John Davison Rockefeller, o histórico empresário norte-americano do setor petrolífero, acreditava que “uma boa gestão consiste em mostrar às pessoas comuns como fazer o trabalho de pessoas superiores”. Tanto no final do século XIX como agora, no início de 2020, a frase continua a fazer sentido, porque os executivos de topo são cada vez mais “postos à prova” – pela concorrência, pela tecnologia e pela tarefa hercúlea que continua a ser gerir profissionais que são, ao mesmo tempo, seres humanos.
“Tem de haver uma gestão transversal nas organizações, mas costumo dizer – até para a minha equipa – que os gestores das equipas são os responsáveis por elas, pelo seu desenvolvimento. Uma forma de garantir maior abertura por parte dos gestores de topo é desafiá-los em termos de rotatividade das funções”, disse nesta quarta-feira o CEO do Montepio Crédito, ao Jornal Económico (JE), à margem da sexta de seis conversas mensais do ciclo “30’ a 3”, organizado pelo Montepio Crédito e pelo JE.
Pedro Gouveia Alves considera que esta estratégia de rotatividade permite uma melhor identificação e colaboração com a estratégia da empresa e adaptação às necessidades decorrentes do contexto socioeconómico e político. No fundo, a ideia não é criar “supergestores”, mas flexibilizar a estrutura dos mesmos. Como? Com (muita) formação e, simultaneamente, abertura para tal, porque é preciso que os potenciais formandos tenham a recetividade para participar em cursos formativos que, à primeira vista, não se inserem na sua área de trabalho e/ou de carreira. “É muito importante, porque os gestores têm de ser capazes de ser multifuncionais. Aquele gestor especialista na área A, B ou C? Já não é bem assim”, atesta o CEO do Montepio Crédito.
O tema do encontro que decorreu no restaurante Olivier Avenida – “Os Desafios da Gestão para a década e a Qualificação dos Gestores” – não poderia ser mais ‘quente’, tendo em conta que os empresários ainda ressentem as declarações do ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros. Augusto Santos Silva criticou recentemente a “qualidade fraquíssima” dos gestores portugueses, questionando-se sobre a sua capacidade “por si só, de perceberem a vantagem em trazer inovação para o seu seio e a vantagem em contratar pós-graduados e doutorados”. O governante admitiu que pretende que “os doutorados tragam mais qualidade para a gestão”, mas acabou, mais tarde, por pedir desculpa ao tecido empresarial português, “A minha intenção nunca foi denegrir as empresas portuguesas”, garantiu, em declarações à rádio TSF.
Para contrariar esta inércia, o CEO do Grupo Pestana, José Theotónio, diz que tem apostado na formação contínua dos seus profissionais e na contratação de perfis cada vez mais tecnológicos. O presidente executivo do grupo hoteleiro português disse que há meses em que recruta mais engenheiros informáticos e cientistas de dados do que operacionais de hotelaria, porque, em todos os patamares e funções, “o domínio da tecnologia é essencial”.
“Todas as empresas e todos os quadros já se consciencializaram de que a aprendizagem tem de ser contínua. O ritmo a que mudam os modelos de negócio e as exigências de qualificações para quem trabalha nas organizações implica que, ao longo de uma vida de trabalho, as pessoas vão adquirindo novos conhecimentos”, esclareceu José Theotónio na sua intervenção.
Não obstante, continua a ser meticuloso conquistar profissionais do setor tecnológico para os hotéis. Segundo o CEO do Grupo Pestana, esses engenheiros são ‘capturados’ para o segmento turístico no momento em que compreendem o modelo de negócio por trás dessa máquina de vender férias e estadias. “Por exemplo, uma das tarefas mais importantes num grupo hoteleiro são os dados, porque detém muita informação sobre os seus clientes nos sistemas: sabe se já o visitou antes nas várias unidades, o tipo de consumo que tem ou se faz viagens de lazer ou de negócios. Se a conseguir reunir e se fizer o tratamento correto consegue ter uma comunicação muito mais direta com esses consumidores e aumentar as vendas e a satisfação dos clientes”, exemplificou José Theotónio, em entrevista ao JE.
O gestor confessa que consegue oferecer uma proposta apelativa aos diferentes perfis tecnológicos, porque o setor do turismo, só por si, caracteriza-se por ser glamoroso. “Toda a gente gosta de fazer turismo, nem que seja na ótica do utilizador. Além disso, quando olhamos para séries longas, o turismo cresce há mais de 20 anos. O único ano em que houve uma regressão global foi em 2009, a seguir à queda do Lehman Brothers”, recorda.
À parte esta atualização nos processos de contratação, o Grupo Pestana implementou soluções de Analítica e Big Data da BI4ALL, para tentar retirar o máximo partido dos dados gerados nas 100 unidades hoteleiras que tem na Europa, África e América. “Hoje fala-se muito daquilo que é a transformação digital e do que ela implica. É algo que as empresas precisam de compreender para verificar o que podem aproveitar para melhorar os seus rácios de produtividade e ganhar novos mercados. Na questão do turismo e dos seus profissionais, com o crescimento que a atividade tem tido, há uma escassez de quadros qualificados”, explicou José Theotónio.
Montepio vai duplicar investimento na formação para cerca de 200 mil euros em 2020
Nos últimos três anos, o Montepio Crédito quase duplicou anualmente o seu orçamento para formação. Em 2019, para um quadro de 125 pessoas, a empresa teve uma dotação financeira de cerca de 120 mil euros para formar os colaboradores e este ano o montante situou-se na ordem dos 200 mil euros. “Sabemos que estamos num plano de transformação organizacional significativo, de adoção de novas tecnologias e processos”, justificou Pedro Gouveia Alves.
O gestor revelou ainda ao JE que o Montepio Crédito passou a ser a instituição financeira em Portugal com certificação do seu sistema de qualidade na norma ISO9001 com certificação de qualidade APCER, que, na prática, significa o compromisso de melhoria contínua dos processos internos e dos planos de formação dos quadros intermédios e dos superiores.
“Ninguém tem de aprender a programar, mas sim perceber o que está em causa, o que é Inteligência Artificial. Por exemplo, no processo de concessão de crédito, se tivermos a possibilidade de pôr a máquina a aprender se os documentos que são solicitados aos clientes (recibo de ordenado, da água e da eletricidade…) são válidos vamos conseguir encurtar o tempo e o processo de decisão”, disse.
O CEO do Montepio Crédito lembrou que o mercado financeiro tem vindo a enfrentar desafios do ponto de vista de contexto socioeconómico e do ponto de vista regulamentar, o que acabou por alterar a própria composição da “mão-de-obra” do setor. “Acabámos de sair de uma crise financeira profunda, que durou muito tempo e que teve impactos significativos no desenvolvimento do negócio, na gestão”, recordou.
Apesar de defender que os desafios de retenção, desenvolvimento e atração de talento nas instituições financeiras não são diferentes dos que são enfrentados noutros setores de atividade, Pedro Gouveia Alves denotou maiores necessidades a nível de recursos na gestão de risco, compliance e auditoria, porque requerem uma grande dotação técnica. “Costuma-se dizer que gestão é bom-senso. Além disso, para retermos quadros talentosos, temos de lhes dar esperança e ajudá-los a desenvolver o futuro (…). Aquilo que procuramos hoje são profissionais competentes e mais especializados em áreas muito específicas”, frisou o gestor, referindo-se às exigências do cumprimento normativo na banca.
Para Pedro Gouveia Alves, há necessidades constantes a este nível nas empresas financeiras, entre as quais a atualização de conhecimentos sobre a regulamentação e exigências normativas e o comportamento dos funcionários relativamente à utilização das novas tecnologias. “Hoje os gestores são muito postos à prova. Como existe uma alteração constante do contexto, é importante que se questionem a si próprios”, sugere.
Já o CEO do Grupo Pestana assegurou que tem procurado trabalhar de forma próxima com as escolas profissionais, para que, assim que os estudantes terminem o curso, possam integrar os hotéis da cadeia. A seu ver, esta é uma forma de valorizar as profissões do turismo para que as empresas do setor possam atrair mais talentos.
Neste último “30’ a 3”, José Theotónio denunciou ainda que, em muitas organizações, os sistemas não estão a ser utilizados a 100%, até porque isso implica o recrutamento de equipas “que não são baratas”. Contudo, é necessário que se invista nestes recursos (tecnológicos e humanos) para escalar. “A internacionalização é uma inevitabilidade. Temos de diversificar o risco e ter escala para ter bons profissionais e sermos competitivos”, realçou o CEO do grupo hoteleiro. “A hotelaria sempre teve uma particularidade: é muito internacional. Sempre houve gestores hoteleiros internacionais a trabalhar cá e portugueses que, estudando fora ou no país, desenvolveram carreiras internacionais”, referiu, adiantando que, mesmo antes de ter inaugurado hotéis fora de Portugal, 70% dos seus clientes eram estrangeiros. Logo, o império Pestana “já estava internacionalizado e ainda nem tinha saído de Portugal”.
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