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Finanças pedem informações ao Banco de Portugal e CMVM sobre Isabel dos Santos

Centeno pediu infomações sobre operações suspeitas no EuroBic. Quer saber se papel da supervisão e controlo do branqueamento estão a ser cumpridos.
31 Janeiro 2020, 15h33

O caso Luanda Leaks, que detalha esquemas financeiros da empresária Isabel dos Santos e do marido que estarão na origem da fortuna da família, está a ser acompanhado de perto pelo Governo português. Operações financeiras que envolvem quantias transferidas pela Sonangol para consultoras do Dubai, através do EuroBic estavam já sob o radar da justiça portuguesa face a suspeitas de branqueamento de capitais. E estão agora também na mira do Ministério das Finanças. que já pediu aos reguladores que lhe seja transmitida informação sobre esta questão.

O ministério liderado por Mário Centeno revelou ao Jornal Económico que as Finanças querem saber se foram cumpridos os procedimentos de controlo do branqueamento e de supervisão por parte do Banco de Portugal e da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) junto das empresas expostas a Isabel dos Santos, sociedades cotadas, bem como dos auditores e Revisores Oficiais de Contas relacionados com o caso Luanda Leaks.

“O Ministério das Finanças pediu já ao Banco de Portugal e à CMVM que lhe seja transmitida a informação, a que legalmente possa ter acesso, sobre os procedimentos associados a esta questão, nas vertentes de branqueamento de capitais e de supervisão”, revelou ao JE fonte oficial das Finanças.

Após este pedido de informação ao regulador financeiro, o governador Carlos Costa fez já questão de salientar publicamente que o BdP tem tido uma atitude “diligente” e “atenta”, remetendo para os bancos a obrigação de cumprimento da legislação de prevenção de branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo (BCFT). A garantia, em jeito de resposta às Finanças, surgiu, ontem, na intervenção de Carlos Costa, na 2.ª edição da Banking Summit promovida pela Associação Portuguesa de Bancos: “Sistema bancário nacional.

As Finanças asseguram, por sua vez, que “continuará a acompanhar e a avaliar a evolução deste tema, tendo em conta as informações que venham a ser prestadas pelas entidades competentes”. O caso Isabel dos Santos está, assim, no radar do Executivo, após a divulgação de informação detalhada pelo consórcio internacional de jornalistas que levou já a uma onda de demissões e anúncios de venda de participações detidas pela filha do ex-presidente da Angola no banco português e na Efacec.

O Ministério das Finanças acrescentou ainda ao JE que “as entidades competentes estão a acompanhar o tema, mantendo-se o Ministério das Finanças disponível para qualquer colaboração que se revele pertinente ou necessária”.

Recorde-se que estão em causa operações suspeitas referentes a transferências da Sonangol de 57,4 milhões de dólares (52 milhões de euros), a 16 de novembro de 2017, para uma conta bancária no Emirates NBD, no Dubai, titulada pela Matter Business Solutions DMCC. Uma consultora que o banco português suspeita agora de pertencer a Isabel dos Santos, após a investigação internacional ‘Luanda Leaks’ ter revelado mais de 715 mil ficheiros que detalham esquemas financeiros de Isabel dos Santos e do marido, Sindika Dokolo, que estarão na origem da fortuna da família, calculada em mais de dois mil milhões de euros.

Estas operações, em nome da petrolífera angolana, foram realizadas, através do banco português, um dia após a empresária angola ter sido exonerada da Sonangol e já estavam na mira da justiça portuguesa, após uma denúncia da antiga eurodeputada Ana Gomes que levou à abertura de um inquérito-crime pelo DCIAP, tal como o JE avançou em primeira mão a 10 de janeiro.

Transferências suspeitas já foram comunicadas à PJ
O JE sabe que as revelações detalhadas do ‘Luanda Leaks’ acabaram também por levar o EuroBic, banco que Isabel dos Santos é principal accionista, a enviar um alerta ao Ministério Público e à PJ sobre estas operações, três anos após terem sido realizadas, face a suspeitas no âmbito da lei 83/2017 que fixa medidas de combate ao BCFT, tal como o JE revelou, na última edição. Esta comunicação à PJ e ao DCIAP tem por base “razões para suspeitar que certos fundos provêm de actividades criminosas”, prevendo a lei que vevem ser comunicadas às autoridades operações suspeitas tentadas, que estejam em curso ou que tenham sido executadas, o que foi o caso das as três transferências de 57,4 milhões de dólares, realizadas a 16 de novembro de 2017, um dia após a saída de Isabel dos Santos da Sonangol.

A comunicação do EuroBic às autoridades é sustentada com o facto de o Luanda Leaks só agora levantar suspeitas quanto ao beneficiário efectivo da Matter Business Solutions. Segundo os novos dados, a accionista desta offshore declarada às autoridades do Dubai é Paula Oliveira, próxima e sócia de Isabel dos Santos que deverá, na realidade, ser a dona desta consultora do Dubai – e que tem associados outros nomes portugueses como o de Jorge Brito Pereira, advogado da empresária angolana e do seu principal gestor de negócios, Mário Leite da Silva, como diretor desta empresa offshore.

Sonangol nunca questionou pagamentos
O JE sabe que a petrolífera angolana, até hoje, nunca reclamou junto do EuroBic os movimentos suspeitos realizados em 2017, após terem recebido em dezembro desse ano o extrato bancário das transferências realizadas através da sua conta no Private do banco para o Dubai. Os dados revelados pelo ICIJ apontam para a possibilidade de Isabel dos Santos ter arranjado mecanismos para transferência de várias dezenas de milhões da Sonangol, que a justiça angolana estima em mais de 135 milhões de dólares, para uma empresa detida por si. Uma revelação que forçou o EuroBic a passar a pente fino toda a documentação de suporte das transferências de 57,4 milhões para o Dubai, incluindo as faturas de prestação de serviços da consultora Matter à Sonangol. Esta análise já tinha sido feita após a realização das operações, em 2017, com o EuroBic a concluir, na altura, que respeitaram os formalismos e procedimentos legais. Para o banco, as operações terão sido também legítimas face às datas e horas constantes nos documentos de transferências, cujas ordens estarão datadas de 14 de novembro, antes da exoneração, e terão sido processadas a 15 de novembro, dia em que foi anunciada a sua saída. No mesmo dia estavam a ser processadas transferências da Sonangol de 67 milhões de euros para a conta em euros do EuRoBic.

Riscos reputacionais levam a corte de relações
Um dia após as revelações do Luanda Leaks, o EuroBic anunciou que solicitou “a realização imediata de uma auditoria aos movimentos referidos” e decidiu “remeter ao Banco de Portugal todo o processo em poder do EuroBic referente às operações envolvendo as quantias transferidas pela Sonangol para a Matter em novembro de 2017”. No mesmo dia foi também anunciado o corte de relações comerciais do banco com Isabel dos Santos, seguindo 48h depois o anúncio da sua saída do capital. Objetivo: afastar riscos reputacionais e, no limite, uma eventual fuga aos depósitos, por receios de o banco ser usado para branqueamento. O banco chegou mesmo a sentir algum “nervosismo” do clientes face às notícias.

Já o regulador sinalizou ter pedido, a 20 de janeiro ao EuroBic informação que permita avaliar o modo como a referida instituição analisou e deu cumprimento aos deveres a que está sujeita em matéria de prevenção do branqueamento de capitais e do financiamento do terrorismo”. E que “retirará as devidas consequências, nomeadamente em matéria prudencial e contra-ordenacional”.

O BdP realizou, em 2015, uma inspeção ao EuroBicm tendo sido alvo de 23 processos de contraordenação devido a graves deficiências na prevenção do BFCT. O relatório do regulador sinalizou que na área de compliance (responsábel pela prevenção do BCFT) estavam sete trabalhadores, sendo que um estava nesta função há menos de um ano e outro que não dispunha de experiência anterior na matéria. Hoje, o banco tem 20 pessoas envolvidas neste processo, estando previsto um reforço de mais sete na próxima semana.

 

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