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“Houve falta de vontade política em Portugal para promover a devolução do dinheiro roubado a Angola”, diz Transparência Internacional

Karina Carvalho, diretora executiva da Transparência Internacional Portugal, congratula-se com o arresto e bloqueio de todos os ativos de Isabel dos Santos em Portugal, para impedir, entre outras transações, a venda do EuroBic e da Efacec.
23 Março 2020, 08h03

“Parece que, inicialmente, houve falta de vontade política em Portugal para promover ativamente a devolução do dinheiro roubado a Angola”, comentou ao Jornal Económico (JE) a diretora executiva da Transparência Internacional Portugal, Karina Carvalho, considerando que o país “não está bem preparado para lidar com a lavagem de dinheiro, particularmente, com a restituição de bens roubados”. “Na realidade, ainda ninguém explicou por que motivo as autoridades portuguesas não cumpriram inicialmente, de forma total, o pedido de cooperação judicial da PGR de Angola”, adiantou.

“É muito complicado ter contas bloqueadas, mas as pessoas que agora se encontram nessas situações deveriam ter pensado bem de onde vinha o dinheiro e deveriam ter refletido em todos os problemas que poderiam ter relacionados com determinados cargos que aceitaram”, comentou Karina Carvalho, a propósito da situação em que se encontra o ex-administrador da Sonangol, Sarju Raikundalia – que continua com as suas contas bancárias bloqueadas –, e que este domingo enviou uma carta aos titulares do órgãos de soberania portugueses, referindo “não ter dinheiro para prover o sustento da sua família”, como revelou o JE.

“Sabemos que a devolução a Angola do dinheiro que reivindicam será um processo muito lento. Veja-se o que se passa em França com a recuperação de ativos aos elementos da família Obiang, designadamente, de Teodorin Obiang, filho do ex-presidente da Guiné Equatorial, Teodoro Obiang Nguema. É muito difícil. Vão demorar imenso tempo”, considera Karina Carvalho.

Em janeiro, a investigação “Luanda Leaks”, desenvolvida pelo Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação (ICIJ) revelou de que forma “a rede de empresas offshore de Isabel dos Santos lhe permitiu tirar proveito de suas poderosas ligações para, alegadamente, se apropriar de milhões de dólares em fundos angolanos”, refere.

“Não tivemos acesso ao documento enviado por Angola a Portugal, mas tudo indica que a PGR angolana fez um pedido global. Atendendo a que ao abrigo da cooperação judiciária que vigora entre os dois países, Portugal e Angola têm responsabilidades partilhadas e devem colaborar ativamente na recuperação de ativos roubados, chega-se à conclusão que os países do norte têm dificuldade em dar cumprimento cabal a essa disposição”, comenta Karina Carvalho.

Na sequência das informações divulgadas pelo consórcio internacional de jornalistas, que têm feito a triagem dos documentos do “Luanda Leaks”, “considerou-se durante algum tempo que Portugal não poderia fazer nada para restituir os montantes referidos nessas informações, porque não havia um crime prévio, mas depois tudo mudou porque a PGR de Angola veio dizer que sim, que houve dinheiro ilicitamente apropriado, portanto já é possível atuar”, diz Karina Carvalho. “Esta questão torna-se relevante atendendo ao processo alienação que estava a decorrer no EuroBic e na  Efacec, que todos sabemos que estão à venda”, diz.

Quando a PGR de Angola pediu o congelamento geral dos bens, “parece que houve pouca vontade por parte das entidades competentes portuguesas em avançarem com um arresto em conformidade com o que teria sido pedido”, considera. “O primeiro arresto autorizado pelo tribunal apenas visou as contas, o que não resolveu os objetivos pretendidos”, diz. Depois, o Ministério Público recorreu para a Relação e conseguiu que todos os ativos tivessem sido abrangidos pelos arrestos, e o Tribunal Central de Investigação Criminal avançou nesses sentido”, adiantou.

A nova decisão judicial “estende-se a várias propriedades e ações de empresas que Isabel dos Santos detém em Portugal” e “ajudará a garantir que a filha do ex-presidente de Angola, José Eduardo dos Santos, não lucre com a venda pretendida da sua participação no banco EuroBic”, explica.

De resto, a Transparência Internacional Portugal (TIP) “congratula-se com a decisão recente do Tribunal Central de Investigação Criminal de Portugal de ordenar a apreensão de todos os ativos mantidos no país por Isabel dos Santos, empresária e filha do ex-Presidente de Angola”, adiantou a diretora executiva da TIP.

“A decisão de congelar todos os ativos de Isabel dos Santos em Portugal é um passo importante para a justiça” considera. Em fevereiro, um tribunal português ordenou “o congelamento das contas bancárias de Isabel dos Santos após um pedido das autoridades angolanas para ajudar o seu país a recuperar mais de dois mil milhões de dólares em ativos ilicitamente colocados no estrangeiro”, recorda. “Mas essa decisão não foi suficientemente abrangente, como pediu a PGR de Angola, pois não impediria a venda das ações controladas por Isabel dos Santos em empresas portuguesas”, acrescentou a diretora executiva.

“Angola não tem alternativa para sustentar a sua economia, dependendo muito das receitas de petróleo, dos diamantes e de outros minérios, nem é um país que em cinco anos de investimentos possa ter as suas infraestruturas transformadas num modelo de industrialização semelhante ao europeu”, refere Karina Carvalho, considerando que “a devolução a Angola de dinheiro ilicitamente expatriado é sobretudo uma questão de direitos humanos”.

“Portugal beneficiou imenso do dinheiro proveniente de Angola, durante os anos em que teve maiores dificuldades financeiras, mas nessa altura ninguém contestou a origem dos capitais ou a viabilidade de financiar investimentos a individualidades angolanas”, comenta Karina Carvalho, considerando que “se atualmente os angolanos querem que esses capitais retornem a Angola, é lícito que as autoridades portuguesas colaborem nesse processo”.

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