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França: Patrões e empresários estão contra a possível aliança das direitas gaulesas

Num dia especialmente agitado nos mercados – com os juros da dívida soberana francesa a dispararem até ao valor mais alto do ano antes de aliviarem – a maioria dos dirigentes dos Republicanos está em desacordo com a proposta de união aos extremistas de Marine Le Pen.
Christian Hartmann/REUTERS
12 Junho 2024, 07h30

O MEDEF – a principal organização patronal francesa, que representa 200 mil empresas de todas as dimensões e reúne dez milhões de trabalhadores – está contra a possível aliança entre a direita conservadora e a extrema-direita com vista às eleições antecipadas marcadas para o final do mês. O MEDEF apoiará, nas eleições legislativas, “projetos favoráveis às reformas económicas e à ambição europeia”, disse a organização em comunicado esta terça-feira, denunciando as propostas de “alguns” que podem enfraquecer economicamente a França ou levar à instabilidade financeira.

“O resultado das eleições legislativas será decisivo para garantir um futuro económico em que as empresas possam continuar a desenvolver-se e a criar empregos”. Neste contexto, a organização patronal pretende “apoiar projetos favoráveis às reformas económicas e às ambições europeias, respeitando a social-democracia” – o que coloca de parte as ‘tentações’ extremistas, tanto de direita como de esquerda, não se esquece de sublinhar.

Recordando que foram criados dois milhões de postos de trabalho desde 2017 e que, segundo um barómetro da consultora internacional EY, a França ocupa o primeiro lugar na Europa em termos de captação de investimento estrangeiro nos últimos cinco anos, o MEDEF sublinha que “estes resultados são frágeis” e que é “essencial continuar as reformas”. “Alguns”, como o Reagrupamento Nacional (de Marine Le Pen) ou a França Insubmissa (de Jean-Luc Mélenchon), “propõem medidas económicas contrárias a esses objetivos, como o regresso à reforma aos 60 ou 62 anos, a indexação automática dos salários à inflação, a nacionalização de autoestradas, bancos e indústrias ditas estratégicas ou a saída da energia nuclear e eólica”.

“Não podemos correr o risco de instabilidade financeira e de desconfiança dos nossos parceiros económicos”, insiste o patronato, que critica os que “se opuseram a este projeto, à liberdade de circulação, à mobilização do capital europeu, ao próprio princípio do comércio livre com os nossos parceiros comerciais”, referindo-se ainda aos dois extremos do espectro político.

Entretanto, os mercados estiveram, esta terça-feira, anormalmente agitados para os lados de França: os juros da dívida soberana do país a disparar mais de 10 pontos base, para 3,3216%. Bruno Le Maire, ministro da Economia e Finanças de todos os governos desde 2017 (e com quatro diferentes primeiros-ministros) alertou esta terça-feira para uma possível “crise da dívida”, caso a extrema-direita implemente o seu programa económico. “Nunca”, desde 2017, exceto durante a pandemia de Covid-19, “vimos a diferença de taxas dos empréstimos entre França e Alemanha saltar tão repentinamente”, como sucedeu depois do anúncio da possível aliança. “Se o RN aplicar seu programa, é possível uma crise da dívida em França”. À hora do fecho desta edição, as ‘yields’ da dívida francesa a dez anos já tinham começado a aliviar: subiam 8,1 pontos base para 3,176%, depois de terem chegado, durante a manhã, aos 3,19%, o valor mais alto do ano.

As ondas de choque criadas pelo anúncio de Os Republicanos – de criar uma coligação pré-eleitoral com o partido de Marine Le Pen – continuam a absorver toda a atualidade política francesa (e uma parte substancial da europeia). Partidos e grupos de esquerda anunciaram a convocação, para a noite de terça-feira, de mais uma manifestação contra a extrema-direita. Manifestação idêntica havia sido convocada para segunda-feira – ainda antes de a coligação ser anunciada – com as consequências do costume: violência entre opositores, carga policial, feridos e destruição de propriedade. Dificilmente a manifestação da noite passada terá sido mais pacífica que a de segunda-feira.

Entretanto, e dependendo do quadrante em que se posicionam, os jornais franceses dizem que a aliança pré-eleitoral pode resultar na criação de um projeto alternativo a Emmanuel Macron e politicamente sustentável, ou que a proposta fará implodir a direita e ‘atirar’ o país de volta ao controlo do atual presidente. A questão está tão indefinida, que Macron se viu compelido a suspender uma conferência de imprensa sobre a convocação de eleições que chegou a estar marcada para a tarde de terça-feira.

Parecendo dar razão aos que optam pelo segundo cenário, os Republicanos são mesmo a formação mais diretamente impactada pelo anúncio de Éric Ciotti, líder do partido.

Várias figuras importantes dos Republicanos, incluindo o presidente do Senado, Gérard Larcher, o líder dos senadores de direita, Bruno Retailleau, e o seu homólogo na Assembleia, Olivier Marleix, bem como Laurent Wauquiez, Valérie Pecresse e François Baroin, publicaram um artigo de opinião no jornal “Le Figaro” para se opor à proposta “unilateral” de Eric Ciotti.

Criticando o ‘macronismo’, “que nunca conseguiu tirar a nossa República da impotência”, e apelando a uma “mudança profunda” de que “a França precisa”, exigem a “independência” do partido de direita, a que pertencem, considerando que “não é cultivando a indecisão e a ambiguidade que vamos resolver estes problemas”. A posição expressa por Éric Ciotti “é um beco sem saída, não compromete a nossa família política e de forma alguma representa a linha dos Republicanos”, insistem.

“Por mais legítimos que sejam os motivos de raiva, dar um cheque em branco ao Reagrupamento Nacional seria um erro profundo que aumentaria a desordem alimentada há meses pela extrema-esquerda e aprofundaria ainda mais as fraturas na nossa nação”. E acrescentam: “isso exporia o nosso país à instabilidade política e financeira, numa altura em que tem de enfrentar múltiplas crises” – no que se aproximam precisamente daquilo que ficou expresso pelo MEDEF. Os opositores a Ciotti afirmam que “a clareza e independência” do seu partido deve manter-se, “longe de combinações de aparelhos e alianças antinaturais” e, ao contrário, insistir “na fidelidade à sua história e às suas convicções”.

Entretanto, os Republicanos vão-se dividindo. O deputado pela União por um Movimento Popular (UMP) e depois pelos Republicanos a partir de 2007, Philippe Gosselin pede a renúncia imediata de Eric Ciotti da presidência do partido. “Estamos a analisar os estatutos para saber se há a possibilidade de declarar um ‘impeachment’”, disse. “Mas, se estamos à procura de argumentos jurídicos para que ele saia, isso significa que Ciotti está a resistir e ele deve renunciar hoje mesmo”. Para Gosselin, citado pelo “Le Monde”, “o Republicanos está claramente morto a partir de hoje”; “a vida política será retomada de outra forma, com as nossas ideias, os nossos valores. Podemos recomeçar com 5%, mas não importa, é mais ou menos o que temos feito nos últimos dois anos”.

Do outro lado, está por exemplo, a deputada dos Republicanos Christelle d’Intorni, que saúda “a decisão corajosa” e se junta ao apelo a uma “união da direita” em aliança com o partido de Le Pen. “A união da direita significa unir forças, preservando as nossas sensibilidades e as nossas diferenças. A união da direita significa ouvir a vontade dos eleitores da direita republicana”, escreve nas redes sociais. A ‘contagem’ parece estar do lado dos que recusam a aliança com a extrema-direita – mas uma coisa é certa: a esmagadora maioria dos dirigentes de topo dos Republicanos veio publicamente repudiar a iniciativa de Éric Ciotti.

Uma das reações de maior impacto terá sido a de Edouard Philippe, ex-primeiro-ministro de Macron, ex-membro do UMP, ex-membro dos Republicanos e ex-‘presidenciável’, que disse estar “a estender a mão” aos membros do LR que recusam uma aliança com a extrema-direita para formar uma “nova maioria”. Lançou de seguida um apelo “àqueles que se encontram numa mensagem de transformação pró-europeia” – talvez imaginando a possibilidade de lançar um novo partido político. “É óbvio que todos aqueles que quiserem juntar-se a mim são bem-vindos”, num quadro que não deve ser “a reprodução da arquitetura da maioria tal como foi concebida em 2022”. E já tem prioridades para um eventual futuro programa: “pôr as contas públicas em ordem” e combater a insegurança.

Importante foi também a declaração de Erike Zemmour – ex-candidato presidencial de origem tunisina, que é contra a imigração e que se diz à direita do RN. “Era inevitável que os líderes dos Republicanos castigassem e rompessem com Eric Ciotti”, declarou. O ex-líder do Reconquista, também de extrema-direita, saudou assim o facto de Ciotti ter “rompido” “o cordão sanitário e a autoproibição da direita de se aliar à extrema-direita”. Apesar do aparente fracasso da união das direitas, Eric Zemmour lançou um novo apelo a “uma grande reunião” para vencer as eleições legislativas, defendendo a “união dos direitos”. “Apelo aos Republicanos, a Marine Le Pen e a Jordan Bardella [atual líder do RN]: precisamos de uma grande coligação para podermos vencer as eleições legislativas”, declarou, deixando de lado “o seu orgulho, o seu ego”. Isto apesar de Marion Maréchal, cabeça da lista do Reconquista nas eleições europeias, ter assegurado que o partido de Le Pen não quer aproximar-se de Zemmour.

Do outro lado da barricada, o tempo é igualmente de alianças. As negociações lançadas pelos partidos de esquerda, na passada segunda-feira, levaram a um primeiro acordo, segundo relatam os jornais franceses. O Partido Socialista, o Partido Comunista Francês, os Ecologistas e o França Insubmissa lançaram um comunicado conjunto, no qual que diziam que, “em cada círculo eleitoral”, iriam apoiar candidatos únicos já a partir da primeira volta” das eleições antecipadas – anunciando ainda aquilo que apelidaram ser “um programa de rutura”.

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