Vivemos hoje em sociedades seguramente mais complexas e, creio, mais desiguais.

Por um lado, a facilidade e a escala global da comunicação deu a eventos locais um impacto e uma relevância que outrora não teriam, por outro a mobilidade, voluntária ou forçada, que nos caracteriza coloca em comunicação povos, culturas e tradições que, por milénios, não se entrecruzavam. Releva ainda que modelos de vida em sociedade que, por séculos, foram tidos como sucessos e modelos a alcançar, são hoje questionados no que têm de essencial: a liberdade e a igualdade dos Homens nas suas polissémicas dimensões.

Violenta-nos certamente a todos que, em Portugal, e segundo um estudo do Center of Economics for Prosperity, da Universidade Católica, tenhamos 400.000 novos pobres, pessoas que passaram a viver com menos de €508 por mês, o que representa um aumento da taxa de pobreza em quase 25%. Tal como não podemos ficar indiferentes à certeira crítica de António Guterres: “Viagens de recreio no espaço enquanto milhões passam fome na terra”.

Mais pobres e mais desiguais. E estaremos mais livres?

Não me parece. Sinais há, um pouco por todo o mundo, que não nos podem deixar tranquilos.

Dos quase oito mil milhões que hoje somos, quantos poderemos dizer que vivemos em plena liberdade?

É aceitável que na habitual galeria dos líderes de países com fortes limitações às liberdades individuais surjam hoje líderes de países da União Europeia?

Podemos conviver com raptos seguidos de detenções em parte incerta, levados a cabo por Estados soberanos ao arrepio das leis internacionais?

É aceitável que países com recursos naturais relevantes não só os vejam apropriados pelas pequenas cliques de poder e que, para tanto, as liberdades individuais sejam reduzidas à quase inexistência?

Pode o Parlamento Europeu continuar a aceitar deputados de um Partido que dignitários da União Europeia consideram responsáveis por uma “Democracia Doente”?

Podem as democracias e as instituições internacionais continuar a permitir que se esteja a criar no mundo uma rede de países autoritários que se relacionam política e economicamente entre si e que assim asseguram a sua sobrevivência?

Todos recordamos ditaduras que encontravam o seu fundamento e justificação em ideologias que muitos de nós combatemos. Mas, porque assim era, essas ditaduras agrupavam-se em blocos, blocos que frequentemente se combatiam.

A realidade hoje parece ser diferente. A única “ideologia” é a da ausência de liberdade, o que torna mais fácil a construção de uma verdadeira Internacional do Terror.

É, salvo melhor opinião, o que está a acontecer, sob o olhar desatento, negligente (?!), dos líderes mundiais.

Por favor ajam antes que seja demasiado tarde.

Não dêem razão a Anne Applebaum: “Se o século XX foi a história de um progresso lento e desigual rumo à vitória da democracia liberal sobre as outras ideologias – comunismo, fascismo, nacionalismo virulento –, o século XXI é, até agora, a história dessa reversão”.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.

* Le Point 2575-2576|16-23 de Dezembro de 2021; Editorial de Franz-Olivier Giesbert