O Governo esteve dois anos a negociar medidas de combate à precariedade com o Bloco de Esquerda e em apenas duas reuniões cedeu aos patrões, criando um pacote de alterações às leis do trabalho que é um “Frankenstein”. Não admira que a CGTP não tenha assinado o documento.

Foram precisos dois anos de negociação entre o Governo e o Bloco de Esquerda no grupo de trabalho para preparação de um Plano Nacional contra a Precariedade para criar um acordo sobre as medidas de combate à precariedade que estavam previstas no acordo que viabilizou o governo do PS. Foram dezenas de reuniões onde estiveram presentes o ministro do trabalho, o secretário de Estado, deputados do Bloco, especialistas em matéria laboral e ativistas dos movimentos de precários.

Foram dezenas de horas de negociação, centenas de horas de estudo, para criar uma proposta coerente de combate aos abusos do trabalho precário: maior combate aos falsos recibos verdes, melhorias no código contributivo para os trabalhadores independentes, limitação do número de renovações do trabalho temporário, limitação das excepções que permitiam contratar a prazo para funções permanentes jovens e desempregados de longa duração. Houve mesmo um relatório de progresso que foi publicado e que pode ser lido aqui.

Uma súbita alteração da política do Governo pôs todo esse trabalho em causa, mantendo o que tinha sido acordado à esquerda, mas criando novas medidas que anulam em grande parte o objetivo dessas reformas.

Já se tinha percebido que o PS queria cristalizar as alterações à lei laboral do tempo da troika e defendidas por PSD e CDS, nomeadamente a redução de três dias de férias, o corte para metade da remuneração das horas extra ou a redução para metade das indemnizações por despedimento. Mas ainda havia a esperança de serem alcançados progressos na legislação laboral que pudessem ser subscritos não só pelo PS, mas também pelo Bloco de Esquerda e PCP.

Infelizmente, houve uma inversão dos objetivos do Governo, tendo negociado na Concertação Social um pacote onde se aumenta o período experimental de 90 para 180 dias dos trabalhadores jovens e desempregados de longa duração, se permitem mais justificações para os contratos de muito curta duração, onde se mantém um banco de horas grupal e onde a taxa de rotatividade – ideia defendida por Mário Centeno desde a primeira hora – não se aplica aos setores com maior rotação.

Sem surpresas, o pacote foi aprovado em tempo recorde por patrões e pela UGT e recebeu rasgados elogios de PSD e CDS.

O governo redefiniu assim a sua política em matéria laboral, escolhendo voltar as costas aos parceiros da “geringonça” e aumentar a proximidade com a Direita. Na verdade, com este movimento fez o contrário do que foi discutido e aprovado no congresso do Partido Socialista da passada semana.