O consórcio franco-neerlandês constituído pela Engie e Shell cancelou o seu projeto de hidrogénio verde em Sines, distrito de Setúbal, conhecido por H2Sines.Rdam.
O cancelamento deste projeto marca uma tendência global: vários projetos de hidrogénio verde anunciados um pouco por todo o mundo estão a ser cancelados. Os projetos virados para a exportação são os que enfrentam maiores dificuldades para obter financiamento, com os custos a aumentar e a falta de decisões regulatórias, segundo a consultora Wood Mackenzie.
“Dada a falta de regulamentos claros e considerando a atual maturidade do mercado-alvo, assim como a ausência de infraestruturas suficientes, os diferentes parceiros do parceiro tomaram a decisão de terminar o projeto em Portugal em outubro”, disse fonte oficial da Engie ao JE.
“A Engie ainda está convencida de que o hidrogénio permanece um factor fundamental dentro da transição energética, pois a vontade e a necessidade existem”, afirmou.
O JE também questionou a Shell, mas não obteve resposta até ao fecho da edição.
Para o especialista em energia Rui Costa Neto, não faz sentido produzir hidrogénio num local para transportá-lo para outro local remoto. “Produzir hidrogénio num local e traportá-lo para outro muito distante (gasoso, líquido ou sólido, não importa), só poderia não funcionar. Estas ideias, são uma tentativa de cópia da economia do petróleo, que tem características de matéria-prima muito diferentes do hidrogénio. As perdas de eficiência de conversão e liquefação não perdoam. A energia investida para liquefazer hidrogénio é cerca de 15% da energia contida no próprio hidrogénio. Para que estes projectos com hidrogénio façam sentido é importante que o hidrogénio seja produzido e consumido no mesmo local de forma descentralizada”, disse ao JE, apontando que os japoneses importaram hidrogénio líquido da Austrália, mas que é um processo “pouco competitivo”.
“O que faz sentido para Portugal é sim , atrair para Portugal, sectores que consumam hidrogénio verde: isto sim é uma boa estratégia: aço verde, amoníaco, metanol, E-fuels para a aviação e navios”, defende o professor e investigador do Instituto Superior Técnico (IST).
Numa análise ao mercado global de hidrogénio verde, a consultora Wood Mackenzie alertou este ano que os custos estão a pressionar os projetos de hidrogénio. “O hidrogénio tem sido um tópico quente na transição energética. Mas os promotores, tomadores e decisores políticos lutam por andarem ao ritmo planeado – com os custos a serem a principal barreira”.
A consultora especializada em energia acredita que os projetos vão continuar a surgir, mas que o foco vai estar nos que conseguirem atingir a decisão final de investimento (FID). “Este vai ser um ano crítico para em estabelecer o ritmo a que os mercados de hidrogénio e derivativos pode crescer”, segundo Murray Douglas, vice-presidente da área de research de hidrogénio e amónia.
O analista aponta que os “custos de desenvolvimento para projetos de hidrogénio e energias renováveis aumentaram significativamente durante 2023, e no topo disto, os promotores lutaram para garantir financiamento. Estas novas, e ainda por provar, tecnologias, muitas vezes tendo como alvo novos clientes, são consideradas arriscadas. Com o financiamento dificil de obter, custos a aumentar e as decisões regulatórias ainda no ar, o atraso de projetos e cancelamentos têm sido generalizados – um padrão que deverá continuar”.
A Wood Mackenzie destaca que os “projetos de exportação estão a debater-se para garantir FID, mas a Europa e a China continuam a ter a maior capacidade sob construção. Apenas 2% da capacidade total anunciada a nível global está sob construção ou operacional”.
Os projetos focados na exportação – correspondem a 44% da capacidade anunciada, mas entrarem em operação vai depender “do aumento da procura nos seus mercados de importação. Com cerca de metade dos anúncios de capacidade global a serem especulativos, e os anúncios a ultrapassarem os desenvolvimentos, é claro porque é que estes projetos são considerados de alto risco”.
No último trimestre de 2023, foi atingido um recorde em termos de capacidade anunciada: 12,7 milhões de tpa anunciados, atingindo um total global de mais de 120 milhões de tpa. “Os anúncios de capacidade em todo o mundo têm sido dominados por centros de produção e megaprojetos, e novos projetos foram principalmente em mercados focados para a exportação, particularmente no Norte de África”, segundo a Wood Mackenzie.
A consultora destaca que grandes anúncios em mercados menos desenvolvidos devem ser tratados com cautela: “mercados focados em exportação albergam um pequeno número de grandes projetos, inflacionando a capacidade total por região. Mas na verdade, a maioria destes projetos (…) vão lutar para progredir devido a assuntos relacionados com financiamento, falta de políticas de apoio, desafios em garantir compradores e infraestrutura de apoio por desenvolver”.
Analisando a produção de eletrolisadores, cruciais para produzir hidrogénio e com a tecnologia para produzir eletrolisadores maiores e em larga escala a precisar de ser afinada, a China surge como uma das potências na sua produção, sendo capaz de “escalar a capacidade de produção mais rapidamente do que a Europa e a América do Norte, possivelmente capturando uma porção assinalável do mercado”.
Mas existem “dúvidas sobre a performance e confiabilidade”, com a WM a dar o exemplo do projeto Kuqa da Sinopec que encontrou “problemas técnicos e está a operar atualmente a menos de um terço da capacidade instalada”.
Entretanto, novos e ambiciosos atores estão a “prometer escalar” apesar de os “alarmes” estarem a soar devido ao risco de excesso de oferta de eletrolisadores no curto a médio prazo.
Há projetos a serem cancelados em todo o mundo, mas há outros a avançar
A consultora sediada em Edimburgo, Escócia, dá o exemplo de vários cancelamentos: Cavendish no Reino Unido, cancelado devido a desafios técnicos e económicos e à incerteza sobre o apoio do Governo britânico ao projeto. Nos EUA, a Nutrien suspendeu o projeto Geismar por dois anos, devido ao aumento de custos e incerteza sobre os tomadores. Na China, foram cancelados cinco projetos, incluindo um de quase três mil milhões de dólares.
Mas há bons exemplos. Na Arábia Saudita, o projeto Neom Helios Green Fuels Project recebeu FID para o investimento de 8,5 mil milhões de dólares financiado pelo fundo público saudita de investimento. Já na China, o Chinese Energy Engineering Corp (CEEC) tomou FID de uma central de hidrogénio verde com 640 MW, alimentada por 800 MW de energias renováveis com o objetivo de produzir 45 mil toneladas por ano (tpa) de hidrogénio que será depois usado para produzir amónia e também metanol.
Projeto de Sines previa investimento de “vários mil milhões de euros”
O projeto H2SinesRDAM estava orçamentado em “vários mil milhões de euros” para “toda a cadeia de valor, das renováveis a todas as infraestruturas”, disse em abril de 2023 ao JE o vice-presidente europeu da elétrica Engie para o hidrogénio verde Nils Grobet, adiantando que o objetivo era que o projeto entrasse em vigor em 2028/2029.
Há precisamente um ano, o responsável da Engie salientava que o projeto aguardava pela resposta da Comissão Europeia à candidatura aos fundos europeus do IPCEI (Projetos Importantes de Interesse Comum Europeu).
Nils Grobet dizia então que o projeto iria contar com um “gigawatt de fontes renováveis e 400 megawatts de eletrolisadores. E também unidades de liquefação (conhecidas por trains), com a capacidade de exportação de mais de 100 toneladas por dia no terminal de Sines, através de um navio dedicado ao transporte rumo ao terminal de importação no porto de Roterdão”. O objetivo seria vender este hidrogénio líquido para clientes no norte da Europa, que é mais caro que a versão normal de H2.
Além da Engie e da Shell, o projeto também contava com a participação de Anthony Veder, especialista no transporte marítimo de gás natural liquefeito e da empresa neerlandesa Vopak, operador de terminais de armazenamento, que iria ficar responsável pela construção e operação dos terminais.
Outros projetos de hidrogénio em Portugal fazem o seu caminho
A Engie também faz parte de outro projeto de hidrogénio verde planeado para Sines: o GreenH2Atlantic que visa a construção de uma unidade de produção de hidrogénio verde com 100 MW no local da antiga central a carvão da EDP, que também faz parte do consórcio a par da Galp, entre outras. O projeto já recebeu 30 milhões de euros de financiamento de fundos europeus.
Ainda em fevereiro, a Comissão Europeia anunciou que dois projetos em Portugal ganharam o direito a fundos europeus: o projeto da Fusion Fuel em Sines e o da Winpower vão ter direito a fundos do programa Hy2Infra.
O projeto da Fusion Fuel representa um investimento de 650 milhões de euros com uma capacidade de 630 megawatts. “O hidrogénio verde será exportado sob a forma de amoníaco verde do porto de Sines para Roterdão. A data limite para comissionamento do projecto será 2029”, disse em fevereiro ao JE João Wahnon, fundador da empresa portuguesa cotada em Wall Street.
Já a Galp conta com um projeto de 217 milhões de euros para produzir hidrogénio verde na sua refinaria em Sines para substituir o hidrogénio cinzento, produzido à base de combustíveis fósseis, já consumido no complexo.
Este projeto tem a conclusão prevista para o final de 2025. O GalpH2Park de Produção e Armazenagem de Hidrogénio Verde vai ter uma capacidade de 100 megawatts (MW) e vai ser instalado num terreno pertencente à Zona Industrial e Logística de Sines (ZILS), numa área de 4,5 hectares, com uma vida útil de 20 anos.
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