Depois de passar pelo Governo como secretária de Estado Adjunta e da Saúde, Rosa Valente Matos aceitou administrar o Centro Hospitalar de Lisboa Central, que integra seis das mais principais unidades hospitalares da capital. Pela frente, terá de levar a bom porto o mais importante projeto da área da saúde que será concretizado na próxima legislatura, e que marcará um “antes” e um “depois” na prestação de cuidados na capital. No entanto, também será, provavelmente, um dos processos com maior potencial de conflituosidade da próxima legislatura: implicará o encerramento das seis unidades hospitalares hoje existentes que serão concentradas no novo Hospital de Lisboa Oriental, cuja abertura está prevista para 2023. Unidades pelas quais os lisboetas nutrem sentimentos de pertença, como a Maternidade Alfredo da Costa, o Hospital de D. Estefânia e o Hospital de S. José.
Quais são as três caraterísticas excecionais que identifica no centro hospitalar?
Primeiro, os recursos humanos. A riqueza de ter quase 7900 funcionários a trabalhar em prol dos nossos doentes, tanto através da consulta externa, como da urgência. A segunda é a capacidade de inovação: este centro tem muita capacidade de inovação e isso tem-no mantido sempre vivo e atual. A terceira é a resiliência, ou seja, a capacidade que as pessoas têm de continuar a trabalhar e de adaptarem o edifício o mais possível, para o manterem vivo.
E as três principais preocupações?
Este conselho de administração tem em mãos duas linhas estratégicas muito fortes. Uma é ter começado um novo hospital (de Todos-os-Santos), e quando falo no novo hospital não falo apenas nas paredes mas em todo o processo organizativo, que temos de trabalhar para quando o novo edifício estiver pronto podermos transitar para ele. Trabalhar com os profissionais (médicos, enfermeiros, auxiliares, administrativos, engenheiros), e também externamente, envolvendo a população, as juntas de freguesia, a câmara municipal, as entidades privadas, a Santa Casa da Misericórdia, para que a transição que se vai fazer daqui a quatro ou cinco anos possa ser serena, pensada e partilhada.
Tendo em conta o sentimento de pertença tão antigo destas instituições, acredita que vai ser uma transição suave?
Veja-se a polémica em torno do encerramento da MAC….
Todos temos um sentimento de pertença às nossas coisas. É algo normal que não podemos esconder. Temos é de o saber trabalhar. É verdade que, cá dentro, eu sinto que todos os profissionais querem esta mudança, querem este hospital. Estas seis instituições não podem permanecer muito mais tempo a funcionar como hospitais. Estamos todos os dias a adaptarmo-nos (com obras a decorrer), que nos permitem viver neste espaço mais quatro ou cinco anos. Precisamos de um novo hospital, que seja mais tecnológico, mais voltado para fora, para as pessoas. A população também precisa disso.
Se enfrentarem forte contestação, como pretendem ultrapassá-la?
Pretendemos realizar um trabalho altamente participativo no planeamento do Hospital Oriental de Lisboa, envolvendo, além das instituições da saúde, também os representantes autárquicos e as instituições da sociedade civil com interação com o hospital, de forma a ir construindo passo a passo consensos que permitam que exista o maior grau de aceitação possível do novo hospital no meio em que se insere, sem pôr em causa a sua missão e prioridades estratégicas e operacionais.
Alguma das instituições vai ficar a funcionar?
Não sei. Essa pergunta é-me sempre colocada e eu já tive várias versões sobre isso. Interessa-me encontrar um caminho para o novo hospital e depois alternativas para estes edifícios, para que possam ter uma função, ligados à saúde, ou não.
O que aconteceu ao Hospital do Desterro?
Sei que o Miguel Bombarda vai ser destinado a habitação de renda acessível. O Desterro é propriedade da ESTAMO, como aliás boa parte deste (o Hospital de S. José).
Sobre as carências do centro Hospitalar, ouvimos dizer que faltam alguns especialistas, como obstetras e anestesiologistas…
Este Centro Hospitalar [CHLC] tem as mesmas carências que os outros. Há seis ou sete especialidades (inclindo obstetrícia, pediatria, anestesiologia, radiologia, ortopedia) em que realmente há uma grande carência de profissionais e isso é um problema.
Como é que ultrapassa este problema sem ser pela reorganização dos serviços?
Já vimos que a reorganização dos serviços é um bilhete de passagem do dirigente que o propõe para uma ida à Comissão Parlamentar da Saúde para prestar esclarecimentos?
Mais do que dizer que se resolve com a exclusividade, ou dizer que se resolve com a reorganização dos serviços – se pagarmos mais ou se tivermos mais médicos -, acho que é preciso repensar o que queremos fazer com o nosso Serviço Nacional de Saúde (SNS) e envolver os profissionais nas decisões. Temos uma administração pública muito pesada e que precisa de ser atualizada. Temos de ter mecanismos internos de gestão de recursos humanos. Temos também um problema de planeamento, de motivação, de responsabilização dos recursos humanos. O mais importante numa instituição são as pessoas. Não temos processos de avaliação. Temos muitos ideias, pômo-las em prática e nunca as avaliamos.
Muitas vezes fica a ideia de que existem profissionais disponíveis mas que é o SNS que não os consegue ir buscar. Cada vez que um concurso fica deserto surgem as críticas ao governo. Não há mesmo profissionais ou é uma questão sobre o quanto estão dispostos a pagar?
Normalmente há dois concursos a nível nacional com vagas que são atribuídas às várias instituições. Os médicos internos que terminaram a especialidade são livres de concorrer. Uns concorrem e outros vão para o privado. Há aqui um espaço de oportunidade que há 20 anos não tínhamos.
E isso vale para todas as especialidades?
Vale para aquelas seis ou sete de que falei. Neste momento, os privados vão alargando o seu âmbito de atuação. É verdade que o que temos em termos de população médica é o efetivo que sai formado da faculdade, todos os anos. Em relação à contração direta, é claro que há sempre uma consulta ao mercado. Numas especialidades temos. Noutras não temos. Por exemplo, o mercado de oftalmologistas é difícil. Nós temos uma tabela e temos de a seguir – umas vezes temos concorrentes, outras não.
Existem pedidos de valores superiores aos da tabela?
Haverá sempre. Isso passa pelo serviço de Recursos Humanos mas, quando se faz uma pesquisa ao mercado, há valores que poderão ir dos 20 euros à hora até aos 50 a 60.
Vamos ter um novo hospital para Lisboa Oriental, que absorverá as competências destes hospitais centrais.
O Hospital de São José tem, neste momento, dimensão para servir a população que lhe está atribuída?
Estamos a fazê-lo. Não vou escamotear que poderá haver listas de espera, até pela questão da liberdade de escolha. Temos mais pedidos porque as nossas listas de espera até eram “simpáticas”. Estamos a servir uma população de mais de 300 mil pessoas. Claro que se avançarmos para a área de Santarém, para a área Oeste, ou para o Alentejo, aí duplicamos. Somos referência para muitas zonas do país em muitas especialidades.
Em relação à área da formação, têm muitos internos aqui?
Temos muitos internos, somos um hospital universitário. Também queremos investir na área da investigação, porque é uma maneira dos nossos jovens permanecerem aqui. O novo hospital também vai ser universitário. Vai ter até uma parte dedicada à formação e à investigação.
Para quando está prevista a abertura do novo hospital?
Dentro de quatro anos, se tudo correr bem. Neste momento, o júri (de que eu faço parte) está a analisar as propostas. Até ao final do ano deve haver uma decisão.
Há muitos candidatos?
Tivemos oito propostas. O novo hospital começou ontem, temos de trabalhar. Vai ser um hospital tecnológico, não baseado na organização tradicional dos serviços que temos hoje. As camas poderão ser partilhadas, por exemplo. A própria estrutura física do edifício vai ajudar a que este processo organizativo seja mais facilitado.
Este novo modelo organizativo implica necessidades em termos de novas competências.
Neste momento, a contratação de pessoal é fácil?
Todos os dias entram e saem pessoas nestes seis hospitais. Temos aqui um gabinete de formação que está ao serviço de todos os profissionais para que o processo de aprendizagem de novas técnicas/práticas ou equipamentos possa ser feito.
Está disponível para conduzir a nova unidade?
Eu sou administradora hospitalar de carreira. O meu percurso profissional tem sido feito no SNS, à exceção de quatro anos em que estive fora. Enquanto tiver capacidade, estarei disponível para trabalhar se acharem que sou útil. Pelos sítios por onde passei, penso que fiz acontecer e isso faz-me “estar de bem” com a vida profissional.
Dou o exemplo dos rastreios da ARS de Lisboa e Vale do Tejo. Há 20 anos que se dizia que era a única região do país que não tinha rastreios organizados, de base populacional. Não fui eu que os fiz mas a minha passagem por lá, com a equipa que consegui montar, fez com que se conseguisse fazer. Nunca se construíram tantos centros de saúde em Lisboa, a ARS tem mais de 30 novos centros de saúde.
Assumiu a gestão de uma unidade que qualquer gestor classificaria como estando
em falência técnica, com uma dívida total superior a 160 milhões de euros e uma dívida vencida de mais de 100 milhões. Como explica ter aceitado
este desafio?
Ao aceitar o desafio tinha plena consciência do contexto financeiro global do Serviço Nacional de Saúde em geral e do CHULC (Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central) em particular. Sabia e sei que é nesse contexto de grandes dificuldades que os gestores hospitalares hoje têm de trabalhar, mas, como dizia um meu professor na Escola Nacional de Saúde Pública, “os hospitais estão sempre em crise”. As instituições em situação difícil são ainda mais exigentes em termos de qualidade e foco na gestão. Sei que aceitei um desafio difícil, mas também sei que podem atingir-se objetivos mesmo com fortes restrições orçamentais.
É possível alterar o rumo da dívida sem sacrificar a qualidade dos cuidados?
É possível, de forma integrada e abrangente, conseguir alguns ganhos de eficiência que se possam converter em melhor desempenho e na entrega dum melhor serviço aos utentes sem aumentar a dívida. É com esse objetivo que, com a minha equipa de gestão e com os profissionais da instituição, trabalhamos todos os dias.
Qual o legado que gostaria de deixar?
As prioridades estratégicas do CHULC são, em simultâneo, planear e construir o novo Hospital Oriental de Lisboa e valorizar os profissionais e o património físico e tecnológico do atual centro. Por isso me empenharei na valorização do capital humano e físico do centro e na qualidade do serviço prestado. Melhor serviço, gente mais satisfeita. Era isto que gostaria de deixar como marca nesta minha missão.
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