Volvidos 50 anos desde a Guerra do Yom Kippur, a acção terrorista do Hamas perpetrada contra Israel e a subsequente ofensiva militar do estado judaico contra a Faixa de Gaza vieram despertar-nos, à distância, para a força intempestiva das guerras que nascem de rivalidades étnicas e religiosas exacerbadas por disputas territoriais.

É raro vermos no Ocidente uma animosidade tão forte como aquela que temos vindo a observar em relação ao conflito em curso no Médio Oriente. Reconhecem-se as causas e manifestam-se elogios às identidades e aos mitos fundadores dos povos envolvidos neste conflito como elementos essenciais à auto-determinação, à sobrevivência e à resistência de parte a parte.

Porém, como é possível que os mesmos europeus que concedem esse apoio a causas alheias, falhem tantas vezes em reconhecer essa mesma necessidade de defesa identitária para si próprios, enquanto autóctones das nações europeias? Se muitos chegam até a simpatizar com retóricas de aniquilação mútua quando pensam no conflito israelo-palestiniano, por que motivo ignoram que a actual Europa alberga um “barril de pólvora”?

Se é certo que as redes sociais têm servido para propagar a típica desinformação vinda dos rivais em combate, por outro lado, têm sido um excelente meio directo para conhecer a realidade que assola a Europa, sobretudo a dificuldade das autoridades em controlar tumultos incendiários de apoio ao Hamas, nomeadamente em França, na Alemanha, na Suécia e em Inglaterra.

No espaço de duas semanas, registaram-se dois casos traumáticos em cidades europeias: em França, um professor foi esfaqueado até à morte às mãos de um imigrante checheno muçulmano e, em Bruxelas, dois suecos foram fatalmente alvejados por um imigrante ilegal tunisino, já assinalado por antecedentes de criminalidade e radicalismo.

Para além do clima de insegurança gerado por ameaças terroristas que já obrigaram à evacuação de aeroportos, do Palácio de Versalhes e do Museu do Louvre, a Europa tem assistido agora a uma pequena amostra da força mobilizadora e implacável das comunidades islâmicas que está a germinar nas cidades europeias.

Face ao conflito que eclode em Israel, a Europa apresenta-se hoje entre a desorientação e a inutilidade, pois a sua retórica da conciliação e humanismo não verga a realidade para sempre.

Numa analogia simples, em que a ordem internacional é como um grupo de agentes policiais, a Europa assemelha-se àquele elemento mais frágil e tímido que permanece inerte perante a necessidade de imobilizar um transgressor muito agressivo. Limita-se a manter alguma distância de segurança, ou a atrapalhar com avanços e recuos em redor, enquanto os outros agentes aplicam a força bruta necessária para restabelecer a ordem.

Esta inoperância europeia deve-se ao paradigma da paz perpétua pelas vias diplomática e comercial, a que acresce o mero critério cívico da pertença europeia, em oposição a um critério étnico fundamentado em elementos mais duradouros e infalsificáveis. É nesse critério cívico que assenta a atitude integracionista no campo das políticas de imigração, cada vez mais permissiva, traduzindo-se numa suposta exigência de acomodação aos costumes dos países de acolhimento – na verdade, algo muito abstracto e difícil de conferir ou cobrar.

Desde logo, devemos perguntar-nos que costumes de referência seriam esses, se os próprios burocratas europeus se empenham em reprimir, apagar ou relativizar os valores e costumes dos povos europeus.

Existe ligação entre a tempestade que se levanta nas fronteiras de Israel e o adensar de conflitualidade em solo europeu nos últimos dias? Naturalmente que sim. As demonstrações de simpatia pela causa palestiniana em diversas cidades europeias reflectem uma série de mudanças socioculturais decisivas para o destino comum dos europeus. Mudanças que serão centrais no debate das eleições europeias em 2024.

Em primeiro lugar, reflectem uma estrondosa presença islâmica em vários países europeus, bem como um forte sentido de pertença e de lealdade entre estes povos, independentemente das distâncias geográficas.

Em segundo lugar, denota-se a permeabilidade de algumas camadas da população nativa às causas do Outro, numa adesão rápida por necessidade de colmatar a falta de propósito colectivo do seu modo de vida. Posto isto, a destabilização na Europa é indissociável da destabilização nas fronteiras de Israel e do potencial expansionista da retórica islamista.

Finalmente, decorrente destas mudanças, vai sendo percepcionável algum desfasamento entre o discurso político reconfortante e pacifista em matéria de segurança e aquela que é a efectiva capacidade de vigilância e de resposta face às diferentes ameaças que se avolumam em território europeu.

Por fim, note-se como o etnocentrismo é identificado como necessidade imperativa para garantir a sobrevivência do Estado de Israel ou para denunciar vulnerabilidades sentidas pelos palestinianos. Naquele cenário de rivalidade crua e permanente, qualquer abordagem de convivência pacífica fica facilmente desacreditada, pois é evidente que um grupo acaba sempre por subjugar o outro.

Já a Europa, no sentido inverso, é o actor internacional mais relutante em defender a sua identidade como garantia de existência e afirmação. Todo o debate sobre as mudanças na paisagem demográfica fica cingido (por preguiça intelectual, pressão ideológica ou inibição moral) aos argumentos economicistas, excluindo uma reflexão franca sobre os efeitos do multiculturalismo nos modos de vida, na segurança e no ânimo dos povos europeus.

Mas, por mais difícil que seja reanimar o continente, é importante reiterar que uma Europa que se cinja a ser uma soma de consumidores anónimos, sem coragem para defender a sua integridade cultural e étnica, sem irmandade e sem capacidade de identificar ameaças à própria existência, será uma Europa que se rende à subserviência internacional e que ficará totalmente vulnerável à destabilização em marcha.

A autora escreve de acordo com a antiga ortografia.