Há um ano, precisamente a 17 de janeiro de 2018, o surfista Hugo Vau terá ‘surfado’ uma onda com uma altura entre os 30 e os 35 metros, na Nazaré, a maior onda alguma vez registada apesar de a World Surf League (WSL, a Liga Mundial de Surf, em português), não ter verificado oficialmente o registo.
O recorde oficial da maior onda ‘surfada’ continua a pertencee ao brasileiro Rodrigo Koxa, que ‘apanhou’ uma onda de 24,38 metros de altura, a 8 de novembro de 2017, quebrando o recorde de Garrett MacNamara (23,77 metros em 2011) – coincidência é o facto destas três ondas, as maiores de sempre terem sido ‘surfadas’ na famosa Praia do Norte, na Nazaré.
Em entrevista ao Jornal Económico, o português Hugo Vau, 41 anos, relembrou o feito de ter ‘surfado’ a famigerada Big Mama, explicou o conceito desse swell, apontou os novos talentos nacionais das ondas gigantes e falou sobre a medição das ondas
Recuemos até ao dia 17 de Janeiro de 2018, na Nazaré, onde uma onda de 30 a 35 metros de altura foi ‘surfada’. O que aconteceu?
É um dia que vai marcar sempre a minha vida. O dia 17 de janeiro de 2018 foi maior dia que eu experienciei na água. A previsão anterior à ondulação já indicava ia ser o melhor dia de todos, pelo tamanho da ondulação, que eram 6.4 metros, mas também pelo período dos segundos. Isto é, o tempo que onda demora desde que está plana até ficar plana novamente. E quanto maior for o período, maior é a massa de água que a onda move. Essa previsão, onda de 6.4 metros, período de 21 segundos, foi algo que nunca tinha acontecido com condições de vento que permitissem surfar. Até tinha enviado, na semana anterior, a contar ao Garret [MacNamara] ‘olha, tenho ideia que a Big Mama vai rebentar’. Até hoje ele diz que não viu e, de facto, ele nunca chegou a responder a essa mensagem.
Porque é que a Big Mama se chama Big Mama?
Quando andávamos [desde 2010, que Hugo Vau se aventurava na Nazaré com Garrett Mcnamara e Andrew Cotton, de outubro a março] a ‘surfar’ a Praia do Norte, dividimos o mar em três picos [zonas]. O primeiro pico, é no lado esquerdo da praia onde o Garrett estabeleceu o seu recorde [de 2011]; o segundo pico é no centro da praia; e o terceiro pico fica mais a norte. Normalmente, ‘surfamos’ o primeiro e o segundo pico e os recordes têm sido batidos no primeiro pico, que fica a 150 ou 200 metros do farol. Quando nós chegávamos ao porto de abrigo, depois de ‘surfarmos’ estas ondas, os pescadores diziam-nos sempre – isto em 2012, 2013 – ‘se pensam que isso são ondas grandes, é porque ainda não viram a verdadeira onda’. Eles diziam-nos isto porque há uma onda que rebenta no cerro, que é uma zona menos profunda, quase a um quilómetro de distância do farol. Isto também tem a ver com a geomorfologia do canhão da Nazaré.
Existe uma relação entre a profundidade e o tamanho da onda, que determina o momento e a forma de rebentamento da onda. A onda vai a uma determinada velocidade e quando encontra um obstáculo a parte inferior desacelera e faz com que a parte superior caia. Essa relação tem de existir sempre. Assim, uma onda que rebenta a um quilómetro da costa tem de ser muito maior para rebentar àquela distância, do que uma que rebenta a 150 ou 200 metros da costa. Até porque, normalmente, a um quilómetro da costa as ondas passam por lá e nem rebentam.
No dia 17, já as previsões indicavam que aquilo ia ser uma coisa fora do normal. As previsões estavam já a apontar que ao fim do dia o mar estivesse no pico do swell (ondulação). Estavam lá algumas equipas, mas muito menos do que o habitual – O Sebastian Steudtner, a Maya Gabeira, o Eric Rebiere, por exemplo, estavam lá. Mas, enquanto todos foram logo pelas 6h30 ou 7h para o mar, nós [Hugo Vau foi auxiliado por Alexandre Botelho, que conduzia moto de água] só entrámos no mar pelo meio-dia. Aquela onda surgiu entre as 15h30 e as 16h, mas até a apanharmos ainda passámos três horas em condições de vento extremos, porque estava um vento a norte muito forte – aquela onda é também o resultado de muita persistência.
Acreditámos e também passámos muito tempo sozinhos na água. A dada altura, o Sebastian até se aproximou de mim e do Alexandre Botelho e perguntou o que é que pensávamos estar a fazer e se achávamos que havia segurança para estar no mar. ‘Isto está uma coisa dantesca’, repetia ele.
Nós estávamos bem e sentíamos que estava tudo bem, por isso, fomos ficando dentro de água, enquanto algumas equipas nem sequer acreditaram que aquilo ia acontecer e outras andavam desencontradas no timing – tiveram outra estratégia.
Quanto a nós, até me parece que as coisas tinham de acontecer assim. Estivemos sempre na nossa bolha. No dia anterior fizemos meditação à noite com o nosso preparador físico e mental, dois ou três dias antes tínhamos estado na Nazaré e vivemos aqueles dias em família. Fizemos as coisas como devem ser feitas quando se está a lidar com este tipo de condições da natureza e de grandiosidade que é o mar.
Naquele dia a nossa equipa tinha uma coisa muito especial. Eu estou na água com o Alexandre Botelho e em terra está o Jorge Leal, que foi a única pessoa que captou as imagens da onda. O engraçado é que o Alexandre é do Algarve, eu sou de Lisboa e o Jorge é do Porto, e assim o país estava representado de norte a sul. Nós até temos um vídeo, que ainda será divulgado espero eu, onde pelo rádio podemos ouvir as três pronúncias.
O que aconteceu então, naquele dia?
Nós estivemos a ‘surfar’ do farol em direção à Praia do Norte, mas a Big Moma é uma onda que rebenta no sentido contrário, para o lado da vila. O Jorge Leal, que estava fora da água num plano superior e, por isso, conseguia orientar-nos melhor, disse pelo rádio que a Big Moma estava a começar a rebentar. Ele começou a ver as ondas muito mais longe e começou a situar-nos.
Quando apanhei aquela onda o vento começa a levantar, mas a própria onda fez de abrigo e, por momentos, a onda ficou completamente lisa e foi isso que me permitiu ter sucesso a ‘surfar’. Foi uma conjunção muito feliz de fatores, que culminou no facto de a onda ter ficado lisa, parecia seda. O que me parece é que a adversidade que já tínhamos experimentado foi a vantagem que nós sentimos quando aquilo aconteceu, porque a água e o vento acalmaram por uns segundos e foi como descer uma parede de seda, a uma velocidade incrível e quando larguei o cabo da mota vou direito à onda e comecei a vê-la a subir – eu tive uma perspectiva de frente – e percebi logo que ia ser uma coisa que nunca tinha visto.
Foi uma onda imensurável. As pessoas do mar da Nazaré dizem-me que aquela foi a maior onda e o maior dia de sempre. Não se conseguiu medir com precisão [acredita-se que terá sido entre os 30 e os 35 metros], mas isso também vai ao encontro do que é o poder da natureza e o que é imensidão da natureza. Este dia ficou na história como algo mítico, quase uma lenda.
Que velocidade atingiu a ‘surfar’ a onda?
Normalmente, chegamos aos 60 ou 65 quilómetros por hora e esta onda foi difícil porque era tão grande e movia-se a uma dificuldade tão grande que só para segui-la na moto já era muito difícil. O facto é que ‘surfei’ a maior onda da minha vida e tive a sensação que estava no maior mar que alguma vez vi e vivi na Praia do Norte.
Como foi todo o reconhecimento que veio depois da Big Moma?
O reconhecimento foi muito positivo para mim, mas também para o país. O retorno económico para a vila da Nazaré foi de 2,3 milhões de euros. Para mim foi bom, porque as imagens daquela onda percorreram o mundo inteiro e, assim, conseguiu mais visibilidade fruto de um trabalho de sete anos, que em 15 ou 20 segundos se conjugou na perfeição. Foi um momento muito especial, que ficará na minha memória e na de todos os portugueses.
Porquê ‘surfar’ ondas gigantes?
Para mim o surf sempre foi paz de espírito, descanso e ligação com a natureza e relaxamento. Comecei a procurar ondas maiores porque comecei a notar que, quanto maior é a onda há menos pessoas e as pessoas que há o espírito é diferente, de maior entreajuda e união que para mim é aquilo que o surf representa. Há nas ondas grandes um espírito que eu me identifico mais.
Eu comecei a surfar no meio da multidão, o chamado crowd, mas quando as ondas são mais pequenas, ao contrário daquilo que deveria ser o espírito do surf, não há tanto espírito de comunhão e há mais competição porque toda a gente quer apanhar uma onda – até comecei a notar a existência de pequenos desacatos entre surfistas por causa dessa competição pelas ondas.
Como é que se prepara para ‘surfar’ ondas gigantes?
O meu treino não passa por ginásios. Na parte física o único treino específico que se faz é apneia, que é o mais importante. E a apneia faz-se em piscina e sempre com acompanhamento. Normalmente, quando se tenta atingir os limites a fazer apneia é muito fácil desmaiar e até numa banheira em casa uma pessoa pode morrer. São treinos que quando não se faz acompanhado, só se podem fazer no sofá.
A parte psicológica é muito importante. Tento passar mais tempo possível na natureza e é essa força da natureza que acaba por me dar força a mim. O cérebro consome cerca de 60% ou 70% do oxigénio, por isso, quanto mais relaxada a mente estiver, maior será a capacidade de suportar a condições extremas ou uma queda dentro do mar.
Qual é o maior desafio do surf, será a medição das ondas?
Há um longo caminho a percorrer. O que se faz hoje em dia está longe de ser sequer fiável. Nós temos de lidar com um ambiente não-controlado. A onda faz parte da natureza e a natureza é uma coisa muito poderosa, principalmente no mar, e será uma falta de humildade pensar que conseguimos medir em números algo que é imensurável. O caminho será medir em momentos, sem prazos de validade, sem prazos de validade, sem comparar com iogurtes, porque uma onda quando é surfada é surfada para a eternidade.
Que surfistas portugueses têm mais futuro nas ondas grandes?
O Alexandre Botelho, de 26 anos para mim é o futuro do surf de ondas grandes, mas também é muito bom em ondas pequenas. É para mim o surfista mais completo em Portugal desde ondas de meio metro até às de 30 metros. Ele é um surfista de ondas grandes nato. E há também um miúdo de Peniche, o Matias Canhoto.
Onde é que já teve maior prazer a ‘surfar’ uma onda, excluindo a Nazaré?
Talvez no México, em Puerto Escondido, onde a água é quente, as pessoas espectaculares, por lá ainda existe aquele estilo de surf antigo. Mas as maiores onda estão na Nazaré, sem dúvida. Pelo menos, por enquanto, até porque podem surgir surpresas relativamente a isso um dia destes.
A Nazaré tem uma coisa engraçada, porque tem várias caras. Isto é, consegue ser idêntica a vários picos de ondas de diferentes zonas do mundo pela forma como as ondas rebentam. Como é um fundo de areia, as ondas na Nazaré nunca rebentam da mesma forma. Há outras zonas do mundo em que as ondas não são tão grandes, mas se combinarmos a forma como a onda rebenta, o tubo que dá, a temperatura da água, temos onda.
Taguspark
Ed. Tecnologia IV
Av. Prof. Dr. Cavaco Silva, 71
2740-257 Porto Salvo
online@medianove.com