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Francisco Simões – a história de um professor comunista na Madeira II

Mesmo sob o regime salazarista, na Madeira, a repressão dos comunistas pela Pide não teve, por essa altura, grande expressão.
14 Agosto 2023, 07h15

Mesmo sob o regime salazarista, na Madeira, a repressão dos comunistas pela Pide não teve, por essa altura, grande expressão. Segundo Francisco Simões (FS) até tiveram a vida “facilitada”: “eles davam-se com Deus e com o diabo, numa coexistência pacífica. O chefe estava mais preocupado em ganhar a vida e outros distraiam-se com outros interesses pelo meio”. Os oposicionistas não eram perigosos, eram poucos e não assustavam o regime, até porque a Madeira estava mais controlada pela igreja.

Ainda assim, FS, já a dirigir a escola da Ribeira Brava (ERB), foi importunado e interrogado – por ordem de Lisboa – sobre – imagine-se! – um livro – nada mais que o livro “Fernão Capelo Gaivota”, a fábula sobre uma gaivota que aprendia sobre a vida e sobre o voo. Na ERB, por aqueles tempos, pode afirmar-se que, pelas mãos do FS, se formou um “clã” de “gaivotas” (os alunos e professores da escola) sob os princípios da liberdade e da aprendizagem. Foi mesmo indiciado pelo seu acto “subversivo” (ou seja, o projecto que implementou na escola) a ir prestar declarações à Rua da Carreira (onde estava a sede da Pide), mas tendo-se esquecido, voltaram mais quatro vezes à escola, acabando eles mesmos por esquecer também de retornar. Curiosamente, tempos depois, o filho do chefe da Pide, que tinha sido seu aluno, foi professor de ginástica na ERB (ainda havia falta de professores…), “o que decorreu muito bem, tendo com ele uma relação cordial até hoje”.

Mas como é que FS chegou à Ribeira Brava, para mais como director de uma escola, e para mais sendo um homem de esquerda? É uma situação insólita para a época, assume. A verdade, é que Portugal tinha sido “banido” ou encetado problemas, naquele tempo, com vários organismos internacionais (Nações Unidas, o próprio Vaticano, etc…) mas ainda estava na OCDE quando esta detecta que o país tinha o maior índice de analfabetismo infantil e juvenil da Europa (além de uma mortalidade infantil de 113/1000!), “entalando” o governo português a tomar medidas, como a obrigatoriedade de criar mais escolas e de aumentar a população escolar. Na altura, Veiga Simão era conhecido por ser “demagogo” , e aproveitando-se dessa demagogia criou-se a escola da Ribeira Brava, no Diário do Governo, dando-lhe o nome de “Escola Preparatória da Ribeira Brava – padre Manuel Alvares”, a última escola a ser criada e que não tinha, ainda, director, aquando da sua inauguração.  Os directores das escolas teriam de ser, por indicação do director geral, de confiança política do regime; ter licenciatura; e ter sido sujeito a exames pedagógicos e exames de Estado. Porém, com este grau de exigência não havia muitos, à excepção de muitos serem de confiança política, e do regime ….

Os contactos feitos foram sucessivamente resultando em negas por parte de eventuais professores elegíveis para o cargo – recusaram porque a Ribeira Brava ficava muito longe – uma hora e muito de ida, acrescida de mais uma hora e tal no regresso, o que significava muito tempo em viagem, muito gasto em gasolina além da dificuldade das estradas daquele tempo. E o vencimento como director não era sequer muito expressivo face a estes gastos; mesmo ganhando mais que os demais, ficava grande parte do seu tempo na escola, muitas vezes saindo depois das 22 horas, fora as demais responsabilidades que lhe cabiam.

Veio então um inspector à Madeira (à época denominava-se Metodólogo do Ministério da Educação) para escolher um director – curiosamente, um antigo professor de FS, o Dr. Jaime Sousa, que lhe pediu ajuda para encontrar a pessoa ideal para o cargo. Teria de ser sobretudo, dizia ele, “alguém que não maltratasse as crianças a chicote” – era a sua preocupação prioritária.

FS sugeriu então Virgílio Pereira, na altura ainda estudante, mas também professor de matemática (“bom professor”) que dava também explicações para amealhar dinheiro para poder ir ao continente fazer os exames da segunda chamada da sua licenciatura, e caso aceitasse o convite perderia essa fonte extra de rendimento.  Mas contrapõe o professor Virgílio: “Mas porque é que não és tu, Francisco?”. E assim se fez o processo através do inspector que o recomendou para ser recebido pelo director geral em Lisboa (“senhor de oratória fascista”) que não conhecia o “cadastro” político de FS. Nesse encontro, FS limitou-se a ouvir Sua Excelência (“como ele gostava de ser tratado”) dizendo-lhe apenas que ”a sua cor política era a de Professor”, que gostava de o ser e tinha respeito e afecto para com os alunos e para com a comunidade da escola.

Foi, assim, nomeado para uma escola que ainda só existia no Diário do Governo. Mas mesmo sem edifício, empenhou-se em que mesmo sem a escola (física) as crianças não ficassem sem aprender, e nascesse desde logo uma escola na Ribeira Brava – “uma escola sem muros”!

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