Certa vez, na Feira do Livro de Lisboa, há largos anos, cruzei-me com o consagrado escritor angolano Pepetela, que se encontrava numa sessão de autógrafos. Neste contexto, ainda tive a sorte de trocar algumas palavras com o autor. Falámos que em Luanda estavam a ser publicados um ou dois livros por semana. O que evidenciava um dinamismo do sector editorial angolano.

Recordo-me, também, das palavras de Agualusa a este respeito, durante um encontro no Teatro Elinga, na baixa da cidade de Luanda, ao lado de Mia Couto. Agualusa dizia que, no pós-independência de Angola, o mercado editorial era pujante e com capacidade de impressão de obras em grande escala. Apesar de, durante a guerra, se ter assistido à crise deste sector.

Daquela conversa até hoje, posso afirmar, agora in loco, que os lançamentos de livros se consagraram como eventos recorrentes e sistemáticos, sobretudo de obras de cunho científico, com particular destaque para as obras jurídicas. Os actos de lançamento das obras passaram a ser momentos de convívio social, o que gera oportunidades de networking, mas também a possibilidade de publicação de fotografias.

A imagem fotográfica tornou-se no momento de gáudio para as redes sociais, servindo, nesta medida, como uma ferramenta de projecção da imagem pública. Por sua vez, o livro acaba, mesmo, por ser colocado num segundo plano, numa categoria de não importância efectiva, cujo seu valor efectivo é reduzido a um objecto sem qualquer relevância.

O livro não consegue alcançar o estatuto de elemento essencial ao desenvolvimento de uma sociedade de conhecimento ou esclarecida numa sociedade de exibição e de feiras de vaidade, como é marcadamente a sociedade angolana, onde o fervor do livro está inserido numa cultura de exibicionismo público.

Nesta medida, sobra um vazio. Não se realizam críticas às obras publicadas, tão necessárias, especialmente para os mais jovens, enquanto exercício de maturidade académica. Deste modo, ninguém consegue avaliar o valor científico de uma obra.

De facto, raras são as editoras angolanas que apostam num autor e consideram que o seu valor está no seu talento ou na relevância científica da sua obra a ser publicada. Dentro deste contexto, impera uma noção de ausência do valor do livro.

Note-se que os livros de autores angolanos não têm sido alvo de quaisquer recensões críticas e as revistas académicas são inexistentes. De tal forma que, no final de cada ano, não se disponibiliza uma lista das obras mais importantes lançadas em Angola.

Assim, publicar uma obra pode tornar-se um acto de vaidade e de afirmação de uma falsa autoridade académica, onde só as paredes e as prateleiras conseguem efectivamente alcançar o valor do livro. São estes espaços que conservam as obras e lhe atribuem um valor decorativo.

A ausência de uma comunidade crítica acaba por ser o espelho de uma sociedade de não leitura de obras, porque um crítico é um leitor rigoroso, dotado de um conhecimento profundo sobre o universo literário ou científico.

Sem estes leitores-críticos, as obras lançadas não serão tidas como parte de uma sociedade de conhecimento. Porque a crítica alimenta o sentido analítico, necessário para impulsionar qualquer processo criativo ou científico mais rigoroso e de menor vaidade. Se assim for, os vaidosos terão de se confrontar com o rigor e não com um conjunto de fotografias e de salas cheias de ilusão.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.