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Presidente da Agência Espacial Portuguesa: “Indústria nacional será especialista em satélites de alta resolução”

O presidente da Portugal Space, Ricardo Conde, revela que o mercado nacional vai contar com mais três satélites de muito alta resolução, o que permitirá criar uma agenda industrial nesta tecnologia.
4 Julho 2021, 14h00

Ricardo Conde, presidente da Agência Espacial Portuguesa – Portugal Space, revelou, em entrevista exclusiva ao Jornal Económico, que o mercado nacional vai ter mais três satélites de muito alta resolução – além dos dois satélites de alta resolução que passou a ter desde fevereiro passado – o que promoverá a agenda industrial portuguesa neste tipo de tecnologia do “New Space”, que designa o mercado emergente de pequenos foguetões e microssatélites.

 

Nas entrevistas dadas pela anterior presidente da Agência Espacial Portuguesa, Chiara Manfletti, foi referido que Portugal tem grande capacidade de atração de investidores, pressupondo que haveria estrangeiros que quereriam vir para Portugal para desenvolver projetos na área espacial, mas também disse que o país estava muito incipiente na indústria especializada nesta área, portanto, deu a entender que há investidores interessados em Portugal mas que ainda temos muitos passos a dar. Este quadro ainda se mantém?
Diria que essa situação já se alterou. E alterou-se também com a contribuição de Chiara Manfletti. Primeiro, a agência marca o ritmo das atividades espaciais em Portugal. Temos uma afirmação de Portugal através do espaço absolutamente diferente do que era no passado. Isso nunca aconteceu anteriormente. Nós estamos envolvidos nas principais decisões daquilo que é a política espacial europeia. Não só porque Portugal é co-presidente, com a França, da Agência Espacial Europeia, e também neste contexto da co-presidência do Conselho de União Europeia. O espaço é um dos pilares de desenvolvimento e de resiliência perspetivado nas políticas europeias, e Portugal tem-se afirmado nesta área. Nunca se publicaram tantas notícias sobre o espaço como no último ano. Isto deve-se a uma dinâmica que a agência implementou, em particular em setembro de 2020, quando nós lançámos aquilo que faltava cá em Portugal, que é uma verdadeira estratégia através de um programa nacional.

 

Quais são os desafios dessa estratégia?
Lançámos quatro desafios para que Portugal, numa década, se tornasse uma nação espacial. Para isso vamos fazer com que haja uma agenda de industrialização no sector, com o lançamento de uma constelação de satélites – acabei de falar com os responsáveis da Defesa sobre as perspetivas da constelação endereçar alguns problemas que tradicionalmente afetam Portugal, como o cadastro, a monitorização Atlântica, e a monitorização dos fogos, que são um conjunto de ferramentas que a constelação de satélites irá permitir. Depois teremos uma política de dados de observação da terra, com o chamado digital planet, que é o desafio que nós lançámos para abordar uma política que faça com que se desenvolvam as aplicações downstream. Se tivermos acesso aos dados, muito mais facilmente teremos a possibilidade de desenvolver aplicações de downstream.

 

Seguimos o caminho de outros anteriores desenvolvimentos tecnológicos…
Sim. Se hoje temos inúmeras aplicações ao nível do posicionamento geográfico foi porque o GPS na altura abriu o seu sinal. É isso que também queremos fazer em Portugal. E já estamos a dar os primeiros passos. Uma das aplicações é a secure connectivity. Temos grupos fantásticos em Portugal que estão na fase de R&D – Research & Development, que é a questão do Quantum, a parte como Portugal se quer posicionar neste xadrez europeu para o Quantum. Temos aqui um desígnio muito específico. E depois teremos o ecossistema da ilha de Santa Maria, que é extremamente importante no desenvolvimento futuro da capacidade de acesso ao espaço.

 

O que mudou entretanto?
Isto foi lançado e nunca antes tinha havido uma estratégia em Portugal que lançasse estes programas nacionais. Isto vai permitir criar – e vamos utilizar o Programa de Recuperação e Resiliência para o fazer – um verdadeiro Programa Nacional para o Espaço.

 

Que impacto terá no sector empresarial?
Leva a que haja uma possibilidade real, concreta de industrialização – e aí é que está a capacidade de atrair investimento estrangeiro –, mas também lembro que algumas empresas estrangeiras já se estão a associar com empresas nacionais no alinhamento nestes desafios programáticos. Por exemplo, a OHB, o maior grupo espacial alemão e a sua participada Rocket Factory Augsburg (a RFA e a sua subsidiaria RFA Portugal), em parceria com o centro de engenharia CEiiA, vão produzir o demonstrador do andar orbital do futuro foguetão RFA ONE, no âmbito do “Programa Boost!”, da ESA, que apoia os serviços de transporte comercial espacial da ESA. Esta fase será sucedida pela qualificação para a fase seguinte, que visa a produção industrial desta parte do foguetão, que deverá ocorrer ao longo de 2021. A Portugal Space promove assim o desenvolvimento em Portugal de componentes estruturais da nova geração de microlançadores de satélites para uma órbita baixa, numa base semanal e a preços competitivos. Este é o chamado “New Space”, um mercado emergente de pequenos foguetões e microssatélites (a RFA integra um dos dois consórcios selecionados para a construção e exploração do Porto Espacial de Santa Maria, nos Açores, que lançará microssatélites a partir de 2023).

Mas em que fase é que estão atualmente?
No desenvolvimento de fuselagens e estruturas para rockets, ou seja, estão no kick stage, que é o estágio final do lançador do rocket. Já deram os primeiros passos. Eu diria que a massa crítica que a Chiara referiu na altura, neste momento os programas nacionais irão de alguma forma fazer com que essa massa crítica seja atraída e organizada. É muito fácil dizer que não temos massa crítica. O que é mais difícil é fazer com que a massa crítica nacional se organize.

 

Já é possível quantificar essa afluência de investidores e de parcerias?
Temos várias formas de o fazer. Temos uma relação muito próxima e direta com a Aicep, que é por onde nós atraímos empresas fora do espaço europeu. Isso é um dos aspetos extremamente importantes. Já temos alguns sucessos. Há uma empresa americana que é a LeoLabs (produz radares que captam objetos em órbita), que vai ser atraída para Portugal. Há outras empresas que estão neste momento a ver oportunidades de apoio ao nível da Aicep para se fixarem cá em Portugal na estrutura de satélites. Ou os consórcios que se estão a formar para responder ao PRR – Plano de Recuperação e Resiliência, em que a OHB é uma delas, tal como a própria Thales, ou a Airbus. Há conversas neste momento porque lançámos os programas nacionais – porque se não lançássemos programas nacionais isto muito dificilmente aconteceria. Conseguimos dar uma noção clara de qual a direção sobre as várias dimensões que o país está preparado para encarar nos próximos anos. Estas são algumas iniciativas em que vamos ter resultados já este ano.

 

E a sede em Santa Maria? Qual será o modelo a concretizar?
Sobre a questão da sede, na ilha de Santa Maria, a agência não vai ser uma agência como o CNES – Centre National d’Études Spatiales, ou a NASA. Vai ser uma agência muito parecida com a UK Space Agency, ou a agência israelita, em que se concentra na agência as políticas e as estratégias nacionais, mas têm de ser as empresas quem executa. Quem faz, têm de ser as empresas. Por isso é que nós promovemos e arranjamos mecanismos financeiros, mas depois são as empresas que têm de fazer os projetos. Queremos em Portugal uma política de desenvolvimento sustentável de negócios, porque, em relação ao espaço, temos de olhar para aquilo que é chamado o newspace, que significa novos mercados no sector do espaço. A agência não vai ter uma centena de funcionários. Pretende ser uma agência ágil, que represente Portugal nas várias organizações internacionais, com um foco muito específico na promoção e na orientação da política estratégica de investigação e de desenvolvimento industrial.

 

Um dos objetivos do programa estratégico Portugal Espaço 2030 era criar mil postos de trabalho qualificados e multiplicar por dez o volume de negócios nacional para que em 2030 atingisse cerca de 500 milhões de euros. Este processo evoluiu nos últimos anos, ou, mesmo assim, deveria ter sido mais acelerado?
Se não lançássemos um programa nacional, isso não aconteceria de per si. Essa é que é a grande questão. Primeiro temos de ver quais são as necessidades do país, para sabermos porque razão necessitamos de uma determinada tecnologia, ou qual é o impacto sócio-económico. Percebemos que Portugal não é um consumidor deste tipo de tecnologia, e dou o exemplo das Forças Armadas, que muitas vezes vão comprar fora do país. Há aqui um caminho que tem de se fazer. Este Governo deu um passo muito acelerado para fazer o cadastro rural, que tem sido um dos problemas dos fogos, porque não há uma organização e gestão da floresta, com todos os problemas que daí advêm. Mas, nos últimos dois anos, houve um impulso muito grande para o cadastro. Ora, as tecnologias de satélite estão muito diretamente ligadas ao cadastro. Nós podemos fazer um cadastro dinâmico. Já demos um passo muito grande em janeiro. Através da agência, nós apoiámos a constituição de uma empresa, que é a GeoSat – Global Earth Observation Satellites, que adquiriu dois satélites de alta resolução e fez com que Portugal, além do PoSat, passasse a ter equipamento de alta resolução. Agora Portugal já tem dois satélites de alta resolução.

 

Quem participa na GeoSat?
A GeoSat, presidida por Francisco Vilhena da Cunha, foi constituída em fevereiro e é controlada pela Omnidea, presidida por Tiago Pardal, detentora de 55% do seu capital, tendo como parceiros o CEiiA, com 35%, e o AIR Centre, presidido por Miguel Belló, com 10%. O GeoSat tornou-se logo um dos maiores operadores de satélites na Europa, após ter comprado dois satélites – o Deimos 1 e o Deimos 2 – de observação da Terra ao grupo Urthecast, do Canadá, que entrou em falência. Junta-se ao grupo de empresas privadas que operam satélites de muito-alta resolução submétrica, sendo a primeira empresa portuguesa que opera satélites de observação da Terra, promovendo aplicações e serviços downstream. A prioridade da GeoSat é estabelecer parcerias para a criação da nova geração de satélites de observação da Terra que possam substituir os satélites atuais.

 

O que é que diferencia verdadeiramente a GeoSat?
A GeoSat é das poucas empresas na Europa que consegue providenciar imagens de objetos com 50 centímetros. Um dos grandes objetivos é fazer com que a própria agência promova a nova geração desses satélites. Vamos fazer com que haja mais três satélites de muito alta resolução. Com isto, lançamos as bases para termos uma agenda industrial. Este é o caminho. Constitui-se massa crítica e também mercado. E fazemos com que Portugal passe a utilizar imagens de satélite nacionais para o cadastro, para a Defesa, para a monitorização dos fogos e para a monitorização do Atlântico. Estamos a induzir esta necessidade, para capacidades que o país comprava lá fora.

 

Quer dizer que já há utilizações práticas destas capacidades?
A Defesa já se prepara para fazer um teste-piloto com esta nova empresa. Isto é uma sequência. Quando no final do mês de junho se constituírem os consórcios para concorrerem a estes desafios que a agência está a lançar, dentro do PRR – Plano de Recuperação e Resiliência, um dos objetivos é fazer com que um dos consórcios diga que consegue pegar num desafio lançado à indústria e transformá-lo num business case. Ou seja, vão pegar no desafio e transformá-lo num negócio sustentável, porque tem uma componente de mercado internacional, porque tem outra componente de mercado nacional e porque criou uma cadeia de valor durante estes anos e essa massa crítica vai-se constituindo. Isto é um processo. Demora tempo. Mas estou em crer que em quatro anos vamos dar um salto quântico. É por aí que temos de ir.

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