Angola tornou-se independente em 1975. Menos de cinco anos depois, em 1982, desembarquei em Luanda, investido na ingrata função de representar uma empresa petrolífera norte-americana para cujo departamento jurídico começara a trabalhar uns meses antes. Nem todos os amigos que viviam em Luanda me receberam com entusiasmo. A fogosa Gabi, com quem eu tinha fundado, poucos meses depois do 25 de Abril, o Sindicato Livre dos Professores de Angola, não fez nada por menos: “Agora és mais um cão de guarda dos imperialistas”.
Outros brindaram-me com ostensiva indiferença ou mal disfarçado ressentimento. Mas houve um amigo que fez questão em mostrar-me que, no coração dos homens bons, há coisas que nunca mudam. Foi o Lima Viegas. Desde o primeiro momento do nosso reencontro, era patente que se mantinha intacta a relação de amizade que começara na Faculdade de Direito de Lisboa, 12 anos antes.
Domingos Assunção de Lima Viegas, que viria a ocupar vários cargos de liderança na indústria petrolífera angolana, era então diretor do gabinete jurídico do Ministério dos Petróleos. Juntamente com Alexandre Pessoa Vaz, advogado da Sonangol, constituíam o suporte jurídico da “Delegação de Negociações” angolana que negociava a prorrogação da concessão de Cabinda para a Gulf Oil, hoje Chevron, a segunda maior petrolífera norte-americana e uma das cinco supermajors em todo o mundo.
Era uma equipa temível, composta por representantes de três ministérios, da Sonangol e da ADL, então a mais reputada consultora da indústria petrolífera internacional. As negociações de Cabinda foram, como alguém já afirmou, a universidade da primeira elite do setor petrolífero angolano.
O Lima Viegas tinha uma missão espinhosa. Enquanto advogado do ministério da tutela, cabia-lhe encontrar para Cabinda soluções de matriz internacional, no quadro de uma legislação escassa e ainda marcada por distorções de cariz marxista-leninista. As propostas contratuais da empresa norte-americana eram por vezes surpreendentes e até exóticas, mesmo para os iniciados juristas presentes.
Lima Viegas tinha sempre a mesma atitude de curiosidade, de interesse e de espanto. Ao longo de seis anos de negociações, em Luanda como em Paris, em Houston como em Londres, o que o fascinava eram as pessoas, os lugares, as surpresas que cada dia trazia. Era um homem pasmado perante o esplendor da vida. Era assim o meu amigo Lima Viegas.