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Garantia pública sobe preço das casas? Setor divide-se, mas quer custos controlados

Agência de notação financeira DBRS fala em “pressão adicional” e diz que medidas do Governo nesta matéria são “relativamente limitadas e exigem algum tempo para produzir efeito”. Hugo Santos Ferreira, presidente da APPII afirma ser uma “meia verdade” e reforça que o problema da habitação só vai ser resolvido com redução dos licenciamentos e carga fiscal, enquanto Paulo Caiado, líder da APEMIP defende a construção de casas a custos controlados.
Avaliação das casas
26 Março 2025, 07h00

A garantia pública que permite ao jovens até 35 anos serem financiados a 100% para a compra da primeira casa foi uma das principais medidas do programa ‘Construir Portugal’, apresentado pelo Governo em maio de 2024. Quase um ano depois, esta medida gerou um aumento da procura por habitação, mas também uma subida nos preços, segundo uma nota divulgada pela agência de notação financeira DBRS. Os especialistas, ouvidos pelo Jornal Económico (JE), dividem-se sobre esta conclusão e apontam propostas para que o problema da crise habitacional no país seja resolvido.

“Isso é meia parte da verdade. É verdade que vai gerar mais procura, aliás, essa é a intenção, permitir que haja mais pessoas a comprar casa e gerando mais procura, naturalmente vai viabilizar mais projetos e com isso há mais oferta. Tenho muitas dúvidas que a consequência seja de facto a subida dos preços”, afirma Hugo Santos Ferreira, presidente da Associação Portuguesa de Promotores e Investidores Imobiliários (APPII).

O presidente dos promotores considera, por isso, que a garantia pública foi uma medida que veio gerar mais procura no mercado, principalmente dos muitos jovens, que até então não tinham capacidade para comprar casa e que passaram a ter essa possibilidade. Apesar de classificar como “positivas” as medidas apresentadas pelo Governo agora em gestão, Hugo Santos Ferreira salienta que as mesmas “foram insuficientes” e que se ficou a meio caminho daquilo que era o programa ‘Construir Portugal’.

“As medidas cruciais, que, essas sim iam fazer com que houvesse mais oferta e uma descida dos preços ficaram por fazer”, refere, dando como exemplo o Simplex, através da redução dos tempos de licenciamento e a redução da “bruta carga fiscal”, nomeadamente o fim do IVA a uma taxa máxima não dedutível.

Aquando da apresentação da garantia pública, o setor imobiliário defendeu que esta medida deveria ser alargada a todos para que o acesso à habitação fosse maior. Quase um ano volvido, Hugo Santos Ferreira mantém a posição e reitera que deveria ser colocado um fim daquele que já foi, apelidado, pelo então primeiro-ministro António Guterres, como “o imposto mais estúpido do mundo” – o Imposto Municipal sobre Transações Onerosas (IMT).

“Isso era uma medida que, de facto, vinha trazer mais procura ao mercado e vinha permitir que toda a gente pudesse ter acesso ao mercado da habitação”, sublinha, dando exemplo do que acontece em Espanha, onde na primeira transação não existe IMT. “Tinha sido uma boa medida acabar com o IMT e com o imposto de selo para toda a gente na primeira transação”, enfatiza.

APEMIP quer casas a custos controlados e alerta para aumento da exclusão social

Quem partilha uma opinião diferente do presidente da APPII sobre a nota da DBRS é Paulo Caiado, presidente da Associação dos Profissionais e Empresas de Mediação Imobiliária de Portugal (APEMIP), que ao JE refere que “quaisquer medidas que incentivem a procura de casa geram uma pressão nos preços, isto é, por demais previsível”, mas salienta que não é apenas por esse cenário que os aumentos de preços da habitação se verificam.

O presidente dos mediadores defende que a transação de uma casa depende principalmente de fatores sociológicos que não desaparecem e que são cada vez mais frequentes, dando como exemplo os divórcios, casamentos, deslocalização e se a vida corre bem ou corre mal.

“Como as casas têm valorizado muito nos últimos anos, qualquer pessoa que pense em vender uma casa para enfrentar uma nova aquisição tem uma dotação financeira que nunca teve até aqui. Se uma pessoa tiver uma casa, seja onde for, e se a vender amanhã, vai ter um dinheiro que, se calhar, nunca pensou ter e uma condição financeira para enfrentar uma nova aquisição por um valor muito superior àquilo que alguma vez imaginou, nomeadamente quando têm depois os bancos a complementar, com os juros a descer”, explica Paulo Caiado.

O problema, para o presidente da APEMIP, está naqueles que não têm casa e, por isso, não têm as suas poupanças a valorizar-se, como é o caso dos jovens que vão enfrentar a sua primeira aquisição, onde a barreira é cada vez maior. Como tal, Paulo Caiado alerta para o facto de a exclusão social estar a aumentar e que o cenário poderá agravar-se, seja qual for o governo que venha a tomar posse no futuro.

“Seja o governo de esquerda, de direita ou centro, pode ficar encurralado, porque se Portugal começar a ficar cheio de barracas, com certeza que os nossos governantes, sejam quais forem as suas ideias, vão ficar encurralados e vão ter que tomar decisões que podem não ser boas para a economia”, avisa.

O presidente da APEMIP pede a intervenção do Estado no apoio ao desenvolvimento no segmento de habitação, disponibilizando o terreno, a isenção fiscal e um prazo rápido de licenciamento, exigindo em troca a um privado que esteja interessado em edificar a um preço controlado.

“Estas três componentes — terreno, impostos e tempo — facilmente representam metade do preço de uma casa nova. O que estamos a dizer é que um promotor que quer construir, seja na Amadora ou em Gondomar, daqui por uns tempos, se não tiver encargos, se não pagar impostos nesta construção, se não tiver o custo do terreno e se tiver o projeto licenciado rapidamente, a mesma casa pode custar metade do preço e a margem do construtor é a mesma. Se o meu contributo representa 40% ou 50%, então essa casa vai ter de ir para o mercado 40% ou 50% abaixo do preço”, afirma.

Contudo, Paulo Caiado defende que será preciso identificar quem é elegível para comprar estas casas e quem, depois, pensar em vender só o poderá fazer pelo preço que comprou, acrescido da inflação. “De outro modo, terá de devolver ao Estado aquilo que foi a sua contrapartida, não há outro caminho, porque a construção vai ser cada vez mais cara”, sublinha, realçando a necessidade de criar um segmento de habitação, porque há pessoas que estão em situação de exclusão habitacional.

“O Estado tem que assumir o seu papel e essas casas têm de estar desoneradas de impostos, porque essa é a participação financeira do Estado”, refere o presidente da APEMIP.

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