Enquanto docente de finanças e mercados financeiros, uma atividade que me fascina é conversar com responsáveis empresariais de reconhecida competência. Regra geral, são conversas em que ambas as partes podem aprender algo importante.

Uma das minhas preocupações na transmissão de conhecimentos que considero relevantes para estes responsáveis passa por alertar para a importância da dimensão financeira não contabilística na gestão empresarial e principalmente para as diferenças nada negligenciáveis entre aquilo que são as “finanças empresariais” e o que é a “contabilidade financeira”.

É curioso notar que, independentemente da (eventual) formação académica anterior incluir ou não conhecimentos de gestão, economia ou finanças, a maioria dos meus interlocutores ignoram ou, por vezes, até preferem ignorar o forte impacto prático dessas diferenças. A confusão entre as duas pode ocorrer porque partilham muita semântica e podem inclusive ocupar o mesmo “espaço” físico ou lógico nas empresas.

As “finanças empresariais” e a “contabilidade financeira” têm ambas um papel muito importante, obviamente, mas a sua lógica e efeito na atividade empresarial difere muito.

“Contabilidade financeira” faz parte do sistema de informação da gestão, dá forte prioridade à forma e a normativos criados por entidades especializadas, procurando a estabilidade e a objetividade que aumentam a qualidade e a comparabilidade da informação prestada. Está, sobretudo, relacionada com o passado e procura, na medida do possível, uma base objetiva associada a transações.

As “finanças empresariais”, pelo contrário, são uma componente indispensável do sistema de decisão baseada em relatórios quantitativos e qualitativos de avaliação (no fundo, informação mais sofisticada) suportada na análise do futuro e no tratamento da incerteza que permitem a fundamentação da tomada de decisão ao nível da política de negócio e da política financeira. Para esta função, a informação económica e financeira transmitida pelos mercados financeiros é crucial, dado o seu papel decisivo na formação de expetativas na gestão, mas isto é assunto para outro texto.

Não existe uma hierarquia entre as “finanças empresariais” e a “contabilidade financeira”, ambas são indispensáveis e complementam-se porque não faz sentido ou não é aconselhável tomar decisões importantes para o futuro sem informação adequada sobre o passado, nem faz sentido ter informação económica e financeira disponível e não a utilizar para uma melhor fundamentação da tomada de decisão. Neste contexto, a questão que se pode colocar é se na realidade elas coexistem na maior parte das organizações e a resposta não parece ser, de todo, afirmativa.

A “contabilidade financeira” é de aplicação obrigatória, enquanto as “finanças empresariais” e a procura da eficiência na tomada de decisão é (pelo menos aparentemente) facultativa, exige tempo e dedicação e não raras vezes é colocada de parte porque “existem outras questões mais urgentes que merecem mais a nossa atenção neste momento” (e diria eu, nos próximos!).

Entende-se a lógica de argumentação subjacente, mas quando se verifica que este comportamento acaba por ser o “normal”, imediatamente se deve considerar que, porventura, o desempenho empresarial pode ficar por isso bastante aquém do potencial. A capacidade do gestor para ter números que auxiliem a fundamentação da tomada de decisão pode fazer toda a diferença, em especial na envolvente atual de elevada volatilidade e complexidade.