Luís Pinheiro, presidente da Lusomorango, a maior organização portuguesa de produtores do sector das frutas e legumes, que se dedica à produção e comercialização de pequenos frutos, explica a importância desta atividade para a região de Odemira e o que está a ser feito para minimizar o impacto da seca, incluindo a criação de um centro de conhecimento que tem como objetivo encontrar soluções para o problema, agravado pelo Clima. As alterações climáticas foram, aliás, o tema do V Colóquio Hortofrutícola promovido pela Lusomorango, em parceria com a Universidade Católica Portuguesa na vila alentejana de São Teotónio e do qual o Jornal Económico foi media partner.
Qual o fruto vermelho mais produzido em Portugal e em que zona do país?
Framboesa, claramente, framboesa, no litoral alentejano, concelho de Odemira, Perímetro de Rega do rio Mira.
Quanto vale a fileira dos pequenos frutos produzidos no país? Desse valor quanto são exportações?
A fileira dos pequenos frutos em Portugal deve estar nos 250 milhões de euros e as exportações representam mais de 95%.
Quanto contribui a Lusomorango para o todo?
A Lusomorango representa 35%.
Quais são os principais mercados de exportação da framboesa de Odemira?
Alemanha e Reino Unido são os dois principais mercados europeus. Outros mercados importantes são os países Nórdicos, França, Pensínsula Ibéria Espanha e Médio Oriente.
A inflação e a guerra da Rússia na Ucrânia fizeram subir os custos de produção?
O custo médio de produção terá subido cerca de 15% no nosso sector. Não teremos sido, ainda assim, os mais afetado dentro do sector agrícola, mas subiu cerca de 15% o que tem um impacto bastante significativo nos resultados operacionais das empresas no ano de 2022 e potencialmente em 2023.
Isso pressupõe uma queda do sector em idêntica proporção? A inflação é a principal preocupação?
Não, pelo menos no imediato. Estou mais preocupado com o efeito da escassez hídrica, da falta de água, no sul do país do que com a questão da inflação. O impacto da inflação com certeza que reduziu margens operacionais das empresas, é possível que tenha impacto marginal no volume de negócios, obviamente nota-se que os mercados não absorveram, no imediato, esse aumento da inflação, mas também se nota, já, a partir de meados ou do final do primeiro semestre deste ano, que os mercados começam a recuperar e começam a ter a remuneração mais adequada ao custo de produção. Eu diria que o efeito da inflação tem o impacto de desacelerar o crescimento, não de redução do crescimento do sector e da fileira em Portugal e que ele irá retomar. Estou mais preocupado com os efeitos da falta de água – isso, sim, vai ter um impacto muito mais significativo na fileira.
Falemos da água. Nesta altura do ano, como estão os recursos hídricos na região, nomeadamente a albufeira de Santa Clara na bacia hidrográfica do rio Mira?
A barragem encontra-se a 33% da sua capacidade, neste momento, isto dá uma quota 106.105, estou a referir a questão da quota, porque a quota de exploração a que irá em 2023 é 104. Este ano, as empresas agrícolas têm uma dotação por hectare atribuída de 1.800 m3 por hectare, o que, se olharmos para o nosso sector, é cerca de 50% daquilo que necessitamos para um ano normal.
Temos muitos outros produtos dentro do Perímetro Agrícola do Mira em situação ainda de maior défice. A framboesa e os pequenos frutos, em geral, são produtos de médio consumo hídrico, entre os três mil e os 4.500 m3 por hectare. Existem muitas culturas no Mira que necessitam de 5 mil a 8 mil metros cúbicos. Ainda assim, as nossas culturas estão em menor défice do que outras. De qualquer maneira, como vê, estamos a cerca de 50% daquilo que era o normal.
O que é que isto significa?
Significa, por um lado, que as empresas têm investido muito nos últimos anos para se tornarem muito mais resilientes à questão da água, construindo reservatórios, reutilizando e recirculando água e apostando em sistemas cada vez mais otimizados para evitar as perdas. Esse investimento, nos últimos dois anos, tem permitido ou irá permitir a partir deste ano que as quebras possam não ser significativas. Ainda assim, nós estimamos quebras de produção potenciais de cerca de 10% no milho.
A Lusomorango com três parceiras lançou, recentemente, o Centro de Inovação e Sustentabilidade, que visitámos no âmbito do V Colóquio em que o JE foi media partner, e onde nos foi dito pela sua coordenadora que o grande foco, neste momento, é encontrar soluções para reduzir a água na produção da framboesa. A gestão da água é o principal problema na vossa atividade?
O Centro é muito pertinente e tem a ver com a forma como a Lusomorango se tem posicionado e se posiciona relativamente a este tema. O tema deste ano do Colóquio era justamente as alterações climáticas.
As alterações climáticas estão a ter um grande impacto na bacia do Mediterraneo e nós podemos vê-las com clareza não só em Portugal, em Espanha e nos outros países do Mediterrâneo. Se olharmos para a última década em termos de precipitação na bacia do rio Mira temos, em média, uma redução de 35% da pluviosidade, mas as recorrências na albufeira de Santa Clara são de uma dimensão bastante maior. A pluviosidade diminuiu mas também mudou o ciclo normal da precipitação — as chuvas não vêm nos mesmos períodos, vêm em períodos muito curtos.
Quais as metas deste centro de conhecimento?
A Lusomorango há vários anos tem dentro da sua estratégia e do seu programa operacional uma ação muito destinada, com os seus produtores, para o investimento em eficiência hídrica e modernização de sistemas, em sensores de monitorização, em software de monitorização para optimizar os consumos hídricos. O Centro de Inovação e Sustentabilidade tem muito que ver com essas respostas. A Lusomorango quer ir além daquilo que tem feito, das soluções que temos vindo a implementar ao longo dos últimos anos.
Olhando para um futuro com menos disponibilidade hídrica, achamos que é importante fazer investigação e trazer investigadores que permitam ir um pouco mais longe, queremos testar nova tecnologia, mas também potencialmente ver e adaptar genéticas ao território. O objeto do Centro é perceber se conseguimos fazer o que fazemos com menos água, potencialmente esses menos 50%, que referia. Nós temos essa ambição, agora se o conseguimos ou não fazer, é um pouco descobrir um mundo que ainda não existe. É por isso que lançámos o Centro e temos a ambição de fazer dele um pólo de investigação inovador em matéria de utilização dos recursos hídricos. Mas não só.
A visão e a estratégia que a Lusomorango está a implementar e que conduziu até aqui foi desenhada em parceria com a Universidade Católica Portuguesa?
A Lusomorango tem uma parceria com a Universidade Católica Portugusa há vários anos. Há alguns anos desafiamos a Católica para nos ajudar a trazer conhecimento ao território, nomeadamente estudando as mais valias económicas, mas também os impactos sociais e ambientais do território. Havia muito desconhecimento sobre o que verdadeiramente significava o sector agrícola e o Perímetro de Rega do Mira no contexto local, regional e nacional.
Sim, a Católica foi um parceiro que nos ajudou nas nossas sessões de brainstorming a descobrir qual podia ser a nossa visão de futuro. O documento final foi aprovado em assembleia geral da Lusomorango em setembro de 2022.
O que fizeram desde então?
Conseguimos angariar parceiros porque este não é por si só um projeto que a Lusomorango possa fazer acontecer da melhor forma. Precisamos trazer outros parceiros com outro conhecimento para o território, conseguimos organizar os parceiros, conseguimos lançar a iniciativa, ela está no território e está a ser muito bem acolhida.
Na verdade, lançámos as bases com o orçamento para 2023 e o Centro de Investigação é a primeira peça deste projeto. A estratégia passa por reforçar a equipa executiva da Lusomorango – os seus membros do conselho de administração – somos, na verdade, produtores ou representamos produtores da região – para que tenha uma capacitação superior para poder executar essa estratégia.
2024 vai ser um ano muito importante para as outras peças do puzzle da estratégia começarem a ser implementadas.
Estamos a falar de agricultura de mão de obra intensiva que recorre a trabalhadores estrangeiros.
Portugal como os outros países europeus para alguns sectores de atividade não encontra mão de obra nacional. Isto é válido para a agricultura, para o turismo, para a construção, para vários outros setores – ainda por cima com a realidade demográfica, uma das piores taxas de natalidade do mundo, não conseguimos ter mão de obra nacional. Temos uma lei que funciona na base da excepcionalidade, ou seja, não é uma lei em que o país tenha portas abertas à imigração, mas com a excepcionalidade que tem, permite que quem quer entrar no território, entre, mas entrando pela excepcionalidade poderá dar azo a comportamentos menos dignos de quem queira aproveitar-se da situação. Era fundamental haver uma lei mais adequada àquilo que são as necessidades das empresas mas também à salvaguarda dos direitos das pessoas que chegam a Portugal.
A Lusomorango tem um código de conduta que as empresas têm de seguir para evitar comportamentos menos adequados. As empresas são auditadas através de auditorias externas para avaliar o cumprimento.
Como estão a minimizar problemas como o do alojamento ou das condições de trabalho dos migrantes que colocaram Odemira nas bocas do mundo?
Portugal não tem qualquer regulação que permita criar condições de alojamento para trabalhadores sazonais quer seja para a agricultura quer seja para qualquer outra atividade. Esse é um problema estrutural. Não conseguimos encontrar soluções legislativas que permitam adequar essas condições de alojamento. Soluções legislativas existem noutros país da Europa, mas não existem em Portugal.
A Lusomorango há muitos anos tem trabalhado, desde 2016 para ser mais preciso, para ter uma solução de alojamento no território, no concelho de Odemira. Em 2017 colocámos sobre a mesa o projeto conhecido como IATA – Instalação de Alojamento Temporário Amovível para os trabalhadores – plasmado na Resolução do Conselho de Ministros. Foi a Lusomorango que impulsionou o projeto, que o levou para os grupos de trabalho, que o apresentou aos vários parceiros, quer locais quer regionais quer nacionais e ele acabou por ser acolhido pelo Governo.
Qual o ponto da situação neste momento?
Há que notar que tivemos uma cerca sanitária há dois anos em Odemira e na altura ainda não tinha sido possível avançar com nenhuma construção IATA, digamos assim. Passados estes dois anos, a única habitação nova existente nova em Odemira foi criada pelas empresas – cerca de mil novas camas.
A habitação vai continuar a ser um tema muito relevante em Odemira e não só – é uma questão do país. Espero que se consiga encontrar outras soluções de alojamento e espero que os memorandos assinados com os municípios também sejam cumpridos. Temos muito essa expectativa.
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