissions (IOSCO), um fórum de reguladores de mais de 95% dos mercados financeiros a nível mundial, também tem defendido um papel crescente dos reguladores relativamente à veracidade da informação sobre sustentabilidade reportada sobre produtos financeiros.

Ou seja, o greenwashing só pode ser combatido da mesma forma que outros temas são: através de penalizações a quem o fizer, tendo de existir para isso organismos nacionais com essa responsabilidade.

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