A tecnologia tomou de assalto o sistema financeiro e muitos dos seus afluentes. As FinTech, startups ágeis que desenvolvem tecnologia financeira, nasceram na “garagem” e não têm medo de desafiar o status quo financeiro, que até há pouco tempo era comandado exclusivamente pela banca. Sofre de miopia aquele que reconduz a relação entre os bancos e as FinTech a um mero jogo de concorrência. Olhando à lupa os tempos recentes, constata-se que aprenderam a coexistir: as FinTech vieram para ficar e os bancos tradicionais não vão desaparecer.
As FinTech introduziram “no sistema financeiro o princípio da ‘destruição criativa’, popularizado pelo economista J. Schumpeter, ao apresentarem aplicações de novas tecnologias, processos e produtos inovadores”, explicou Hélder Rosalino, administrador do Banco de Portugal. Isto é, “ajudam o sistema financeiro a reinventar os modelos de negócio tradicionais e criar serviços mais customizados às necessidades dos clientes, que, por sua vez, são cada vez mais exigentes e digitais”, adiantou.
As FinTech atuam em diversas atividades da cadeia de valor do sistema financeiro e há quem defenda que em alguns casos, nem são concorrentes da banca. Afonso Eça, cofundador da Raize, uma FinTech portuguesa de crowdlending, considerou que as tecnológicas financeiras B2C “não estão a inovar em nada, estão apenas a alterar a forma de colocação de produtos no mercado, numa lógica de smartphone-friendly”.
Mas casos há em que esta tensão entre incumbentes e insurgentes pode resvalar para a competição. Quanto mais próxima da banca do quotidiano ou da concessão de crédito se aproximar uma FinTech, mais desafia um banco tradicional.
“Just a friendly nudge to remind you there’s money in your bank account”. Quem descarregou a app do Revolut sorri ao receber esta notificação no smartphone. O Revolut é um neo-bank que, em dezembro, obteve a licença bancária europeia. “Na mente da generalidade dos clientes, […] concorre diretamente com os bancos”, frisou João Cunha, senior manager do Centro de Competências de Serviços Financeiros da consultora Roland Berger.
“Os neo bancos atuam ao nível da banca do dia-a-dia. Mais de 90% dos pontos de contacto dos clientes com os bancos [são] para pagamentos e gestão de conta. E, aí, as propostas de valor da Revolut, por exemplo, mais ágeis e suportadas num contexto regulatório mais leve, concorrem diretamente com os bancos”, explicou. “Mas, na realidade, o Revolut é um cartão pré-pago; não há nenhuma conta associada”, frisou.
Outros sugerem que, à medida que as gerações antigas são substituídas pelas mais novas, que nasceram digitais e não entram numa agência bancária, a concorrência entre bancos tradicionais e FinTech adensa-se. Pedro Branco, senior manager dos serviços financeiros da Glintt, uma multinacional de tecnologia e consultoria portuguesa, alertou para “o impacto da questão demográfica portuguesa nos serviços financeiros”. À medida que o tempo passa, “os neo bancos vão tornar-se cada vez mais concorrentes, porque a distância entre estes e os bancos tradicionais vai-se esbatendo”, defendeu. “No contexto dos particulares, os bancos tradicionais estão numa corrida contra o tempo”.
Neste contexto, a banca tem todos os incentivos para correr mais depressa. No retrovisor, surgem adversários mais sérios que, se assim o decidirem, poderão ultrapassar os bancos que conhecemos a uma velocidade vertiginosa. Alicerçados em tecnologia de ponta e na informação sobre os milhões de clientes que têm, entre os “grandes desafiadores” da banca encontram-se as “Big Tech, como a Apple, a Amazon ou a Google”, salientou João Cunha. E, no panorama de abertura do sistema financeiro na área de pagamentos, Afonso Eça, também as considerou como “a maior ameaça para os bancos”.
Em todo o caso, os bancos estão a adaptar-se a este novo contexto. “Os bancos estão a tornar-se mais eficientes, por via da digitalização de processos e por via da redução de equipas”, disse Pedro Branco. “Estão a libertar capital que, em alguns casos, tem sido canalizado para as iniciativas digitais”.
Primeiro inova-se, depois regula-se
A inovação tecnológica no sistema financeiro foi muito visível na área dos serviços de pagamentos. Segundo os advogados da Vieira de Almeida, Helena Correia Mendonça e Tiago Correia Moreira, a evolução ocorreu tão rapidamente que forçou o legislador comunitário a legislar outra vez, obrigando os Estados Membros a transporem a nova Diretiva de Serviços de Pagamentos 2 (DPS2).
“A inovação é algo que não se consegue regular por antecipação sem correr o risco de se incorrer numa cristalização de procedimentos e de práticas ineficientes”, explicou Hélder Rosalino.
A DSP2 regula as novas dinâmicas dos serviços de pagamentos que, ao acompanharem a transformação dos hábitos de consumo da sociedade, se tornaram mais rápidos e convenientes. E, mais do que isso, veio diluir indústrias que, até agora, estavam nitidamente separadas. “O banco BBVA, há cerca de seis meses, começou a vender bifes gourmet no seu Marketplace”, ilustrou Rui Negrões Soares, o responsável máximo pela transformação digital da Caixa Geral de Depósitos. “No futuro, poder-se-á abrir uma conta na Zara”, disse.
A abertura da banca a outros agentes económicos pressupõe a construção de uma infraestrutura tecnológica, através da qual irão, em articulação, aceder à informação bancária dos consumidores. Por trás desta realidade, está a conjugação entre a conveniência e a mobilidade dos particulares.
Brevemente, em pouco tempo, será possível, na mesma app abrir uma conta bancária, obter crédito, aderir a um serviço de telecomunicações e comprar um bilhete de avião sem sair do sofá. Isto não é futurologia, é a DSP2.
Quando a relação entre os bancos e as FinTech estiver mais consolidada, “haverá muitos vencedores”, frisou o fundador e CEO da Monese, uma FinTech que quer colocar os serviços bancários no bolso dos clientes.
Provavelmente, o maior vencedor de todos será o consumidor. O avanço tecnológico deu mais poder ao consumidor do que este alguma vez teve. “Até há pouco tempo, quando o cliente precisava de nós, vinha ter connosco”, relembrou Rui Negrões Soares. “Agora, o cliente sentado no sofá tem o banco à sua disposição”.
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