Uma concorrência sã e leal, que só pode acontecer se o cumprimento das regras for feito por todas as empresas. Esta é uma das principais medidas que Rogério Alves, presidente da Associação de Empresas de Segurança (AES) deseja ver implementada durante o ano de 2023.
Em entrevista ao Jornal Económico (JE), o líder da associação deixa também críticas ao Estado português, a quem acusa de falta de vontade política e inércia para fazer cumprir uma lei que considera ser necessária para que se viva um ambiente saudável entre todo o sector.
Enquanto responsável pela Associação de Empresas de Segurança, como olha para a conjuntura económica que se antevê para 2023?
O que posso dizer-lhe, basicamente, é o seguinte: é evidente que a inflação é uma preocupação, mas temos uma primeira excelente notícia: conseguimos fechar um contrato coletivo de trabalho, há duas semanas, sensivelmente.
Conseguimos chegar a acordo com os sindicatos para uma nova vigência do contrato coletivo de trabalho com novas condições. E isso, para nós, foi uma excelente notícia de final do ano.
Em segundo lugar, dizer-lhe que a nossa luta em 2023 vai ser a mesma luta de 2022. Os problemas são semelhantes, embora se agravem, e as soluções estão previstas na lei, mas não se aplicam na prática.
O que é que eu quero dizer com isto? Dia 23 de janeiro, terá lugar uma nova sessão do Conselho de Segurança Privada que, como sabe, é um órgão de consulta da Administração Interna e previsto na Lei da Segurança Privada. Vamos voltar a insistir nalgumas linhas fundamentais do que tem sido a nossa atuação. E quais são elas, para enfrentarmos este novo ano? A primeira, combate ao trabalho não declarado, isto é, evitar que continuem a proliferar empresas que não cumprem a lei e o contrato coletivo de trabalho. Para quê? Para conseguirmos uma concorrência sã e leal. Só há concorrência sã e leal se todas as empresas agirem em respeito pelas mesmas regras.
Como é que se consegue isso?
Do nosso ponto de vista, em primeiro lugar, dando vida a uma norma que já está na lei da segurança privada desde 2019, que era uma prática comercial proibida, a venda com prejuízo.
Portanto, nós estamos a bater-nos para que, nomeadamente nos concursos públicos para a compra de serviços de segurança privada, esteja previsto claramente, o controlo da existência de venda com prejuízo, para cumprir a lei. É só para cumprir a lei.
Depois, à parte desta medida, defendemos outra coisa que está na lei: o implemento do exercício da responsabilidade solidária por parte das empresas que contratam empresas de segurança privada ou das entidades que contratam empresas de segurança privada.
Se essas empresas de segurança privada não pagarem aos trabalhadores, não pagarem a Segurança Social e não pagarem os encargos fiscais… Por um lado, temos de controlar o montante, se não está a ser feita uma venda com prejuízo, e depois verificar se na prática essas regras estão a ser cumpridas através também de um terceiro elemento, que está na lei desde 2019, muito por pressão da nossa associação, que são as inspeções multidisciplinares. Isto é, o exercício de uma atividade inspetiva feita de forma agrupada pela Polícia de Segurança Pública, que tem a tutela deste sector, pela Segurança Social, pela Autoridade Tributária e pela Autoridade das Condições de Trabalho, que confira em cada momento o número de contratos que cada empresa tem. Isso e o número de horas que são despendidas nesses contratos. E também o número de pessoas que, no cumprimento da lei e do contrato coletivo, são necessárias para desempenhar essas tarefas, e que tarefas são desempenhadas, nomeadamente de trabalho noturno, trabalho ao fim de semana, horas extraordinárias, etc. E ver se a equação fecha. Isto, para nós, é aquilo a que chamamos de inspeções inteligentes. Não é assim que a lei chama, mas é como nós chamamos. São feitas de forma multidisciplinar.
Porque, repare, o aumento da faturação do sector, e os bons indicadores que o sector, na globalidade, tem demonstrado, não significa aumento de rentabilidade para nós. Isso é uma questão muito importante.
Quais são as vossas metas para 2023?
Para nós, as grandes divisas são o cumprimento da lei, a verificação do cumprimento da lei, a concorrência sã e leal, baseada no cumprimento das mesmas regras, o comportamento adequado, nomeadamente do Estado, que faça com que o que está na lei não seja letra morta e crie o antídoto para a chamada venda com prejuízo, que é uma prática comercial proibida e, portanto, exigindo a demonstração de que a empresa que se candidata a prestar um certo serviço, com o valor que vai cobrar, consegue garantir os pagamentos a que está obrigada.
Nós levamos ao Conselho de Segurança Privada uma amostragem de concursos públicos para compra de serviços de segurança feitos em 2021, concursos 21 e 22 salvo erro, em que os preços pelos quais os serviços de segurança foram adjudicados para aquilo que nós designamos uma portaria de 24 horas por dia, sete dias por semana, toda aquela que existe em que as coisas são preços mais baixos do que aqueles que uma recomendação da ACT de 2011 considerava os preços mínimos. Colocados 12 anos de inflação, conseguimos contratações em 2021\2022 a valores mais baixos do que aqueles que eram os mínimos considerados pela ATP em 2012.
Em 2020, a associação de seguranças, nomeadamente a COPS e PSG, marcaram manifestações por salários em atraso. Nesta altura, depois da pandemia, essa situação está resolvida?
Note que na associação a que presido, que eu saiba, nenhuma tem salários em atraso. Nem controvérsias relativamente a pagamentos. Agora, a pandemia foi vivida com muita apreensão, muito sacrifício e muita ginástica, evidentemente, porque se é verdade que, nalguns casos, a pandemia teve a “virtualidade” de demonstrar a grande importância da segurança privada, esta teve uma grande importância no período da pandemia, no trabalho nos hospitais, nas farmácias e em instalações críticas. A segurança privada foi um grande auxiliar no tempo da pandemia, mas obviamente o mercado encolheu muito. Foi um tempo de crise, de muita crise, mas o sector sobreviveu, melhor ou pior, sobreviveu e ultrapassou a crise com muitas dificuldades e muito sacrifício. Agora que voltámos aos tempos de normalidade, era bom transformar a lei em prática. Esta seria a grande divisa para transformar a lei de letra morta em coisa viva.
Acha que o Estado tem feito letra morta da lei e devia ter um papel mais ativo no cumprimento da mesma?
Sem dúvida nenhuma. Aliás, diria que o Estado é o principal responsável pela Lei de Segurança privada nestes aspetos que referi estar em hibernação. Isto é, não toma as medidas necessárias para que a lei se imponha de forma efetiva. E os exemplos que lhe dou são sobretudo dois, e retomo o que dizia há pouco. Em primeiro lugar, nos concursos públicos tem de haver o controlo de que não existe uma venda em violação da lei, assim como pede a prova de que não se deve dinheiro à Segurança Social, assim como pede a prova de que não deve dinheiro ao fisco, assim como pede a prova de que tem alvará para o exercício da atividade. Também tem de pedir a prova de que não há venda com prejuízo. Essa, então, é a questão fundamental, a primeira delas. A segunda é exercer uma fiscalização efetiva, nos moldes que há pouco referi.
E repare que é uma fiscalização que tem uma natureza um pouco diferente da fiscalização tradicional. Quando falamos em fiscalização, pensamos na deslocação ao esforço, aos postos de trabalho, para verificar se o trabalhador está a cumprir o horário adequado, se as instalações são adequadas, se tem colocado o respetivo cartão, se está autorizado a exercer as suas tarefas, etc. E isso deve continuar. Agora, esta inspeção que nós propúnhamos, e que foi prevista na lei, com equipas multidisciplinares e com a junção de várias entidades, digamos assim, que se podem juntar para o efeito, é feita de uma maneira até menos onerosa, que é feita basicamente nas sedes das empresas. Isto é, eu vou buscar informação às próprias empresas. Porquê? Porque é lá que estão estes elementos que referi. Quantos contratos existem? Quantas pessoas são necessárias para desempenhar essa atividade no quadro do respeito pela lei? Quanto é que essas pessoas têm de receber? A quanto é que isso corresponde em descontos para a Segurança Social e para o Fisco? Já considerando os vários tipos de horário, o horário normal, o horário noturno, o horário ao fim de semana, etc.
No fundo é quase fazer uma equação.
É importante que a lei seja ativada e não esteja morta por parte do governo, até para evitar algum sentimento de crispação entre as próprias empresas?
O ambiente tem de ser saudável e o ambiente saudável, nisto, é o cumprimento da lei. O cumprimento da lei é que é relevantíssimo.
Já agora, só para dar uma ajuda nesta questão da responsabilidade solidária, que foi introduzida em 2019, é o artigo 60º B da lei. E relativamente às práticas comerciais desleais, é o artigo 5º, onde diz ‘práticas comerciais desleais’. Uma é a contratação com serviços não declarados. Outra é a contratação com prejuízo porque, compreende, se efetivamente eu para fazer 24h sete dias por semana, obedecendo à lei, preciso de três trabalhadores e meio por dia… Se a empresa concorrer com dois, consegue apresentar um preço mais barato, não é?
O que impede então o Governo de aplicar a lei?
É a falta de vontade política e de inércia. Tem de reformar as suas práticas, tem de alterar as suas formas de fazer contratação, tem de ser um exemplo até para o sector privado.
Este ano ainda vai ser de sobrevivência ou pode ser de renascimento do sector?
Ainda estamos um bocadinho, como se diz agora, no rescaldo dos anos da crise, mas se todos cumprirem a sua parte, poderá ser um ano de crescimento saudável.
Porquê? Porque há indicadores de algum crescimento económico e a contratação de serviços de segurança pode acompanhar esse crescimento da contratação.
Esse crescimento económico agora tem de ser feito para que esse crescimento seja saudável, não seja apenas aparente e numérico. Então, tem de ser feito no quadro de uma concorrência sã, que afaste totalmente o trabalho não declarado. Isso é o que está na lei.
Portanto, não existe o risco de haver uma diminuição do número de empresas de segurança privada ou de, eventualmente uma empresa deste sector adquirir outra?
Bem, isso não tenho a certeza. Uma coisa é uma tendência para o crescimento. Outra coisa são atitudes de gestão. Não creio que haja motivo para que o mercado sofra grandes alterações.
Para além daquelas que são o movimento normal da vida comercial. Espero é que os players que estão no mercado e os que cheguem ao mercado, todos se comportem de acordo com as regras. Isso, para nós, é fundamental.
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