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Grupo de associados da AMMG defende criação de fundo para ‘parquear’ ativos não rentáveis do Banco Montepio

Grupo de associados da Associação Mutualista Montepio Geral apela ao Governo para encontrar soluções atempadas para salvar grupo Montepio do colapso, que podem passar pela transferência de ativos do Banco Montepio para um veículo e por um aumento de capital. O grupo aponta o dedo a Virgílio Lima, que diz ser “parte do problema”, e responsabiliza o Governo, o Banco de Portugal e Tomás Correia pela situação atual do grupo Montepio.
  • Cristina Bernardo
10 Novembro 2020, 18h13

O desequilíbrio financeiro que atinge o universo Montepio foi esta terça-feira debatido por um grupo de associados da Associação Mutualista Montepio Geral (AMMG), numa declaração online junto da comunicação social que se estendeu por mais de 90 minutos, que pretende contribuir “construtivamente” para um elaboração de um plano de emergência para salvar o Grupo Montepio.

Por enquanto, não foram avançadas medidas em concreto para dar corpo ao plano de emergência, ainda que tenham sido afloradas soluções em abstracto para reverter a situação financeira frágil, que corre o risco de se tornar “irreversível”. Houve, no entanto, sintonia deste grupo de associados em convocar o Governo para ajudar a remediar os problemas que o conselho de administração da AMMG, liderado por Virgílio Lima, que o grupo diz que “não é parte da solução, é parte do problema”.

“Temos um conselho de administração que se refugia na negação e não tem condições para enfrentar os enormes riscos com que a Associação se confronta, nem para tomar medidas que a situação exige”, afirmou Pedro Côrte-Real, membro deste grupo de associados que aponta o dedo à administração de Virgílio Lima. “Um ano volvido após a saída do presidente eleito, é já evidente que não está ao alcance da atual administração reverter a presente situação do Montepio e colocá-lo no rumo económica e financeiramente sustentável”, reforçou.

Na declaração, este grupo de associados vincou que qualquer programa para reverter a situação terá de ser feito “forçosamente e em estreita colaboração” com o poder político, em “consonância com o Governo”.

Este grupo de associados propõe-se a “conjugar esforços para mobilizar os associados, sensibilizar as entidades que tutelam e supervisionam o setor, bem como a opinião pública, para evitar um caminho que poderá conduzir à extinção do Montepio”, referiu Pedro Côrte-Real.

Situação é responsabilidade do Governo, BdP e Tomás Coreia

O grupo de associados, aqui representado por Pedro Côrte-Real, Eugénio Rosa, João Costa Pinto, Mário Valadas e Manuel Ferreira, responsabiliza os supervisores e o antigo presidente da AMMG, Tomás Correia, na criação do desequilíbrio financeiro.

Desde logo, Eugénio Rosa, considerou que o Governo permitiu que a AMMG investisse mais de 10% num único ativo — neste caso, no Banco Montepio — “em claro desrespeito pela lei” das associações mutualistas. “Era responsabilidade do supervisor, neste caso o Ministério do Trabalho, fazer cumprir essa lei. O Ministério do Trabalho permitiu que a lei fosse continuamente violada. Neste momento, a Associação Mutualista tem mais de 60% do seu ativo investido numa única empresa, em clara violação da lei”.

“Lembro-me que tive várias reuniões com o ministro Vieira da Silva [antigo ministro do Trabalho] que me respondia: ‘o que é que eu posso fazer'”, afirmou Eugénio Rosa.

O mesmo membro do grupo de associados da AMMG também visou a atuação do Banco de Portugal, considerando-o responsável pelo conflito de interesses que se verificou, até 2017, entre a presidência da AMMG e a presidência executiva do então Montepio Geral — hoje, Banco Montepio —  permitindo que “o presidente da AMMG fosse simultaneamente presidente do banco” — no caso, Tomás Correia.

Segundo Eugénio Rosa, este conflito de interesses permitiu que Tomás Correia “tirasse de um lado e pusesse no outro”, nomeadamente, que “utilizasse as poupanças dos associados para fazer investimentos ruinosos”, como as compras do Finibanco e da Real Seguros, as quais também se fizeram com recurso a crédito “sem uma análise rigorosa de risco”.

“Este conflito de interesses permitido pelo Banco de Portugal, possibilitou que o então presidente da AMMG e também presidente do banco, ao mesmo tempo que  concedia créditos ruinosos, tirava as poupanças dos associados da AMMG e colocava-as no banco para fazer face a estas compras ruinosas”, vincou Eugénio Rosa.

AMMG não quer perder controlo do Banco Montepio

“Neste momento não temos arquitectada uma solução definitiva” para o Montepio, referiu Mário Valadas. Este grupo de associados parece ter apenas definido que o remédio para o desequilíbrio financeiro do Grupo Montepio passa por uma coordenação com o Governo e que “preserve o espírito da associação”. Isto é, independentemente das soluções que venham a ser encontradas, a AMMG não quer perder o controlo do Banco Montepio.

Foram avançadas diversas soluções. A título pessoal, João Costa Pinto considera que a forma “tecnicamente menos complexa” para reequilibrar as contas do Montepio passa por uma intervenção de relançamento do Banco Montepio com uma possível libertação de capital e até um aumento de capital, para reforçar a capacidade de concessão de crédito da instituição financeira.

Para libertar capital, Costa Pinto defendeu expurgar do balanço do banco estes ativos para um veículo “para onde possam ser transferidos esses ativos que não são rentáveis, libertando capital” e “desencadear um processo interno de reorganização e reorientação comercial do banco”, liderado por Pedro Leitão.

Não se trata da criação de um banco mau nem de uma entidade bancária, mas antes de “um fundo onde são parqueados estes ativos que serão alienados ao longo do tempo, aproveitando o mercado e procurando tirar partido do seu valor, de forma a que as perdas não existam a prazo ou sejam mínimas”, acrescentou.

Para financiar esse veículo, Costa Pinto defendeu, por exemplo, que tivesse uma garantia pública de forma a poder emitir dívida garantida e assim renumerar bem possíveis investidores.

A criação do fundo poderá ser, ou não, cumulativa com um aumento de capital do Banco Montepio. “Tudo depende da dimensão da operação” de salvamento da instituição de crédito. Em todo o caso, Costa Pinto não descartou a articulação da criação do veículo “com outras operações que passem pelo aumento de capital, desde que no final seja garantido o controlo do banco pela AMMG”.

Por sua vez, Eugénio Rosa, explicou que os rácios de capital do Banco Montepio estão próximos dos níveis mínimos exigidos pelos supervisores, o que dificulta a concessão de crédito. “O ativo hoje do banco hoje é superior ao passivo em 1.300 milhões, o que permite o banco ter um rácio de capital em linha com os mínimos exigidos pelo supervisor, e por isso tem tido dificuldade em conceder crédito. Por isso há a necessidade de aumentar os rácios de capital”, disse.

A AMMG não parece estar disponível para participar no aumento de capital. “Não há mais capitais dos associados para entrar para o banco porque aquilo que já entrou ultrapassa em muito o que é normal. Quando eu digo que não há mais recursos, é dizer que não devemos pedir mais à AMMG” para colocar no Banco Montepio, vincou Manuel Ferreira.

Resolver o ‘buraco’ da AMMG

A situação financeira da AMMG é diferente da situação do Banco Montepio. Se o problema do Banco Montepio é de falta de capital para ser mais agressivo na concessão de crédito, na AMMG tem-se assistido a uma engenharia que lhe permite “apresentar-se como se estivesse equilibrada de um ponto de vista meramente contabilístico”, salientou João Costa Pinto.

Este membro do grupo de associados da AMMG lembrou a operação que transformou os ativos por impostos diferidos (DTAs) em capital da associação, uma operação que, de resto, foi posta em causa pelos auditores, “que certificaram as contas com uma reserva exactamente porque consideram que a Associação não tem condições de gerar resultados que permitirão tornar os DTAs verdadeiramente em capital”.

Eugénio Rosa explicou que, atualmente, o ativo da AMMG, sem contar com os DTAs, é inferior ao passivo em 500 milhões de euros. Este ‘buraco’ “tem sido tapado com esta engenharia de criar ativos por impostos diferidos, que não têm nenhum ativo real [subjacente]”, reforçou.

Costa Pinto disse ainda que o desequilíbrio do balanço da AMMG “também resulta das transferências de capital que a Associação foi obrigada a fazer para garantir a solvabilidade do banco”.

“A ideia de que alguns têm defendido de que é pela via da rentabilidade e dos proveitos do banco que deve ser reposto o equilíbrio em capitais da Associação é uma ideia que não tinha aderência à realidade em condições normais e que com a situação atual da pandemia se torna completamente irrealista. É do conhecimento público que o Banco Montepio se encontra em dificuldades estruturais próprias, estão já refletir-se no resultado do banco no presente ano”, adiantou.

(notícia atualizada com mais informação às 19h34)

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