Os fragilidades da economia portuguesa são esmiuçadas pelos economistas Fernando Alexandre, Luís Aguiar-Conraria e Pedro Bação no livro “Crise e Castigo e o Dia Seguinte”, reeditado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos. Ao Jornal Económico, Fernando Alexandre alerta que, apesar da recuperação económica, as famílias e as empresas “continuam muito endividadas”.
Este livro traça um retrato da evolução de Portugal até à crise e da recuperação económica. O país aprendeu as lições necessárias?
O país é composto por pessoas com visões muito diferentes. Julgamos poder dizer que muitas pessoas estão agora mais conscientes dos perigos associados a grandes défices públicos e a níveis elevados de dívida pública. O facto de as reivindicações de certos sectores da sociedade, como os professores, não terem recebido grande simpatia popular pode ser um sinal dessa consciência de que, nas circunstâncias atuais, é difícil aumentar os benefícios atribuídos pelo Estado, especialmente quando implicam aumentos consideráveis da despesa pública. Nesta linha, parece ser claro que a política orçamental mudou desde a crise. O Governo da “geringonça” deu prioridade à redução do défice e o novo Governo tem como lema as contas certas.
Refere que houve projetos com retornos medíocres face à despesa pública ou ao crédito obtido. Que projetos foram esses?
A situação do sector bancário, o elevado valor de créditos irrecuperáveis ou registados como imparidades refletem a má alocação do crédito. As perdas da banca concentraram-se nos sectores da construção e imobiliário. No caso do investimento público destacam-se muitas parcerias público-privadas, onde a posição do Estado não foi bem defendida, e obras de baixo retorno para a sociedade e a economia, onde o aeroporto de Beja se destaca.
De que forma é que se pode evitar a estagnação da economia portuguesa que se registou nos anos pré-crise e que retratam no livro?
Em primeiro lugar, é preciso notar que a redução da taxa de crescimento económico não foi um fenómeno exclusivamente português, tendo sido observado em muitos países desenvolvidos. No entanto, essa constatação é uma fraca consolação, pois enquanto os países mais desenvolvidos estagnaram num nível de rendimento elevado, Portugal estagnou num nível inferior em cerca de 30%. Por outro lado, na primeira década do século XXI, a taxa média de crescimento anual foi cerca de 1%. Apenas a Itália e a Alemanha tiveram pior desempenho. Os factores sobre os quais se pode atuar podem ser divididos em três grandes grupos: o contexto institucional, o investimento e a formação dos recursos humanos, nomeadamente em áreas tecnológicas. No que respeita ao contexto institucional, é importante aumentar a “liberdade económica” (especialmente fomentando a concorrência), aumentar a qualidade das instituições (por exemplo, combatendo a corrupção) e melhorar a afetação dos recursos (área em que o sector bancário tem um papel fundamental). Em relação ao investimento, é necessário garantir boas infraestruturas, reforçar o investimento empresarial das empresas exportadoras e captar investimento direto estrangeiro que permita aprofundar a integração das empresas portuguesas nas grandes cadeias de valor globais. É importante reforçar o investimento na educação, começando nas idades mais baixas, mas procurando também dar formação complementar à fatia da população com qualificações baixas. O desenvolvimento de competências digitais deverá, naturalmente, ser um elemento fundamental.
O endividamento externo é ainda uma ameaça?
Sim. A dívida pública é cerca de 120% do PIB, o dobro do estabelecido pelos critérios da área do euro e a terceira mais elevada da UE. Um aumento da taxa de juro pode ter um efeito muito significativo sobre o lado da despesa do Orçamento do Estado. Será necessário contar com a continuação da boa vontade do Banco Central Europeu para evitar um cenário mais grave. Mas também as famílias e as empresas continuam muito endividadas. Após seis anos consecutivos de equilíbrio externo, há sinais preocupantes em relação à capacidade de financiamento do país. A poupança continua em valores muito baixos e o aumento do investimento pode assim levar ao aumento do envidamento externo, que representa cerca de 100% do PIB.
Qual é a capacidade de Portugal se posicionar como um player na transformação do mundo digital global?
Será difícil ser um player no mundo digital quando se é um país pequeno em que uma parte ainda significativa da população continua a ter qualificações baixas. Por outro lado, é necessário ter essa ambição e, sobretudo, há que tentar criar condições para tal. É necessário investir na formação nessas áreas, aproveitar melhor o potencial dos nossos jovens nessas áreas, e criar um contexto propício para o aparecimento e para a expansão de empresas que aproveitem e potenciem essas competências. No final, o sucesso desta estratégia passa pela capacidade de aproveitar as oportunidades da globalização.
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