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Fernando em Pessoa(s)

Entre Camões e Fernando Pessoa, o segundo ganha facilmente ao primeiro em termos de adaptações e de presenças no cinema.
29 Outubro 2023, 10h00

João Botelho já o filmou em Conversa Acabada (1981), a sua primeira longametragem, Filme do Desassossego (2010) e O Ano da Morte de Ricardo Reis (2020); José Fonseca e Costa pegou em O Que o Turista Deve Ver para fazer o documentário Os Mistérios de Lisboa (2009); Luís Vidal Lopes fez do poeta o protagonista de Mensagem (1988); Fernando Carrilho rodou Ophiussa – Uma Cidade de Fernando Pessoa (2011); o italiano Giulio Base adaptou O Banqueiro Anarquista (2018); e há ainda curtas-metragens várias e telefilmes de nomes como Eduardo Geada, Rita Nunes, Pedro Varela ou Eugène Green.

Edgar Pêra já tinha tocado na obra do autor de Mensagem na curta-metragem Lisbon Revisited (2014), e volta agora a território pessoano em Não Sou Nada, que é decerto a mais original, heterodoxa e fantasiosa incursão de um cineasta português pelo universo de Fernando Pessoa. Escorando-se num argumento quase todo composto por palavras de poemas e textos variados do poeta, Pêra imagina Fernando Pessoa como o diretor de uma editora, a Nothingness Club (que podia ser também uma repartição pública, um escritório de empresa ou uma redação), onde os seus heterónimos e semi-heterónimos, todos vestidos como ele, identificados por rótulos nos casacos, batem furiosamente nas teclas das suas máquinas de escrever, preparando o número 23 da revista Orpheu.

O realizador vai ainda mais longe em termos de visualização imaginativa do singularíssimo mundo de Fernando Pessoa (um Miguel Borges convincente assim que aparece). Não Sou Nada banha parcialmente numa pronunciada atmosfera de filme “negro”; cruza realidade biográfica com ficção mirabolante, mistura onirismo e especulação; desdobra Ofélia Queiroz (Victoria Guerra) em enfermeira de um hospício e secretária ultracompetente, e em mulher fatal de policial de Hollywood; e faz de Álvaro de Campos (Albano Jerónimo) o mais proeminente, inquieto, antipático e revoltado heterónimo de Pessoa, quase tomado por desejos de se sobrepor ao poeta ortónimo e que no final protagoniza uma cena de tiroteio saída de um filme de gangsters dos anos 30.

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