[weglot_switcher]

Impacto da Covid torna incerto um calendário muito bem definido

Orçamento do Estado, regionais nos Açores, presidência portuguesa da União Europeia, presidenciais e autárquicas marcam ciclo movimentado. Sobretudo se a pandemia piorar ou se a “bazuca” tardar.
  • António Costa
12 Setembro 2020, 14h00

O Jornal Económico celebra no dia 16 de setembro o seu quarto aniversário. Nos quatro anos, todos eles de crescimento, o jornal visou sempre noticiar os principais acontecimentos na economia, na política, e no mundo. O olhar mais importante foi sempre, no entanto, para a frente – o que é que vai acontecer a seguir?  Numa altura de incertezas devido à pandemia, decidimos marcar o aniversário com trabalhos sobre o futuro. Oferecemos aos nossos leitores análises sobre as perspetivas da economia, dos mercados e da política (nacional e externa). Temos uma grande entrevista com o presidente da AICEP e também um Forum no qual 33 líderes sugerem as receitas para ajudar Portugal sair de uma crise inesperada. Obrigado pela preferência!

 

Da negociação do Orçamento do Estado para 2021 e início da campanha para as eleições regionais dos Açores até às próximas autárquicas distam apenas 12 meses, com a presidência portuguesa da União Europeia no primeiro semestre do próximo ano, no início do qual decorrem as presidenciais.

Num ciclo movimentado na política portuguesa ainda ficará claro se António Costa obtém a “Geringonça 2.0” pedida ao Bloco de Esquerda, PCP e PEV, e agora também ao PAN, para o resto da legislatura, mas um calendário tão definido esbarra na enorme incerteza associada a um agente político tão invisível quanto influente: o SARS-CoV-2, responsável pela pandemia de Covid-19.

Mais do que a dimensão da crise de saúde pública, a não ser que o número de infetados e de óbitos exponencie nos próximos meses, o principal elemento de incerteza reside nos efeitos económicos e sociais da pandemia. Mesmo que o primeiro-ministro já tenha vindo dizer que famílias, empresas e o país inteiro não poderão suportar um novo período de confinamento semelhante ao que vigorou no estado de emergência, o impacto da Covid-19 na atividade económica, e em particular no emprego, tem o potencial de alterar as regras do jogo, aumentando as hipóteses de quem se apresentar ao eleitorado como candidato de protesto, em detrimento dos incumbentes, estejam no Palácio de Belém, nos paços dos 308 concelhos ou até na residência oficial de São Bento, ainda que a antecipação das legislativas seja tão improvável quanto a disrupção da vida de milhares de milhões de pessoas por um vírus era no início de setembro de 2019.

“Ninguém consegue prever a proporção e extensão da crise económica e social provocada pela Covid-19”, afirna André Azevedo Alves, professor do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica, embora um cenário mais otimista, “em que não se verifica um agravamento das condições de saúde pública e ocorre uma recuperação económica rápida” dê força a quem estiver no poder, em Portugal e noutros países. “Se os números do desemprego não forem muito maiores daqui a um ano, o Governo pode ficar com a imagem de que geriu bem a crise”, acrescenta.
Mas para que isso possa suceder junta-se outra incerteza, de ordem “balística”, destaca ao Jornal Económico por Nuno Garoupa, professor da Universidade George Mason, nos Estados Unidos. “Ou há bazuca ou não há bazuca”, refere, vincando que a evolução do ciclo político dependerá muito do timing da chegada dos milhares de milhões de euros com que a União Europeia procura que, perante o abismo, não haja passos em frente. E, mais concretamente, dos 15 mil milhões de euros a fundo perdido que o Fundo de Recuperação pós-Covid-19 destina ao Plano de Recuperação e Resiliência português.

“Se for daqui a três meses é uma coisa, daqui a seis meses é outra, e daqui a um ano completamente diferente”, diz Garoupa, explicando que é essencial saber se o Governo apostará em mais endividamento, sendo certo que terá o cuidado de “não tocar nos funcionários públicos e pensionistas”, dois pilares da “geringonça”. “No que dia em que o fizer, o Governo terá um problema muito grave”, sentencia.

 

Primeira paragem: um teste à hegemonia do PS nos Açores
Ao mesmo tempo que João Leão se empenha na negociação de um Orçamento do Estado para 2021 que o ministro das Finanças já anunciou prever aumentos para a função pública e que só carece da abstenção do Bloco de Esquerda para ser aprovado – mas que o Governo quer consensualizar com PCP, PEV e PAN – para evitar a “crise política agitada por António Costa e que teria o efeito de um milhão de bazucas por Marcelo Rebelo de Sousa ter deixado de poder dissolver a Assembleia da República, o que só voltará a suceder quando ele (ou um(a) eventual sucessor(a) em Belém) tomar posse, prepara-se o primeiro teste eleitoral em contexto pandémico, com as eleições para a Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores, marcadas para 25 de outubro.

Hegemónico desde 1996, quando Carlos César sucedeu a Mota Amaral, o PS-Açores, liderado pelo presidente do governo regional, Vasco Cordeiro, procura nova vitória, o que só não acontecerá se o social-democrata José Manuel Bolieiro alterar drasticamente o padrão de voto dos açorianos nas europeias e legislativas de 2019.

“Não vamos ter grandes surpresas”, antecipa Nuno Garoupa, admitindo mesmo assim que, com um resultado idêntico ao das legislativas, o PS não obtenha maioria absoluta e precise do Bloco de Esquerda. E aí a dúvida será se os bloquistas (e o PS) estarão mais inclinados a um apoio parlamentar como o da “geringonça” ou a uma participação no executivo semelhante à do vereador Manuel Grilo na Câmara de Lisboa.

Por seu lado, André Azevedo Alves salienta que qualquer quebra do PS-Açores, mesmo que não implique a reconquista do poder pelos sociais-democratas, cujo candidato presidiu a Câmara de Ponta Delgada e chegou a ser vice-presidente de Rui Rio na direção nacional do PSD, será um “sinal de enfraquecimento” que António Costa dispensa no arranque de um ciclo que culmina com as autárquicas em que o ponto de partida é tão elevado que melhorar é difícil.

Mas Azevedo Alves não esquece outro ponto de interesse nas regionais: a possibilidade de a assembleia, que tem agora três deputados do CDS-PP, dois do Bloco de Esquerda, um do PCP, um do PPM e uma independente, passar a contar com representação do Chega. Nuno Garoupa concorda: “A única grande incógnita é quantos votos tem André Ventura.”

 

Os três que podem tirar a vida airada a Marcelo
Se 1 de janeiro de 2021 marca o arranque da presidência portuguesa do Conselho da União Europeia, que durará o primeiro semestre e aspiraria ao estatuto de acontecimento do ano no tempo em que não havia máscaras a tapar rostos, quebras abissais no turismo e boletins diários a dar conta do número de infetados, mortos e recuperados de Covid-19, deverá ser também em janeiro que decorrem as eleições presidenciais. E, em vez do “passeio no parque” previsto para o segundo mandato de Marcelo Rebelo de Sousa, patente em sondagens que colocavam o recorde de Mário Soares (reeleito em 1991 com 70,35%) ao seu alcance, tudo pode mudar devido à profusão de candidatos com ambições de conquistar espaço político ou até forçar a segunda volta a que nenhum Chefe de Estado em exercício foi até hoje sujeito.

Depois do fundador e presidente do Chega – reeleito no sábado com 99,4% dos votos dos militantes – André Ventura ter avançado como o challenger de Marcelo, criticando-lhe a convergência com o Governo, a eurodeputada bloquista Marisa Matias anunciou na quarta-feira que repetirá a candidatura de 2016, quando ultrapassou 10%, e no dia seguinte deu-se a apresentação oficial de Ana Gomes, com a ex-eurodeputada do PS a avançar sem o apoio do partido, dividido quanto ao tema desde que António Costa disse, numa visita à Autoeuropa, a 13 de maio, que contava reencontrar Marcelo daí a um ano.

Nuno Garoupa arrisca o prognóstico de que, mesmo assim, o atual Chefe de Estado será reeleito à primeira volta, com 55%, pouco acima dos 52% obtidos em 2016. “Se a crise agravar, isso vai prejudicar Marcelo”, antevê o professor da Universidade George Mason, autor dos livros “Portugal, um Retrato” e “A Direita Portuguesa – Da Frustração à Decomposição”, tendo em conta os vários polos de atração dos “votos de protesto”.

Por seu lado, André Azevedo Alves admite a hipótese “pouco provável” da segunda volta. “Depende de como Ana Gomes e André Ventura se posicionarem. O pior para Marcelo seria os dois descolarem. Se ganharem tração em simultâneo, aumenta a probabilidade de um cenário que continua a não ser o mais provável”, explica o autor de “Teoria Política e Geoestratégia”, concretizando que se ambos subirem acima dos 15%, juntando os votos de Marisa Matias, do(a) candidato(a) comunista ainda por anunciar, do dirigente da Iniciativa Liberal Tiago Mayan, e ainda Gonçalo da Câmara Pereira, Bruno Fialho e Vitorino “Tino de Rans” Silva, o Presidente da República pode não atingir 50% num cenário de elevada abstenção.

Mas nem é preciso haver segunda volta – para não falar numa derrota de Marcelo em que ninguém acredita, apesar de ainda nem sequer ter confirmado a candidatura – para as presidenciais condicionarem a política portuguesa. “O resultado de Ana Gomes vai ajudar a uma clarificação e leitura interna no PS”, diz Azevedo Alves, prevendo que se a ex-eurodeputada tiver um resultado fraco “veremos Pedro Nuno Santos a desvalorizar”, ocorrendo o mesmo com Fernando Medina caso o resultado seja bom. De igual modo, Nuno Garoupa vê a soma dos votos de Ana Gomes e Marisa Matias como a marca que o ministro das Infraestruturas considerará que “vale essa área política sem contar com António Costa”.

Para André Ventura, cuja reação inicial à candidatura de Ana Gomes foi anunciar que se demitirá da liderança do Chega se tiver menos votos do que ela, existe uma enorme latitude de cenários, que vão desde a chegada a uma segunda volta em que não teria hipóteses de vencer Marcelo mas enfrentaria alguém provavelmente apoiado por todos os partidos que aponta como sendo do “sistema”, do CDS ao PCP, até ao cenário “muito mau” de ficar em quarto, atrás das duas candidatas de esquerda. “Uma coisa é Ventura ter 10% com Marcelo a 70% e outra é ter os mesmos 10% com Marcelo a 55%, mas com Ana Gomes e Marisa a terem 15% cada uma”, realça Nuno Garoupa.

Autárquicas complicadas para todos os partidos
Ainda mais incertas serão as autárquicas, em setembro ou outubro de 2021, dependendo da evolução da pandemia e das ondas de choque das eleições precedentes.
“Todos os grandes partidos têm problemas”, diz Nuno Garoupa, começando pelo PS, que “parte de um patamar muito bom” e difícil de melhorar, apesar de poder manter as maiores autarquias (Lisboa, Sintra, Vila Nova de Gaia, Matosinhos, Amadora e Almada) e juntar-lhes bastiões comunistas, como Setúbal ou Seixal, estando o PCP obrigado a conter a erosão no poder local para não acentuar o “problema de sobrevivência enquanto partido influente”. Com o CDS-PP “a arriscar-se a ser pulverizado”, depois de em 2017 “fingir que teve um bom resultado graças a Lisboa”, e o Bloco de Esquerda ainda sem indícios de implantação autárquica, resta ao PSD a boa notícia de “partir de um resultado muito baixo”, temperada pela falta de perspetivas de conquistar grandes municípios, “a não ser que candidate Isaltino Morais por Oeiras”.

Para Azevedo Alves, apesar da “probabilidade relativamente alta de Rui Rio poder declarar um bom resultado por o termo de comparação ser muito baixo”, as dificuldades esperadas em Lisboa e no Porto (onde Rui Moreira vencerá desde que se candidate) podem criar uma “crise existencial” se os sociais-democratas continuarem “residuais nas grandes cidades”.

Entre os outros partidos emergentes, além da hipótese do PAN e da Iniciativa Liberal elegerem vereadores nas grandes cidades, a incógnita é até onde poderá subir o Chega antes das legislativas de 2023. E se Ventura será “candidato a tudo”, avançando para a Câmara de Lisboa, “como Paulo Portas há 20 anos no CDS”, diz Garoupa.

Copyright © Jornal Económico. Todos os direitos reservados.