O novo governo francês chefiado por Sébastien Lecornu parece estar a ponderar avançar com uma proposta de criação de um imposto para os super-ricos – uma daquelas opções que está constantemente em debate entre os gauleses, tal como acontece como a idade da reforma. Mais que a intenção, a possibilidade da criação do novo imposto – que está longe de estar decidida, até porque parte do governo é contra – revela que o novo primeiro-ministro pode ter decidido ‘pescar’ apoios externos à sua família política entre os socialistas. A acontecer, é uma mudança substancial: os seus antecessores haviam tentado encontrar esse suporte político entre os extremistas do Rassemblement National (RN) de Marine Le Pen e Jordan Bardella. Para os analistas, esta possível mudança de entendimentos permitiria a Lecornu testar ainda a possibilidade de outros grupos parlamentares à esquerda das forças de Emmanuel Macron, como os Verdes, serem tentados a não inviabilizar o Orçamento do Estado para 2026, que o primeiro-ministro está a preparar. Uma taxa sobre grandes fortunas é uma exigência antiga entre as forças da esquerda gaulesa.
Na prática, o novo imposto pretende arrecadar 2% ao ano sobre fortunas acima de 100 milhões de euros, o que, nas contas do novo governo, atingiria apenas 0,01% dos contribuintes. A chamada ‘taxa Zucman’ poderia gerar 20 mil milhões de euros por ano – o que é pouco menos de metade dos 44 mil milhões de euros que o anterior governo, liderado por François Bayrou, queria poupar nas contas para 2026. E, em princípio, permitiria reduzir o défice (5,8% do PIB em 2024) e a dívida pública (114% para o mesmo período). A outra vantagem da taxa Zucman (pensada pelo economista francês Gabriel Zucman) é que permitiria aliviar os cortes previstos nas áreas sociais e acabar com a eliminação de dois feriados. Zucman, professor na Escola de Economia de Paris e em Berkeley, Califórnia, divulgou no ano passado um estudo sobre o impacto de um imposto mínimo sobre os super-ricos do mundo.
“Estamos diante de um bloqueio orçamental, político, pela recusa em abordar seriamente o problema da não tributação dos super-ricos”, disse Zucman à rádio France Inter. As exigências pela “justiça fiscal” marcaram os protestos de 10 de setembro e também a greve convocada pelos sindicatos para a passada quinta-feira.
Segundo uma sondagem da IFOP, contratada pelos socialistas, 86% dos franceses são favoráveis à ‘taxa Zucman’ e 79% apoiam a redução dos subsídios às grandes empresas.
A poderosa federação patronal MEDEF ameaçou organizar uma “grande mobilização” de empresários contra a ‘taxa Zucman’, que considera a proposta como “uma forma de expropriação”. Isto apesar de, desde 2017, quando chegou à presidência, Macron ter reduzido os impostos sobre empresas e as grandes fortunas em nome da competitividade e da atratividade da economia. Segundo dados divulgados pela imprensa francesa, os subsídios públicos a grandes empresas somaram pelo menos 211 mil milhões de euros em 2023.
Bernard Arnault, o CEO do grupo de luxo LVMH e talvez o francês mais rico do mundo, disse que a proposta de imposto é “uma ofensiva mortal para a nossa economia”. O multimilionário fez os comentários ao jornal britânico ‘Sunday Times’ e não a qualquer publicação francesa. A fortuna de Bernard Arnault está avaliada em 157,1 mil milhões de euros pela Forbes. Arnault nada disse sobre deixar o seu país natal se o novo imposto avançar, mas chamou Zucman de “ativista de extrema-esquerda”. E acrescentou: “este claramente não é um debate técnico ou económico, mas sim um desejo claramente declarado de destruir a economia francesa”. Zucman reagiu a estas palavras nas redes sociais: “bilionários pagam pouco ou nenhum imposto sobre os rendimentos, e 86% dos franceses estão certos em querer acabar com esse privilégio”, escreveu.
Outro economista francês, Thomas Piketty – ‘estrela’ mundial depois de ter escrito ‘O capital no século XXI’ – classificou as palavras de Arnault como “absurdas”. “As mais de 500 pessoas mais ricas aumentaram a sua riqueza em 500% de 2010 a 2025. Com um imposto anual de 2%, levaria um século para retomar os níveis de 2010, supondo que não recebam rendimentos nesse entretanto”, escreveu nas redes sociais.
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