Todas as análises sérias do fenómeno do populismo contemporâneo convergem na ideia de que não se trata de um problema exclusivo da direita política, seja ela conservadora ou alternativa. O populismo não é uma ideologia, mas uma estratégia de comunicação direta com o eleitorado, pelo que é compaginável tanto com ideias de direita como de esquerda.

Uma das caraterísticas mais fortes dos diferentes populismos é a simplificação extrema da realidade, com a consequente apresentação de soluções simples para problemas complexos. À direita: os movimentos migratórios causam problemas sérios de integração? Levantam-se muros. Os terroristas põem em causa a nossa segurança? Matam-se com ataques de “drones”. À esquerda: subsiste, nas nossas sociedades, um elevado nível de violência sobre as mulheres? Presume-se a culpa de todos os homens, individual e coletivamente. Há racismo, homofobia e misoginia? Policiam-se os comportamentos e proscrevem-se todas as expressões que denotem preconceito.

Ainda que Trump e Bolsonaro constituam os exemplos mais caricatos de populismo, também a esquerda tem a sua quota parte de soluções fáceis para problemas difíceis – soluções que, naturalmente, não funcionariam mesmo que pudessem ser aplicadas na prática.

Greta Thunberg, justamente considerada pela revista “Time” como personalidade do ano de 2019, não se limita a ser uma ativista ecológica, mas “personifica” essa causa, uma vez que, sendo ainda muito jovem, coloca em evidência que o problema ambiental que a humanidade enfrenta tem uma forte componente de (in)justiça intergeracional.

Não se trata apenas de denunciar a destruição dos ecossistemas, mas de afirmar que a geração de pessoas que atualmente domina os governos e as organizações internacionais está a pôr em causa, eventualmente de forma irreversível, o direito das gerações futuras a uma vida saudável e equilibrada.

Por isso, a mensagem da jovem Greta é muito mais poderosa do que, por exemplo, a verdade inconveniente do ex-vice-presidente Al Gore. Da mesma forma, aliás, que o discurso de Malala sobre a importância da educação – para a emancipação das mulheres, em particular – tem muito mais impacto do que os textos filosóficos de Amartya Sen sobre a necessidade de capacitação das pessoas para superar a pobreza e as desigualdades sociais.

Acontece que a questão ambiental não tem solução fácil, precisamente porque o problema que encerra de justiça entre gerações se cruza com outros problemas bem mais antigos e intrincados: de justiça social, entre ricos e pobres, e de desigualdades entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos.

Como pedir aos deserdados deste mundo que sacrifiquem as suas legítimas aspirações de bem-estar presente em nome da preservação do direito das gerações futuras a um ambiente sadio e equilibrado?

A questão ecológica não se coloca da mesma forma nos diversos estratos socioeconómicos e, menos ainda, em diferentes geografias. Os bairros de luxo resistem melhor às chuvas torrenciais e aos furações do que os bairros de lata ou as favelas. A poluição atmosférica não afeta da mesma forma os habitantes de Oslo ou Copenhaga do que os residentes de Cabul ou Nova Deli.

Há quem pense que todos deviam ter carros elétricos e há quem só ambicione deixar de andar a pé. Há quem julgue que os recursos energéticos e ambientais dos outros países são património da humanidade, ao passo que os cidadãos desses países apenas gostariam que a exploração económica desses recursos pudesse beneficiar um pouco a sua vida.

Greta Thunberg não tem obrigação de compreender todas as variáveis do problema que a angustia e, muito menos, de ter soluções para ele. É uma jovem adolescente e, por isso, a sua visão do mundo é ainda parcelar e unidimensional. Curiosamente, nessa sua simplicidade, ela interpreta na perfeição a máxima da justiça intergeracional, de responsabilidade para com o futuro, que Hans Jonas definiu em 1979 e que está na origem do movimento ambientalista: “age de tal modo que o princípio da tua ação seja compatível com a permanência de uma vida verdadeiramente humana na terra”.

O mais extraordinário neste contexto é que tantos adultos, muitos deles com funções políticas relevantes, se portam como crianças. De um lado, contra todas as evidências científicas e empíricas, nega-se a gravidade do problema das alterações climáticas. É típico da direita populista. Do outro lado, contra toda a razoabilidade, sustenta-se a generalização de soluções simplistas – ao nível das praticadas pela própria Greta, que têm tanto de infantil quanto de radical –, como emissões zero, descarbonização total da economia, fim dos combustíveis fósseis, etc. É o que vemos todos os dias defendido pela esquerda populista.

Enquanto os adultos persistirem em comportar-se como crianças, olhando para o mundo de forma maniqueísta, o combate às alterações climáticas dificilmente se transformará numa causa comum de todas as pessoas de boa vontade.