Bastou uma década para Grândola se tornar numa das regiões mais ricas de Portugal. E pode a alavanca económica que é o turismo transformar-se numa maldição? É uma resposta em aberto, com decisão política. Num concelho em que o incumbente, António Figueira Mendes, comunista, encerra um ciclo e sai de cena.
O impacto da pressão turística e hoteleira no futuro do município grandolense, cujo número de camas turísticas deverá ser o dobro da população residente, que não chega a 14 mil, segundo o último censos, mantém-se como tema quente – e divisório – da discussão partidária, sobretudo em vésperas das eleições autárquicas.
Num dos usais debates em período de campanha, o tema foi discutido entre os candidatos Fátima Luzia (CDU), Luís Alexandre (PS) e Sónia dos Reis (AD – PSD/CDS). Esta última candidata reiterou a contra a alteração ao Plano Diretor Municipal (PDM), aprovado no final de 2024, alegando falta de garantias de “um estudo sério sobre disponibilidade de água”. A candidata não deixou de criticar o que classificou como “turismo descontrolado” – de luxo – responsável pelo aumento de preços e sem que beneficiasse o comércio local, defendendo um setor “diferente, sustentável e monitorizado”.
No final do ano passado, o município ainda liderado por Figueira Mendes deu luz verde à alteração ao Plano Diretor Municipal (PDM) e, com ele, à redução do número de empreendimentos turísticos, das áreas de construção e do número de camas turísticas no concelho.
Quanto ao PS, o candidato autárquico insistiu num setor “só com regras e contrapartidas”. Defendeu a captação de investimento, salvaguardando medidas de apoio à habitação, acessibilidades e serviços. Do lado da CDU, a candidata defendeu um turismo sustentável e “inclusivo, com praias para todos”, bem como mais acessos e estacionamentos gratuitos”, pedindo que a obrigatoridade do pagamento dos parques seva revertido.
É de destacar a conhecida posição quanto aos grandes empreendimentos, assumindo que não aprovará novos projetos de grande dimensão, que justifica com a incapacidade que Grândola tem de absorver tais empreendimentos. Na habitação, uma “prioridade inegociável”, a CDU quer continuar a defesa desta área a custos controlados, arrendamento apoiado e cooperativas, como 40 fogos no Carvalhal, 90 em Melides, 100 em Grândola, 20 em Canal Caveira. Do lado do PS, o candidato apresenta como promessa a construção de 300 casas modulares durante os quatro anos de mandato, em terrenos já identificados – 142 em Grândola, mais em Melides e Lousal -, prevendo um orçamento de 41 milhões de euros, aludindo a um financiamento com recurso a crédito bonificado do BEI e contrapartidas dos promotores turísticos.
Na habitação, a candidata da AD assume apostar em parcerias público-privadas (PPP), priorizando o levantamento de terrenos municipais para construção e licenciamento mais ágil. Além disso, promete rever o PDM.
Menos litoral, mais interior
Ao Jornal Económico (JE), António Figueira Mendes, presidente da Câmara Municipal de Grândola, recordou as conquistas do PDM no que à redução do número de camas diz respeito. “Reduzimos para 40% o número de camas que estavam previstas. Creio que houve alguma unanimidade na Assembleia Municipal, depois de grandes discussões de que este era o número suficiente; creio que temos margem de manobra para crescer ainda, sobretudo no interior, porque criámos uma zona de pressão turística no PDM”. “Nas freguesias do Carvalhal e de Melides, não pode haver mais empreendimentos turísticos e a ideia foi remeter para o interior”, explicou.
Prestes a terminar um ciclo de 12 anos à frente da autarquia de Grândola, após outros 15 ainda no século XX, entre 1976 e 1989, António Figueira Mendes diz ao JE que esta questão da gestão turística terá sido uma das grandes batalhas – se não a batalha – dos seus trabalhos como autarca. Conta que, nos seus primeiros mandatos, a questão ambiental já era uma preocupação.
“Em 1981, a Câmara de Grândola, já no regime democrático, mandou fazer um plano de desenvolvimento integrado da faixa costeira de Grândola, um plano que na altura ainda não tinha enquadramento jurídico. Mas já nessa altura as preocupações da Câmara era exactamente a defesa do ambiente que não tinha ainda a regras que hoje tem. Fizemos todos esse levantamento com biólogos, com gente ligada à defesa do meio ambiente”, recordou.
E com quem o braço-de-ferro tem sido maior? Promotores ou ambientalistas, questionou o JE?. “Acho que foi mais com os promotores do que com os ambientalistas, embora os ambientalistas também tenham tido um peso grande”, respondeu.
Batalha com promotores
“Foi de facto uma batalha dura, mas não deixa de não ser interessante do ponto de vista democrático e que depois acabámos por chegar ao fim e chegámos aqui a um acordo que parece que hoje é consensual”, acrescentou o histórico presidente da Câmara de Grândola.
Do lado do setor turístico, quais são os principais desafios e restrições que o vosso setor enfrenta naquele município?
Ao JE, José Cardoso Botelho, antigo presidente executivo da Vanguard Properties em Portugal, que comprou vários ativos na Herdade da Comporta, aponta, entre desafios “diversos e estruturais”, as “infraestruturas básicas”.
“É urgente reforçar a rede viária (incluindo ciclovias), os transportes públicos, os centros de saúde e as escolas”, alertou. E mais? Na habitação, “a escassez de habitação acessível é um entrave à fixação de famílias”. “A criação de uma ou mais escolas internacionais seria um passo decisivo para atrair residentes permanentes e reduzir a sazonalidade”, acrescentou.
Na oferta turística e cultural, continuou José Cardoso Botelho, que acabou de deixar a Vanguard Properties, diz que, “apesar de Grândola ser hoje um destino com reconhecimento internacional, ainda carece de mais unidades hoteleiras de elevada qualidade e de uma oferta mais diversificada em termos de desporto, cultura, lazer e gastronomia local — incluindo unidades que preservem a identidade da região e sejam mais acessíveis”.
E, por fim, a inclusão social e a acessibilidade costeira. “O desenvolvimento sustentável exige a integração das populações locais. Este é um desafio complexo, mas inadiável”. Além disso, defendeu que “é necessário aumentar o número de apoios de praia, com acessos e estacionamento adequados, garantindo uma experiência de qualidade para residentes e visitantes”.
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