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Fundações são “as principais interessadas” na transparência, diz presidente do CPF

Uma auditoria da inspeção-geral de Finanças concluiu que 24 fundações receberam 58 milhões de euros sem que tivessem cumprido as obrigações de transparência. A presidente do Centro Português das Fundações, Maria do Céu Ramos, assegura que estas “são as primeiras e as principais” interessadas na transparência. do sector
25 Junho 2023, 14h00

Artigo originalmente publicado no caderno NOVO Economia de 17 de junho, com a edição impressa do Semanário NOVO.

A Inspeção-geral de Finanças voltou a alertar para a transferência de dezenas de milhões de euros dos cofres públicos para fundações que não cumprem as obrigações de transparência previstas na lei, mas a presidente do Centro Português de Fundações (CPF), Maria do Céu Ramos, insiste que estas são “as primeiras e as principais” interessadas em que o sector tenha boas práticas e preste contas devidamente. Ainda assim, numa nota enviada ao NOVO Economia, a responsável destaca que estão a ser desenvolvidas ações de formação e capacitação com vista, nomeadamente, à melhoria dos instrumentos de compliance, além de estudos, que permitirão perceber, afinal, que relevância e impacto têm as entidades em questão na sociedade portuguesa.

“A presidente do Centro Português das Fundações reafirma que as fundações são as primeiras e as principais interessadas na transparência do sector fundacional”, sublinha Maria do Céu Ramos, que reage, assim, à notícia publicada no início de Junho pelo Jornal Económico, que dá conta que mais de duas dezenas de fundações, que não cumprem todas as obrigações de transparência previstas na lei, receberam 58 milhões de euros de entidades públicas, entre 2020 e 2021. “Vinte e quatro fundações, numa amostra de 35, beneficiárias de 57,8 milhões de euros de transferências de entidades públicas, não cumpriam integralmente, à data das verificações, os deveres de transparência previstos no n.º 1 do artigo 9.º da Lei-Quadro das Fundações (LQF), sem que os concedentes tenham assegurado, antes do pagamento e como era sua obrigação, se as fundações tinham cumprido a referida lei”, realça a auditoria.

Importa explicar que esta análise levada a cabo pela Inspeção-geral das Finanças (IGF) examinou, no total, transferências de 427 milhões de euros para mais de 200 fundações, nos referidos dois anos. Esta não é, contudo, a primeira vez que uma auditoria da IGF chega à conclusão de que dezenas de milhões de euros foram transferidos dos cofres públicos para fundações que não estão alinhadas com os requisitos de transparência. No início de 2022, por exemplo, uma auditoria relativa a 2019 observava que 20 fundações que não cumpriam essas obrigações tinham recebido 55 milhões de euros.

A recomendação dada pela IGF nessa altura repete-se este ano: o Governo deveria determinar a recuperação para os cofres do Estado ou a “regularização das transferências que foram realizadas em incumprimento da lei”. Além disso, o relatório agora conhecido defende a simplificação “do reporte das atividades e da gestão das fundações, previsto na LQF, através de relatório único, com indicação do impacto social, ambiental e económico da sua atividade”. E propõe ainda a adopção de medidas que garantam o cabal cumprimento das obrigações legais de transparência, previstas na LQF, por parte das fundações.

Da parte do Centro Português de Fundações, na nota partilhada com o NOVO Economia, realça-se que estão em desenvolvimento “ações de formação e capacitação junto das fundações associadas, com vista à melhoria dos instrumentos de compliance, previstos na Lei-Quadro das Fundações e Lei-Quadro do Estatuto de Utilidade Pública, bem como a implementação de boas práticas de gestão, transparência e prestação de contas”. A estas ações, somam-se estudos feitos em parceria com entidades académicas, de modo a aprofundar o conhecimento sobre o sector fundacional “e demonstrar a sua relevância e impacto transformador na sociedade portuguesa”.

Até ao momento, já foram desenvolvidos, pelo menos, quatro estudos com esses objetivos em vista: boas práticas de governo no sector fundacional, avaliação institucional das fundações portuguesas, o impacto social das fundações portuguesas e tendências e desafios para as fundações portuguesas. Aliás, no relatório da IGF é destacado um desses estudos, “considerando-os como um elemento positivo para a evolução do conhecimento e boas práticas do sector fundacional”, nota o Centro Português de Fundações. Em causa está o estudo sobre o impacto social das fundações, que foi realizado pela Universidade Católica e abrangeu projetos de 12 fundações.

Que impacto social têm as fundações em Portugal?
Na análise que fez ao sector fundacional, o IGF assinala que o referido estudo sobre o impacto social das fundações chegou à conclusão de que só dois dos 12 projetos considerados tiveram “influência comprovada” nas políticas públicas. Em causa está o projeto Investimento Social/Maze da Fundação Calouste Gulbenkian, que quer contribuir para resolver o problema da falta de financiamento que permita escalar o impacto de organização com missão social no terreno e da falta de incentivos e enquadramento jurídico para investidores privados financiarem organizações com missão social. E o projeto No Poupar Está o Ganho, da Fundação Dr. António Cupertino de Miranda, que endereça o problema do défice de literacia financeira de crianças e jovens, desde o ensino pré-escolar até ao ensino secundário e profissional.

Por outro lado, projetos como a Pordata, da Fundação Francisco Manuel dos Santos, foram considerados inovadores, no âmbito deste estudo feito pela Universidade Católica, e até foi reconhecida a sua potencial influência nas políticas públicas, mas indica-se que esse peso sobre as decisões que afetam a sociedade portuguesa ainda não foi efetivamente comprovado.

Além disso, a análise feita por iniciativa do Centro Português de Fundações conclui também que há falta de informação sobre a atividade das fundações portuguesas e sobre o seu impacto na economia nacional. “As fundações são um tipo de entidade largamente desconhecido em Portugal”, pelo que “não é fácil reportar com segurança o número de fundações privadas existentes” e “é fundamental saber quais são as fundações privadas em Portugal e como se caracterizam”, defendia esse estudo. Aliás, entre os 12 projetos selecionados, é indicado que somente quatro mediam o seu impacto na sociedade.

Já na nota partilhada recentemente pelo Centro Português de Fundações, a propósito da nova auditoria, assinala-se “o papel fulcral das fundações nas mais diferentes esferas da sociedade, desde a promoção do conhecimento, à cultura e arte, à saúde, à cidadania, à educação e ao apoio social e humanitário, entre outras áreas”.

“As fundações possibilitam a milhões de cidadãos terem contacto com novas realidades e experiências, adquirir conhecimento, aceder a cuidados, beneficiar de apoio social, sempre numa óptica de compromisso das fundações com as suas comunidades”, salienta a instituição representativa liderada por Maria do Céu Ramos.

De acordo com o destaque divulgado em 2019 pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), em 2016, existiam em Portugal 619 fundações da economia social, com 14.113 trabalhadores (emprego remunerado) e cerca de 304 milhões de euros em remunerações. A essas fundações, estavam associados 332 milhões de euros em valor acrescentado bruto, abaixo do registado ao nível, por exemplo, das associações mutualistas, apesar de estas contarem com menos pessoas empregadas. Estes dados, que são publicados no âmbito da Conta Satélite da Economia Social, não foram atualizados desde então, apesar de já terem passado quase quatro anos desde a sua apresentação.

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