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Impressão 3D pode valer mais de 9 mil milhões de euros até 2021

Os mecanismos de ‘additive manufacturing’, que envolvem hardware e software, estão a democratizar-se e a reconstruir a cadeia logística em todo o mundo, mas subsistem dúvidas sobre a consciência e durabilidade dos materiais.
14 Janeiro 2020, 21h43

A tecnologia e a ciência despediram-se de 2019 com uma das mais históricas conquistas. Em abril, uma equipa de investigadores da Universidade de Telavive revelou que concebeu em laboratório, pela primeira vez, um coração completo (com células e vasos sanguíneos) através de uma impressora a três dimensões (3D). Embora o órgão criado fora do corpo humano (ainda) não tenha capacidade para bombear sangue, as células contraem-se, o que foi suficiente para a façanha científica ecoar e ser vista como o futuro da Medicina e da transplantação. Mas, afinal, como se chegou até aqui?

Este avanço científico é recente, mas as origens da tecnologia utilizada remontam aos anos 80, quando as impressoras 3D estavam circunscritas à criação de protótipos por pessoal altamente qualificado. Também designada de prototipagem rápida ou “Addictive Manufacturing” (AM), a impressão 3D tem alargado cada vez mais o seu espectro de abrangência, desde o design e desenvolvimento do produto aos segmentos de atividade em que é utilizada. As impressoras 3D deixaram de ser uma máquina estranha a um canto da fábrica para entrar em laboratórios hospitalares e nas casas das pessoas, estando, assim, a sofrer uma democratização e a reconstruir a cadeia logística em todo o mundo. De acordo com um relatório da Comissão Europeia, o mercado da impressão 3D pode atingir os 9,64 mil milhões de euros até 2021.

José Esfola, diretor geral da Xerox Portugal, destaca as previsões do banco holandês ING de que “é difícil calcular, com exatidão, o potencial da impressão 3D”, ainda que alguns especialistas antevejam que, nas próximas duas décadas, até 50% dos produtos serão produzidos através desse método. “Todo o processo de montagem, em vários setores, pode tornar-se obsoleto. O exemplo dado pelo autor é de um rato de computador, que hoje tem de ser montado peça a peça, produzida em série”, realça o gestor português ao Jornal Económico (JE).

A Deloitte estima que a impressão 3D cresça cerca de 12,5% por ano e que as vendas com esta atividade (o que inclui impressoras, materiais e/ou serviços), por parte de grandes empresas mundiais, tenham ultrapassado os 2,7 mil milhões de dólares (cerca de 2,4 mil milhões de euros) em 2019 e possam chegar aos 3 mil milhões de dólares (aproximadamente 2,7 mil milhões de euros) já este ano. Os números são particularmente impressionantes para os analistas da consultora, tendo em conta que a receita da indústria manufatureira global totaliza cerca de 12 biliões de dólares por ano (na ordem dos 11 biliões de euros anuais).

“Tal como muitas novas tecnologias, a impressão 3D foi exagerada nos primeiros dias. Em 2014, o setor (incluindo cotadas) registou uma receita superior a 2 mil milhões de dólares, acima dos menos de mil milhões de dólares em 2009, ano em que determinadas patentes fundamentais expiraram e em que a primeira impressora de consumo doméstico – a RepRap – foi introduzida nessa sequência”, escreve Duncan Stewart, diretor de investigação em Tecnologia, Media e Telecomunicações da Deloitte Canadá, no relatório sobre “3D Printing”.

Rafael Campos Pereira, vice-presidente da Associação dos Industriais Metalúrgicos, Metalomecânicos e Afins de Portugal (AIMMAP), assinala que se trata de consequências da evolução, que seriam expectáveiss, “tendo em conta os desenvolvimentos tecnológicos verificados quer ao nível das tecnologias de produção, quer dos materiais”. O dirigente associativo da AIMMAP acha improvável que estas impressoras se tornem na única forma de produzir nas fábricas a curto e médio prazo, por dois motivos essenciais: no que concerne às grandes séries, a produção é feita de forma mais eficaz por meios convencionais e, por outro lado, porque existirão sempre materiais não compatíveis com as tecnologias de impressão a 3D.

 

Do plástico ao metal

Logo, não obstante os avanços, a impressão 3D ainda tem muito espaço por onde revolucionar, e é possível fazê-lo com o apoio da robótica. A questão dos materiais que utiliza é a mais sensível, porque, supondo que se está a utilizar resina líquida para criar um objeto, há períodos durante o processo em que esta pode ser tóxica. Luvas, máscara ou outros equipamentos de segurança não faltam nas fábricas, mas nem sempre estão presentes nas prateleiras de casa.

“Se as suas impressões 3D ainda estiverem viscosas ao toque é porque ainda são tóxicas. Têm de ser lavadas e preservadas antes de poderem ser manuseadas com segurança”, explicou o especialista em Tecnologia Anthony Karcz num artigo recentemente publicado na “Forbes”, aconselhando a quem recebeu um “brinquedo” destes no Natal a ter “muita paciência”. “A máxima a ter em conta ao fazer qualquer coisa que envolva impressão 3D ou corte a laser é que leva tempo. Até impressões relativamente simples podem demorar meio dia”, lembrou aos utilizadores.

Provavelmente, só daqui a vários anos é que todas as secretárias domésticas terão uma impressora 3D, à medida que se tornarem mais baratas e mais fáceis de manusear. A textura pegajosa não é um problema nas unidades fabris, mas subsistem dúvidas entre os agentes de mercado sobre a durabilidade e resistência de determinados materiais.

Raúl Sanahuja, responsável de Relações Públicas e Comunicação da Epson em Portugal e Espanha considera que, ao recorrer à impressão 3D, a eficiência e a produtividade “serão brutais e reinventarão os postos de trabalho”, porém “tudo depende da solidez do material em que se faça a impressão 3D”. “Os sistemas são escaláveis e, no âmbito da arquitetura, já houve testes de edifícios impressos a três dimensões. Agora é necessário continuar a trabalhar para que essas peças consigam ter durabilidade e capacidade de personalização”, disse, em entrevista ao JE.

O referido relatório da Deloitte conclui que o plástico perdeu tração nestas impressões para o metal, tendo registado um crescimento de oito pontos percentuais só entre 2017 e 2018. O vice-presidente da AIMMAP afirma ainda que a impressão 3D se desenvolveu com maior celeridade no plástico, “em virtude das exigências tecnológicas dos custos associados serem aí menores”. “A passagem para a utilização de ligas metálicas permite uma durabilidade e resistência bem acima do plástico. Outra das razões [para esta mudança] prende-se com as crescentes preocupações ambientais. Quando se procura banir o plástico dos consumos pessoais e profissionais, não faz sentido que o investimento num mercado emergente como o do 3D seja feito numa matéria-prima que está em declínio”, argumenta José Esfola, diretor geral da Xerox Portugal. O grupo norte-americano Xerox – que investe mais de mil milhões de dólares em Investigação & Desenvolvimento todos os anos, registando, em média, duas novas patentes por dia – ficou mundialmente associado à invenção da fotocopiadora. Hoje, a Xerox acredita que o seu software de design 3D com base em inteligência artificial permite facilmente a integração com pacotes CAX [de tecnologias de fabricação] para o aumento da produtividade.

A empresa portuguesa Everythink tem equipamentos de impressão 3D a nível interno de apoio aos processos de design que desenvolve, sendo sobretudo uma ferramenta de prototipagem e fabrico de pequenas séries. Na opinião do sócio Júlio Martins, estes equipamentos tecnológicos de AM devem ser complementados, tanto para prototipagem como para fabrico, com outros processos tecnológicos. “A impressão 3D, tal como qualquer outro processo, não é a resposta para todos os desafios. Temos de perceber qual o material, quais as caraterísticas mecânicas pretendidas, quais as cadências necessárias. Depois, perceber se existem recursos humanos internos para lidar com esta tecnologia, embora não nos pareça que as pessoas possam ser um entrave à sua implementação”, defende, em declarações ao JE. O partner da empresa do Porto vê o advento da impressão 3D de uma forma semelhante ao da impressão doméstica. A diferença é que, no primeiro caso, tem um “impacto mais espalhado por diversos setores” e maior aptidão para dar às organizações espaço para se reposicionarem. “Como o surgimento de impressoras domésticas não eliminou nem tipografias nem centros de fotocópias, acreditamos que a impressão 3D não eliminará outros processos tecnológicos”, adianta ainda Júlio Martins.

A Siemens é uma das tecnológicas que tem investido nestas tecnologias desde o início, e começou entretanto a impulsionar a industrialização e comercialização desses processos. A empresa alemã está a desenvolver soluções prontas para produção em série para a fabricação de bicos de gás e peças para turbinas, sendo que em 2018 conseguiu que as primeiras pás de turbinas a gás produzidas através de AM tivessem concluído com sucesso os testes de desempenho em condições de carga total. “Vamos assistindo à introdução de tecnologias de impressão porque permitem criar protótipos de forma relativamente rápida. Ao nível da robótica, podemos vê-la como um dispositivo que também une a mecânica à eletrónica, permitindo esse desenvolvimento rápido”, destaca Manuel Silva, professor no Instituto de Engenharia do Porto e presidente da Sociedade Portuguesa de Robótica.

Bruxelas considera que os desafios da AM estão essencialmente na área da responsabilidade civil e dos direitos sobre a propriedade intelectual. Isto porque, apesar de dar ímpeto à produção local e ao desenvolvimento e comercialização de mais desenhos criativos, continuam, por exemplo, a persistir dúvidas sobre quem é responsável quando um produto impresso em 3D fere alguém: o designer, o proprietário da impressora, o produtor do software para a máquina, o fabricante da impressora ou a pessoa que imprimiu o produto. “O número de pessoas que reproduzem um produto ou obra protegida pela lei de propriedade intelectual através de plataformas de compartilhamento de arquivos 3D é baixo, encontrando-se o risco de falsificação sobretudo no caso de obras de arte.

Contudo, devemos ter em conta os futuros problemas relacionados com os direitos de autor que certamente se manifestarão quando a impressão 3D se tornar industrial”, disse a ex-eurodeputada francesa Joëlle Bergeron, numa entrevista divulgada pelo Parlamento Europeu. A pensar nas necessidades de formação nesta área, a The European Federation for Welding, Joining and Cutting (EWF) lançou este ano um sistema internacional de educação, formação e qualificação para os recursos humanos que trabalham na fabricação aditiva, dividido em dois níveis: um para operadores e outro para engenheiros. Para a EWF, o setor da construção é aquele onde esta tecnologia pode ter mais impacto.

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